“O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar uma providência. Estou aguardando o povo dar uma sinalização, porque a fome, a miséria e o desemprego está (sic) aí”, disse o presidente da República, Jair Bolsonaro, que vê um “barril de pólvora” no País. Atenção! Ele não estava falando dos mortos, nem de providências e sinalizações contra a covid-19.
Alvo do Supremo, da CPI do Senado, do TCU, do Ministério Público, da mídia, de epidemiologistas, psiquiatras e cientistas, de economistas e sociólogos, da OMS, de toda a comunidade internacional e, agora, de parte do empresariado, do mundo financeiro e até do Centrão, Bolsonaro reage à la Bolsonaro: ameaça.
O que ele quis dizer com essa frase enigmática? Quem é o “pessoal” que sugere providências? Filhos, olavistas, militares, poloneses, húngaros e Donald Trump? Que “providências” seriam essas? Atacar um ou todos os poderes, assumir o controle de polícias e milícias? Quem é “o povo”? O do Twitter, do Facebook, as vivandeiras virtuais? E, afinal, que “sinalização” o presidente está esperando?
É estranho, absurdo, obtuso e doentio que Bolsonaro ainda não consiga, nem queira, compreender qual é o real barril de pólvora no Brasil: uma pandemia que já provocou 360 mil mortes, colapso dos hospitais, pressão no sistema funerário, falta de medicamentos, impacto sobre indústria, empresas e serviços, desemprego e fome.
Ele fecha os olhos para todas as evidências, não tem capacidade para compreender a origem e o desenrolar da crise e nunca conseguiu sair da trilha da “gripezinha” nem admitir o óbvio, que a crise econômica e social não é resultado das medidas de isolamento social, mas sim do fracasso no combate à pandemia.
O Brasil se acostumou com uma rotina de contagem macabra de corpos, pessoas asfixiadas, sem oxigênio, sem leito, amarradas a macas por falta de medicamentos para intubação. E, além disso, convive com os absurdos e ameaças praticamente diárias do presidente, que ninguém leva a sério, mas irritam. Se há um “barril de pólvora”, é culpa dele.
A covid se fortalece, Bolsonaro se enfraquece. A CPI vem no pico da pandemia e na pior fase do presidente, com maioria para apurar de fato tudo o que ele deveria fazer e não fez e tudo o que ele não deveria fazer e fez. O material é farto e irrespondível: uma profusão de vídeos e áudios com aglomerações, “gripezinha”, “frescura”, “maricas”, “mimimi”, implicâncias com a China e nenhuma providência, campanha ou bom exemplo pelo isolamento, máscaras, vacinas.
Há, ainda, os depoimentos de quatro ministros da Saúde, de especialistas em vírus e epidemias, de médicos e enfermeiros, numa realidade de desdém, erros, incompetência e, sobretudo, de obsessão em favorecer o vírus, as infecções e as mortes. Ai do Brasil se dependesse do governo Bolsonaro para a imunização, ai do Brasil se não tivesse “a vacina chinesa do Doria”!
A CPI deixa Bolsonaro tonto, o STF está atento, o TCU e o MP estão na cola do general Eduardo Pazuello, que só obedeceu. A OMS, a revista Science, o parlamento europeu, a mídia internacional e até o papa apontam o dedo para o Brasil. O parlamento da França dá gargalhadas com Bolsonaro e sua cloroquina. E o neurocientista Miguel Nicolelis grita: “Basta!”.
Bolsonaro não ouviu os alertas, arrebentou a corda, exauriu a paciência nacional, destruiu a imagem do País e, na comparação, amenizou a ojeriza de muitos a Lula, que ontem confirmou sua elegibilidade no Supremo. Em 2018, a frase mestra foi: “Voto no Bolsonaro para derrotar o PT”. Em 2022, tende a ser: “Contra Bolsonaro, voto até no Cabo Daciolo”. A dúvida é o que acontecerá, até a eleição, no “barril de pólvora” chamado Brasil.
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