Uma jabuticaba de marcante coloração golpista está em gestão. Não é de hoje, mas agora o capitão Bolsonaro tenta dar tratos definitivos a bola com a anuência, engajamento e plena articulação do líder da Câmara dos deputados, o inefável Arthur Lira. Pode parecer, e é mesmo, o mais gritante retrato do obscurantismo dessa turma, demonstração clara de que o retrocesso virou a pauta mais em voga na gestão em vigor. A ideia de resgatar a prática do voto impresso só encontra justificativa nas teses mirabolantes e nada republicanas desse Messias. O mandatário em pessoa, na base dos delírios que lhe são peculiares, advoga a existência de fraudes nas eleições — muito antes mesmo delas acontecerem e, o que é pior, apesar do sistema brasileiro ser tido e havido como um dos mais eficientes, seguros e rápidos do mundo.
Basta dizer que em 25 anos de funcionamento das chamadas urnas eletrônicas jamais se ouviu falar de qualquer registro de falha, suspeita ou algo meramente próximo ao que se poderia classificar de fraude. Mas Bolsonaro não descansa. Quer, porque quer, mudar tudo. Diz não confiar na urna eletrônica. Já questionou o resultado da corrida presidencial anterior, quando ele próprio sagrou-se vitorioso. Parece um contrassenso, mas o capitão alegou, sim, fraude e teve de ser inquerido pelo Supremo Tribunal a apresentar provas. Naturalmente não as tinha e recuou da alegação, de resto infundada. A volta da narrativa tem um objetivo claro e de conhecimento até do mundo mineral: o “mito” almeja tumultuar o processo. Busca fórmulas e alternativas para lá na frente, na eventualidade de um resultado não favorável, que lhe desagrade, levantar hipóteses sem cabimento de manipulação dos votos.
Tenta controlar o discurso e abrir margem para uma retórica farsesca. Tal e qual fez seu alterego americano, Donald Trump, que buscou por todas as vias se apegar ao poder com processos procrastinatórios da decisão final, para evitar ser banido da Casa Branca. Lá, onde o voto impresso ainda vigora, a tática quase ajudou. Recontagens e mais recontagens foram realizadas. No Brasil, as urnas eletrônicas são auditáveis dentro de um sistema que conta com mais de 30 parâmetros tecnológicos de checagem. Não há chance sequer de um hacker invadir o sistema, uma vez que as urnas não são conectadas à internet. O escrutínio passa por rigorosos níveis de análises e exames, incluindo até a seleção aleatória de algumas dessas máquinas para averiguação logo após o pleito, verificando e assegurando a autenticidade e integridade do processo. Não é oportuna, portanto, muito menos razoável, a hipótese de revisão do modelo em vigor por aqui. Até porque representaria gastos bilionários, absolutamente desnecessários.
Pelos cálculos do Tribunal Superior Eleitoral, nada menos que R$ 2 bilhões em verbas extras seriam necessários para adequar os equipamentos ao chamado voto impresso auditável, fórmula pela qual novas circunstâncias de desconfiança das urnas seriam geradas. Constitui, daí, uma discussão bizantina trazer de volta à baila tal hipótese. Ainda mais em um País onde a crise de recursos, de carências e falhas na Educação, no aparato de Saúde, do Meio Ambiente e de tantos outros setores grita em busca de socorro sem solução. Que grau de prioridades é essa que não a de atender ao indisfarçável pendor autoritário do mandatário? Lamentável é notar a adesão de setores parlamentares na “vibe” da tal sandice e, ainda por cima, constituir comissão para discutir o tema.
Como pode? Em que País vamos vivendo? Está claro o objetivo desestabilizador de um candidato a ditador, em franca lapidação. Embarcar na aventura tresloucada de suas estultices, com base em retórica vazia, é empurrar o País para um cenário sombrio, de obscurantismo sem fim, cujo único propósito é o de aplacar o medo de derrota, talvez fragorosa, de um fanático pelo poder que, quando pode, fere, em todas as direções, os pilares democráticos erigidos no País. Não se deve encampar a paranoia do “mito”, nem dar corda a ela. Não é possível aceitar a propagação da desinformação e investir contra a credibilidade do sistema para gerar factoide. Puro casuísmo.
Deplorável que alguns deputados, para atender a suas alianças espúrias, se prestem a esse papel. A segurança das urnas eletrônicas já foi testada e comprovada inúmeras vezes. É elogiada no planeta inteiro, motivo de orgulho nacional. Ridículo expor os brasileiros a tamanha falta e desperdiçar energia com isso, como se não houvesse mais nada de urgente a fazer. Em uma Nação vergada por quase meio milhão de mortos, com mais de 20 milhões de pessoas passando fome, 14 milhões de desempregados, a Educação retrocedendo décadas, o combate à corrupção enterrado, falta de vacinas e sem plano de retomada levantar uma lorota bizantina dessas é mergulhar o Brasil ainda mais na tragédia sem fim. Os políticos deveriam ter pena e poupar o povo de tanta patacoada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário