Quem, por dever de ofício, já teve a infelicidade de assistir a Jair Bolsonaro em seus stand-up na saída do palácio, não deixou de notar o semblante do delinquente do Planalto nesta quarta-feira (14).
Bolsonaro balbuciava: “Chegamos ao limite. Ninguém sabe o que pode acontecer. Estou esperando a sinalização do povo”, disse em palavras não exatamente textuais.
A chorumela aconteceu no mesmo dia em que o STF iria julgar o futuro da CPI sobre a Covid e o futuro de Lula num julgamento duplo. A CPI foi confirmada por ampla maioria. Já a anistia a Lula foi postergada para esta quinta.
Bolsonaro tenta repetir, ao mesmo tempo, Eduardo Villas Boas e Donald Trump. O primeiro, então chefe do Exército, postou um twitter indecente e ditatorial mandando o Supremo impedir a candidatura de Lula. O STF bateu continência e abriu caminho para uma eleição fraudulenta que permitiu uma turma de milicianos assaltar o poder.
Já o segundo estimulou o “seu povo” a invadir o Congresso americano para impedir a posse de Joe Biden. A história todo mundo conhece, bem como seus resultados.
Genérico tabajara, Bolsonaro percebeu que está na fila da guilhotina. Não há governo digno deste nome no Brasil desde que ele assumiu, a não ser uma quadrilha de malfeitores comandada por um “gabinete de ódio”. Seu mandato atualmente resume-se a tentar salvá-lo e sua famiglia da cadeia.
É possível enganar muitos durante pouco tempo, poucos durante muito tempo, mas não todos durante todo o tempo. Chegou a hora de acertar as contas.
Não, ele nunca esteve sozinho. O capital estufado, a grande mídia, os parasitas do dinheiro do povo no Congresso sempre estiveram com ele. Os ventos mudaram de lado. Hoje muitos posam de arrependidos ao ver o tamanho da encrenca. O país é maior do que Brasília.
O Brasil de verdade sangra dia a dia pela escalada da miséria. Metade da população está no limite da fome e recolhendo comida em latas de lixo. O desemprego sobe vários degraus a cada mês. As calçadas viraram moradia para milhares de famílias que não têm como pagar aluguel de um cômodo que seja.
Não me venham com essa história de que a Covid é a mãe de todas as desgraças. A pandemia só fez aprofundar uma política predadora e beneficiária do grande capital. Antes da praga do vírus, a economia brasileira já estava na lona.
As reformas “neoliberais” só produziram desastres para o povo. Paulo Guedes, especulador do mercado financeiro, tentou aprofundar o modelo do golpista Michel Temer. Pinochetista de carteirinha, vendeu a ideia de que a destruição de direitos trabalhistas e a destruição da aposentadoria solidária sinalizavam o caminho do progresso. Os números estão aí.
A pandemia só fez a catástrofe saltar aos olhos. O mesmo Guedes prometeu 40 milhões de testes prometidos por um “amigo” estrangeiro. Até hoje não se viu um band-aid desta parceria.
Enquanto isso, cerca de 4.000 brasileiros morrem diariamente por falta de oxigênio, leitos e equipamentos hospitalares. Bolsonaro faz troça do desespero de famílias que nem sequer covas possuem para enterrar seus mortos.
O capitão expulso do Exército investe diariamente contra o uso de máscaras e isolamento social. Sabota o quanto pode a vacinação em massa. Troca ministros da Saúde e outros capatazes como quem troca de funcionários para uma rachadinha mais lucrativa.
Bolsonaro já era.
Resta saber se o Supremo Tribunal Federal irá resgatar seus tempos de alguma dignidade. Nesta quinta vai a julgamento a decisão de anular as sentenças contra Lula, mesmo dia em que é divulgada uma pesquisa em que o petista dispara em intenções de voto.
O relator, Edson Fachin, muda de opinião conforme as fases da Lua, eufemismo para os interesses poderosos que levaram Bolsonaro ao conforto do Planalto e do Alvorada.
Mesmo assim, se fosse mesmo Supremo, o tribunal já teria expulsado Bolsonaro, sua famiglia e aberto um julgamento sobre os crimes que cometeram e têm cometido.
Ricardo Melo
Jornalista e apresentador do programa 'Contraponto' na rádio Trianon de São Paulo (AM 740), foi presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação).
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