quarta-feira, 14 de abril de 2021

QUE FALTA FAZ UM BOM LÍDER

Zeina Lafit, O GLOBO

A liderança política impacta a economia dos países. E não apenas pelas escolhas de políticas públicas, mas pelo efeito indireto sobre as expectativas dos agentes econômicos. Líderes inábeis alimentam incertezas e desconfiança, gerando menor crescimento. Na pesquisa acadêmica, há poucas evidências desse fenômeno, mas alguns resultados são interessantes.*

As eleições podem melhorar o humor do consumidor. Estes ficam mais confiantes quando há perspectiva de mudança de orientação política que venha a reverter um quadro econômico considerado desfavorável.

Foi o que aconteceu no Brasil em 2018. Os índices de confiança de consumidores e empresários (FGV) cresciam conforme se consolidava a eleição de Jair Bolsonaro, mas puxados apenas pela componente de expectativas, que chegaram a atingir patamares de otimismo entre o fim de 2018 e o início de 2019.

Enquanto isso, a componente associada à avaliação da situação corrente se mantinha praticamente estável, no campo pessimista. Em seguida, a expectativa cedeu, possivelmente reagindo ao início tumultuado do governo, com atitudes desastradas de Bolsonaro e seu entorno, e os conflitos com o Congresso.

Em momentos de maior incerteza, como agora, a palavra do líder tende a ganhar peso extra na formação das expectativas dos agentes privados. Assim, cabe aos líderes agir de forma a sustentar a confiança, com atitudes responsáveis e, ao mesmo tempo, com humildade e firmeza para navegar em tempos difíceis, guiando a sociedade.

Outro resultado de pesquisa é que a confiança dos consumidores reage positivamente a posturas brandas de líderes políticos. As experiências mais bem-sucedidas, no controle da Covid-19, de países com líderes de perfil democrático e participativo — notadamente mulheres — reforçam esse ponto.

Passado mais de um ano desde o surgimento da pandemia, a postura de Bolsonaro mostra que ele nada progrediu. O presidente insiste em ataques e falas inconsistentes, equivocadas e, pior, com muitas doses de autoengano. Ele demonstra acreditar que fez tudo certo; não parece mera retórica. O problema seriam sempre os outros.

Suas declarações sobre a saúde são constrangedoras, como quando afirma que o governo federal fez sua parte na compra de vacinas — apesar de o Instituto Butantan ser responsável por 83% da vacinação até o momento —, e atribui as dificuldades na aquisição tempestiva à falta de aprovação pela Anvisa e à postura de alguns produtores.

 Enquanto isso, faltam informações e estudos sobre qual o verdadeiro quadro da saúde do país e o cenário para a reversão da curva de óbitos.

Na economia, mais constrangimento. Bolsonaro julga a agenda bem encaminhada e culpa o IBGE pela elevada taxa de desemprego, cuja metodologia “atendia ao governo da época”. Em que pesem as dificuldades técnicas das pesquisas em meio à pandemia, atacar o órgão é um desserviço que concorre com seu corte de verbas.

Ao mesmo tempo, é coerente com a falta de zelo com o desenho de políticas públicas, que, antes de mais nada, depende da qualidade das pesquisas.

O problema não fica na retórica e tampouco restrito ao presidente. O autoengano também acomete seu entorno e impede a necessária correção de rumos.

O governo errou muito na gestão fiscal e isso se reflete nos preços de ativos e no quadro econômico mais instável. Mesmo assim, houve displicência na elaboração do Orçamento deste ano. Assunto sério demais para ser tratado como foi.

Como se não bastasse, agora não sabem consertar. Os desdobramentos recentes sugerem novos furos no teto de gastos, e sem medidas compensatórias. Mais combustível para a deterioração do ambiente econômico.

É curioso que, mesmo assim, alguns analistas defendam o aumento de gastos públicos, sob inspiração do (controverso) pacote de Joe Biden. Temos um Estado sem capacidade de planejamento, uma crise fiscal que alimenta o risco inflacionário e um governo que gasta mal os recursos públicos. Alimentar o Leviatã fiscal nas atuais circunstâncias seria um grande erro.

O resultado desse quadro de incertezas e falta de perspectivas, agravado pelo presidente, é o desalento do setor privado, como revelam as novas quedas dos índices de confiança. De nada adiantam jantares com empresários para corrigir os rumos do governo.

*Para uma breve resenha e mais detalhes, ver Georg Müller e Steffen Osterloh (2018), “How do politics affect economic sentiment? The effects of uncertainty and policy preferences”.

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