domingo, 31 de janeiro de 2021

RISCO DE SERVILISMO

Editorial Folha de S.Paulo

Jair Bolsonaro voltou ao jogo da política tradicional no ano passado, quando se viu encurralado pelas investigações sobre os negócios de sua família em meio à pandemia do coronavírus e ao aprofundamento de uma recessão.

Sentindo que seu pescoço estava a prêmio, o presidente abandonou o discurso adotado na campanha eleitoral e retomou a negociação de cargos e verbas com partidos que dão as cartas no Congresso, como fizeram seus antecessores.

O objetivo principal sempre foi criar uma barreira de contenção para garantir seu mandato, reunindo uma base de apoio que, mesmo minoritária, tivesse número suficiente para impedir o avanço de um processo de impeachment.

A estratégia foi bem-sucedida até aqui, e o mandatário decerto espera coroá-la nesta segunda (1º), com as eleições que renovarão a liderança das duas Casas legislativas.

Bolsonaro não faz segredo de seu endosso a Arthur Lira (Progressistas-AL), que concorre à presidência da Câmara dos Deputados, e a Rodrigo Pacheco (DEM-MG), postulante no Senado, que contam com o Planalto na cooptação de aliados.

Os principais adversários, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e a senadora Simone Tebet (MDB-MS), tiveram defecções em suas fileiras. Trata-se de cenário inquietante.

Embora não tenha faltado apoio para uma agenda reformista no período em que Rodrigo Maia (DEM-RJ) presidiu a Câmara, quando se aprovou a reforma da Previdência, os desentendimentos entre ele, Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, inviabilizaram outras iniciativas desde então.

Mais importante, Maia foi sustentáculo da postura altiva com que o Congresso enfrentou os rosnados autoritários de Bolsonaro, seja ao rejeitar decretos e medidas provisórias abusivas, seja ao responder a ataques abertos aos Poderes. Deixa ao sucessor a tarefa de deliberar sobre dezenas de pedidos de impeachment do chefe de Estado.

Um presidente da República cioso de suas responsabilidades saberia aproveitar a situação favorável para negociar uma pauta ambiciosa, que possa colocar as contas do governo em ordem e restaurar a confiança na economia.

Entretanto Bolsonaro já demonstrou à farta que a agenda do país está em segundo plano, se tanto, neste governo. Sua conduta se pauta tão somente por dar vazão aos anseios raivosos de seguidores extremistas e safar-se de responder por desmandos em série, dos quais os cometidos na gestão da pandemia são apenas os mais recentes.

Sobram, pois, razões para temer os riscos envolvidos nas eleições desta segunda. Um Congresso subserviente ao Planalto —com o que parecem acenar os candidatos patrocinados por Bolsonaro, em particular Arthur Lira— representaria um retrocesso intolerável.

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