Bolsonaro se sabota
Até agora, o governo acumulou derrota em cima de derrota no caso da CPI da Covid. Diante da determinação do STF para instalá-la, se tivesse o controle da situação no Senado, o Planalto teria feito como todos os governos fazem diante de CPIs indesejadas: convencem alguns senadores a retirar assinaturas de apoio, abortando a iniciativa. Os governistas não tiveram competência para isso, e nem para tumultuar com questões de ordem sobre a pandemia a sessão de leitura do requerimento de criação da comissão. Agora, o manual de desmontagem de CPIs aconselha os exterminadores de investigações parlamentares a pressionar líderes de partidos e blocos a protelar a indicação de seus integrantes. Parece que isso também não está dando certo, e os nomes estão na mídia, bem como as disputas pela relatoria e presidência. Resta a tentativa de evitar as reuniões, mas vai ficando claro que a maioria dos senadores acha que os trabalhos podem começar de forma remota ou semi-presencial.
Também não foi uma vitória decisiva de Jair Bolsonaro a decisão do supostamente governista presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, de incorporar ao objeto de investigação inicial da CPI — as ações do governo federal no combate à pandemia — fatos relativos a estados e municípios se envolverem recursos da União. O presidente defendeu a inclusão de governadores e prefeitos na indecorosa conversa gravada pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania - GO) para desviar de si, confundir e esvaziar os trabalhos. Quem conhece CPIs, porém, acha a questão uma bobagem. Primeiro, por ser inevitável que a investigação sobre o governo federal acabe batendo nos estados. O caso das mortes por falta de oxigênio em Manaus, por exemplo, envolve autoridades estaduais e municipais.
Em segundo, porque a ampliação do escopo das investigações só vai embaralhá-las se a maioria da comissão quiser. E aí está o óbvio: manda na CPI quem tem maioria. Requerimentos, plano de trabalho, convocações, tudo tem que ser aprovado por pelo menos seis dos 11 votos titulares. A não ser que o Planalto faça uma mega e bem sucedida operação política nos próximos dias, o que é muito improvável, não terá maioria. Tem só quatro votos garantidos. Outros sete são oposicionistas (3) ou “ independentes”. No último caso, MDB e do PSD pescaram senadores interessados no avanço da investigação, como os amazonenses Omar Aziz (PSD) e Eduardo Braga (MDB), e de viés não governista, como Renan Calheiros (MDB-AL) e Otto Alencar (PSD-BA).
Até onde irá a CPI, ou se irá além do espetáculo midiático que inevitavelmente vai desgastar o governo, é cedo para dizer. Mas o fato político do momento é a exposição da surprendente fragilidade do apoio a Bolsonaro no Senado. A blindagem que, pensava-se, o governo havia garantido há pouco mais de dois meses, na eleição dos comandos da Câmara e do Senado, não deu nem para saída no tapete azul.
Pode-se apontar razões para isso. O agravamento do drama da pandemia, com média diária de mais de três mil mortes e a queda na aprovação presidencial podem ter papel central na mudança de humor de quem irá disputar eleições no ano que vem — mesmo que o Centrão esteja sendo alimentado com cargos e verbas. Além disso, a eleição de Pacheco, um nome do DEM tirado do bolso pelo antecessor Davi Alcolumbre, atropelando o MDB, deixou mágoas. Nunca é bom negócio desagradar Braga, Renan e Jader Barbalho (PA), indicado suplente, políticos acostumados a saborear a vingança como um prato frio.
A performance do próprio Jair Bolsonaro terá ajudado muito. Os arreganhos para instituições como o STF, a crise criada do nada com a cúpula militar, o rolo do Orçamento, a sequência de manifestações de indiferença diante das mortes e, sobretudo, a inoperância do governo na pandemia estão na conta.
O presidente chegou a incitar um senador, que gravou a conversa, a agir contra ministros do Supremo, governadores e prefeitos, afirmando que só assim conseguiriam transformar o limão da CPI em limonada. Mas Bolsonaro só mostrou que não sabe fazer isso, e que sua especialidade continua sendo desfazer, destruir, desagregar. Ele tem mesmo é um enorme e inútil talento para outra coisa: transformar limonada em limão.
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