O presidente Jair Bolsonaro, seus familiares, seu governo e seus seguidores têm mostrado que desconhecem o Direito brasileiro. Estão descaradamente promovendo, por várias vias, uma campanha de intimidação contra adversários políticos, como se não existissem no País as liberdades de opinião e de expressão.
No dia 15 de março, o youtuber Felipe Neto foi intimado a depor na Polícia Civil, em investigação relativa a crime de calúnia e a crimes contra a Segurança Nacional (Lei 7.170/83). O fato a ser apurado: Felipe Neto chamou o presidente Jair Bolsonaro de genocida, em razão de sua atuação na pandemia. Na semana anterior, Carlos Bolsonaro tinha anunciado, em rede social, que apresentara queixa-crime contra Felipe Neto e a atriz Bruna Marquezine, por supostos crimes contra seu pai, Jair Bolsonaro.
Não há dúvida de que as liberdades de opinião e expressão autorizam o exercício da crítica, especialmente em relação aos governantes. Essa intimação da Polícia Civil, que depois foi suspensa pela Justiça, foi claro uso do aparato estatal para perseguir quem se opõe à família Bolsonaro.
Nesse intento de intimidar, chama a atenção o descuido com o próprio Direito. A Lei de Segurança Nacional prevê que, “para apuração de fato que configure crime previsto nesta Lei, instaurar-se-á inquérito policial, pela Polícia Federal: de ofício, mediante requisição do Ministério Público, mediante requisição de autoridade militar responsável pela segurança interna, mediante requisição do ministro da Justiça”.
Cabe à Polícia Federal, e não à Polícia Civil, apurar o suposto crime. Além disso, ao que se sabe, Carlos Bolsonaro não é ministro da Justiça, tampouco representante legal de seu pai para apresentar queixa-crime relativa à suposta calúnia. Nessa história, é também muito estranha a conivência da Polícia Civil, permitindo-se ser usada para fins evidentemente ilegais.
Outro órgão que tem permitido ser usado nessa empreitada de intimidação – às vezes, assumindo um lamentável protagonismo – é o Ministério da Justiça. Em vez de ser a voz que lembra o Direito no governo federal, o titular da pasta, André Mendonça, tem preferido esquecer a ordem jurídica e agradar ao presidente Jair Bolsonaro.
Além de desrespeitar liberdades fundamentais, os casos revelam uma obsessão doentia por perseguir quem se posiciona publicamente contra Jair Bolsonaro. Por exemplo, a pedido do ministro da Justiça, a Polícia Federal abriu investigação contra o sociólogo e professor Tiago Costa Rodrigues, por ter organizado a instalação de dois outdoors críticos ao governo Bolsonaro em Palmas, no Tocantins. Um dos outdoors trazia a frase “Cabra à toa, não vale um pequi roído. Palmas quer impeachment já”.
Inicialmente, o caso foi arquivado por recomendação da Corregedoria Regional da Polícia Federal e do Ministério Público Federal do Tocantins. No entanto, o Ministério da Justiça insistiu, determinando a abertura do inquérito contra o sociólogo.
Recentemente, o ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal e o pró-reitor de Extensão da universidade, Eraldo dos Santos Pinheiro, assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pela Corregedoria-Geral da União (CGU) se comprometendo a não criticar o governo Bolsonaro dentro de ambiente de repartição pública. Os dois atacaram a condução do combate à pandemia durante uma live realizada dentro da universidade.
Com essa ofensiva do governo federal de intimidar, há quem venha se sentindo à vontade para agir muito além do que a lei permite. No dia 15 de março, em Belo Horizonte e Salvador, dois jornalistas foram agredidos, enquanto trabalhavam na cobertura de manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro. Nos dois casos, bolsonaristas tentaram impedir que os profissionais filmassem e fotografassem as manifestações.
No dia 17 de março, por defender o distanciamento social, o jornal Folha da Região, em Olímpia (SP) teve sua sede atacada, o que provocou um incêndio.
Um governo que persegue opositores viola a essência da democracia e da liberdade. Pensando-se forte, expõe sua maior debilidade, a de caráter.
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