É muito oportuna a disposição da Câmara dos Deputados de rever a Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/83), como afirmou o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), em recente seminário organizado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). A revisão do marco legal é de especial relevância para a defesa do Estado Democrático de Direito e de suas instituições, bem como para a proteção das liberdades e garantias fundamentais.
O tema ganhou especial urgência por força do uso que o governo de Jair Bolsonaro vem fazendo da Lei 7.170/83, como meio de intimidar e calar vozes críticas. Nos dois primeiros anos de governo, houve um aumento de 285% do número de procedimentos abertos pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional, em comparação com o mesmo período das gestões Dilma Rousseff e Michel Temer.
Chegou-se ao disparate de enquadrar críticas ao presidente Jair Bolsonaro no art. 26 da LSN, que tipifica os crimes de calúnia e difamação contra os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do Supremo Tribunal Federal (STF). Por exemplo, a instalação de dois outdoors em Palmas (TO) pedindo o impeachment de Jair Bolsonaro foi motivo para que o Ministério da Justiça pedisse a abertura de investigação com base na Lei 7.170/83.
Diante de tais abusos, claramente inconstitucionais, voltou-se a falar da possibilidade de o Supremo declarar a não recepção da LSN, no todo ou em parte, pela Constituição de 1988. Atualmente, existem ao menos cinco ações de partidos políticos, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, questionando trechos da Lei 7.170/83.
Vale lembrar, no entanto, que até aqui o STF, nas vezes em que foi instado a se pronunciar sobre a compatibilidade da Lei 7.170/83 com o regime constitucional de 1988, sempre se manifestou pela validade da lei. Eventual inconstitucionalidade da LSN não surgiu agora, no governo de Jair Bolsonaro, para que o Supremo assuma o protagonismo da discussão.
O Poder Legislativo é o âmbito propício para o debate sobre a LSN, até porque não basta suspender a aplicação da Lei 7.170/83. A atual legislação protege importantes bens jurídicos, especialmente em relação ao funcionamento das instituições democráticas. Uma eliminação integral da LSN, levada a cabo pelo Supremo, sem a substituição por uma nova lei, traria não pequenos problemas.
Sob relatoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI), há na Câmara um projeto de lei que revoga a LSN e cria a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. O texto baseia-se em uma proposta apresentada em 2002 pelo então ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, tipificando no âmbito do próprio Código Penal, sem criar uma legislação especial, os crimes que ameaçam ou impedem o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito.
Ao se valer do projeto de lei apresentado em 2002, o Congresso tem a oportunidade não apenas de eliminar eventuais inconstitucionalidades da atual LSN – por exemplo, o art. 26, cuja aplicação autoritária recria o crime de maldizer o rei –, como pode promover uma profunda mudança de paradigma. Em vez de uma proteção ideológica do Estado, com o risco de ser interpretada como defesa da honra de seus integrantes ou de determinada corrente de pensamento, o foco da nova lei é a preservação do regime democrático, com o livre funcionamento de suas instituições.
De toda forma, como os próprios autores do texto reconhecem, o projeto de lei de 2002 precisa ser revisto e atualizado. Nesses quase 20 anos, a revolução tecnológica trouxe novos desafios. Basta pensar nas campanhas de ódio e desinformação difundidas nas redes sociais. A nova lei não pode ignorar que muitas das principais ameaças e violências contra o regime democrático são impetradas no ambiente virtual.
É passada a hora de revogar a Lei 7.170/83, cuja sistemática é pouco afeita às liberdades e garantias fundamentais. O País precisa de uma Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. Cabe ao Congresso debatê-la e aprová-la, sem vagar e sem afoitamento.
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