O negacionismo, como se sabe, conduziu boa parte das decisões estratégicas cruciais do governo federal no combate à pandemia no Brasil, na contramão da ciência e das melhores práticas adotadas pelas civilizações mais avançadas do mundo.
Negou-se o que recomendavam os principais especialistas. Negou-se o uso de máscaras. Negou-se o distanciamento social. Negou-se o lockdown em momentos críticos como forma de conter a disseminação do contágio. Negaram-se, sobretudo, os mais elementares princípios do bom senso e adotou-se a pregação de “curas mágicas”, através do charlatanismo de medicações sem qualquer respaldo dos organismos internacionais de saúde.
Agora, perante o tribunal de escrutínio da opinião pública, no plenário da CPI, as mesmas autoridades que adotaram o negacionismo como linha de atuação no enfrentamento da pandemia, diante da absoluta impossibilidade de negar esse fato incontestável, vêm sistematicamente cumprindo um ritual pavloviano. É o que chamo de “segunda cepa” do negacionismo. Diante de tudo que os fatos comprovam, sua rota de fuga é o negacionismo do negacionismo, um escárnio com os brasileiros.
Negam que negaram tudo que negaram. São a versão canhestra do “avesso do avesso do avesso do avesso” que Caetano imortalizou nos versos de “Sampa” —a diferença é que os negacionistas não têm a poesia do mestre baiano.
Agora se dizem defensores da vacinação em massa que nunca defenderam, do distanciamento social que nunca praticaram, das máscaras que nunca usaram, das campanhas de utilidade pública que nunca veicularam. Falam contra a cloroquina que sempre veneraram, são independentes do Palácio do Planalto ao qual sempre acoelharam-se, viraram adeptos das recomendações da ciência que sempre ignoraram. Juram de pés juntos seu esforço abnegado pelas vacinas que sabotaram o quanto puderam.
Diante dos fatos comprovados, e na impossibilidade de negá-los, seguem outra rota de fuga, tão tosca quanto o negacionismo: empurrar a responsabilidade, de preferência para baixo, ou então dar um jeito qualquer de passá-la adiante. Seguem a máxima ironizada no século passado pelo Barão de Itararé: “Errar é humano, botar a culpa nos outros também é”. Também nesse aspecto logo são desmentidos, suas escapadas têm pernas curtas.
Por tudo isso, minha experiência como relator da CPI até agora não tem sido, para eles, fonte de satisfação ou alegria. Bom sinal.
Até gestos simples de solidariedade às vítimas provocam resmungos de quem nega a realidade e prefere virar o rosto para o outro lado. Decidi retirar meu nome da placa de identificação e colocar ali a atualização diária do número de vidas perdidas pela Covid-19 para lembrar, a mim e a todos, que estamos ali por causa das centenas de milhares de pais, mães, filhos e filhas, avós, maridos e esposas, netos e netas, namorados, amigos e de suas famílias. A placa simboliza as tragédias que poderiam ter sido evitadas e nos lembra que é nosso dever dar uma resposta direta e desapaixonada à sociedade.
Ao mesmo tempo, causa engulhos ver o negacionismo pego em flagrante, agora como argumento de defesa. Sim, porque, ao negar o negacionismo praticado, na verdade fazem a confissão às avessas de uma forma de pensar negacionista —tão negacionista e entranhada nas vísceras que é a única argumentação para se defender do negacionismo original: negá-lo! Negar, negar, negar, negar! Negar durante a pandemia, no auge da pandemia e agora perante a CPI. Negar sempre, negar tudo. É este, precisamente, um dos mais importantes trabalhos da CPI: deixar a nu esse comportamento. Acredito que estamos conseguindo, e pretendemos aperfeiçoar nossas ferramentas de aferição e checagem.
Se pensam que estão se contrapondo no debate com suas negativas compulsivas, erram feio. Estão apenas se revelando em praça pública, sem limite ou pudor.
*Senador da República (MDB-AL), é relator da CPI da Covid
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