‘Agora vem a eleição? Vamos para o ataque’, diz Paulo Guedes
Com a campanha precoce à Presidência da República, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anuncia a formulação de medidas que buscam melhorar, desde já, o ambiente eleitoral para 2022. O pacote de propostas inclui a criação de um fundo social alimentado por recursos de privatizações e dividendos de estatais.
“O presidente não quer tirar do pobre para dar ao paupérrimo. De acordo. Então, vamos devolver as estatais ao povo brasileiro”, diz.
Os próximos meses, diz ele, serão de teste também para o governo não cair no discurso de que adiar reformas garante voto. “Eu acho o contrário”, diz. “Vai perder mais voto do que ganhar.”
Guedes, porém, admite que a agenda liberal encolheu por circunstâncias políticas até agora. “Liberais sempre foram politicamente inábeis —por isso nunca teve governo liberal no Brasil. O liberal é um ser abstrato”, afirma. No entanto, diz ser prestigiado pelo presidente, que já lhe garantiu que não cederá a pressões para desmembrar o superministério que ele criou. “E, se você pergunta se o presidente já comentou isso comigo, já comentou. Está cheio de gente querendo”, diz Guedes.
O ministro nega que tenha faltado dinheiro para antecipar compra de vacinas e diz que o socorro a informais e empresas acabou em 31 de dezembro de 2020 porque a segunda onda não estava no radar quando o plano de combate à pandemia foi desenhado.
“Por que o auxílio emergencial só foi renovado depois que a eleição da Câmara foi resolvida? É a política. É culpa dos políticos? Não, ninguém tem culpa. É assim.
Qual o cenário que a equipe econômica traça para este ano? De novo, a democracia brasileira vai surpreender. Quando nós chegamos, a imagem era que a democracia brasileira estava em risco, que não conseguíamos fazer reformas. E eu tinha dito que, depois de 30 anos de centro-esquerda, houve um deslocamento do eixo de poder para a centro-direita, numa aliança de conservadores e liberais, e que isso se acomodaria.
O centrão acabou vindo para cá, deu sustentação parlamentar. Foi só eleger os presidentes da Câmara e do Senado que veio a aprovação de várias medidas —o Banco Central independente, novo marco fiscal, saneamento, gás natural, Correios, Eletrobras, Lei das Startups, Lei de Falências. Tudo começou a andar, está acelerando o ritmo de reformas.
No primeiro ano, surpreendemos com a reforma da Previdência. No segundo ano [com a pandemia], eu falei: “Nós vamos surpreender o mundo, e o Brasil vai voltar em ‘V’”. Na Inglaterra, a queda [do PIB] foi maior do que 9%, na França foi mais de 7%. O Brasil foi um dos que caíram menos. A recessão de 2015, fabricada aqui dentro, destruiu 1,5 milhão de empregos, e mais 1,4 milhão em 2016. Nós criamos 140 mil empregos formais no ano da pandemia.
Aí vem o terceiro ano, e vamos surpreender de novo. Tudo que a gente fez no ano passado estamos repetindo em doses mais focalizadas. A economia vai voltar a crescer. As reformas estão andando. A reforma administrativa está um empurra-empurra, mas nós vamos seguir. Reforma tributária, vamos tentar fatiada. E vamos acelerar as privatizações.
Ministro, mas não tem mais conservador que liberal nessa aliança? O sr. veio com uma agenda de reformas, levou pessoas para o governo, mas perdeu espaço e boa parte dessa equipe. Aliados que sr. levou para Petrobras e Banco do Brasil foram tirados pelo presidente Bolsonaro. Ele tolheu a agenda liberal e tirou poder da Economia?
O presidente é um animal político, tem um instinto político enorme. À medida que o tempo passa, ele vai se conscientizando dessas coisas políticas. E os liberais sempre foram politicamente inábeis —por isso nunca teve governo liberal no Brasil. O liberal é um ser abstrato.
Na Petrobras e no BB, o que foram os gatilhos? Na semana da eleição na Câmara, um fala que vai fechar agências para aperfeiçoar a governança de banco. Outro ser abstrato defende o preço internacional do petróleo —e os caminhoneiros ameaçavam fazer greve. Você pergunta se eu estou aborrecido? Evidentemente. Mas o presidente fala: “Vocês não percebem que existe política? Vocês acham que fazem política econômica no vácuo? Isso é falta de sensibilidade. Vou trocar”. E ele fez tudo direitinho, expirou o mandato do presidente da Petrobras, interrompeu. O outro pediu para sair.
Então, é claro que houve uma redução de aderência ao plano liberal. Tanto que eu falei, abertamente, que o grau de adesão do presidente à agenda econômica tinha caído de 99% para 65%. Alguns liberais amigos falam: “Saia, saia”. Tem o custo-benefício de ficar. Se saio porque estão pedindo para substituir um presidente de estatal por inabilidade política, será que teria acontecido a independência do BC, a aprovação do marco do gás, Lei de Falências, saneamento, privatização da Eletrobras? Tem seis ou sete ganhos expressivos.
A campanha eleitoral praticamente já começou… Lamentavelmente.
Então, como acreditar que vamos ter avanço de reformas se vai prevalecer a política?
Esse é mais um teste importante da democracia brasileira. Se a política paralisar todas as reformas econômicas, é um péssimo sinal. Nós temos base de sustentação parlamentar agora. Então, se paralisar, é um erro nosso. Pode interessar à oposição paralisar o governo.
Interessa à oposição ou ao próprio governo?
São contra a reforma administrativa milhares de funcionários públicos. É claro que tem gente dentro do governo que defende esse ponto de vista —a turma que diz “vamos parar a reforma, e a gente vai ganhar voto”. Agora, vai parar tudo, vai queimar tudo? Não. Eu acho o contrário. Se você não fizer a reforma, você vai perder muito.
A opinião pública brasileira está madura. Quer a reforma administrativa, como queria a reforma da Previdência, como quer a reforma tributária. Se você parar isso para tentar ganhar uma eleição, vai perder mais voto do que ganhar.
Vocês vão tentar associar as reformas a medidas consideradas positivas olhando 2022?
Nós jogamos na defesa nos primeiros três anos, controlando despesas. Agora vem a eleição? Nós vamos para o ataque. Vai ter Bolsa Família melhorado, BIP [Bônus de Inclusão Produtiva], o BIQ [Bônus de Incentivo à Qualificação], vai ter uma porção de coisa boa para vocês baterem palma. Tudo certinho, feito com seriedade, sem furar teto, sem confusão.
No BIP, o governo dá um bônus para um jovem pegar um programa de treinamento dentro da empresa, para entrar no sistema produtivo. O governo dá um dinheiro para ele se manter e a empresa também paga um pedaço, que vai chamar BIQ. É um ganha-ganha. Isso não tem encargo, não tem nada. O valor do bônus pago pelo governo deve ficar entre R$ 250 e R$ 300, possivelmente R$ 300. A ideia é que a empresa entre com um valor equivalente.
Aprendemos duas lições com a pandemia. A primeira: o que protege a população é uma classe política atenta, que trabalha seus orçamentos. Não é a indexação, que é um fóssil do passado de hiperinflação.
A segunda lição: em 40 anos, nunca saiu tanta gente da pobreza [com o auxílio emergencial]. Você quer ajudar o pobre, faz uma transferência direta para ele em vez de criar um aparato estatal.
Não dá para dizer que saiu da pobreza. A desigualdade aumentou na pandemia. Foi uma ação provisória, com custo alto, acima do valor que vocês queriam.
Claro, concordo. O Ministério da Economia propôs um auxílio de R$ 200 para durar mais, levaram para R$ 500 na Câmara, e o presidente me ligou perguntando se podia ser R$ 600. O presidente teve a sensibilidade de falar: “Nós criamos o programa e eles estão roubando a autoria”. Voltou agora em R$ 250, descendo, porque isso é um programa emergencial para a doença, não é um programa sustentável.
Então, a segunda lição é que, se você quer reduzir a pobreza, tem que desenhar uma política social. O governo deve fazer um programa forte, robusto e sustentável, dentro do teto.
Como fazer isso se o presidente já barrou esse plano e disse que não vai tirar de pobre para dar a paupérrimo?
A focalização dos programas é uma recomendação do Banco Mundial. Vai ter um pouco de cada coisa. Bolsonaro agora percebe que o programa é importante. Ao mesmo tempo, ele insiste em que você não pode tirar do pobre para dar ao paupérrimo. Então, a ideia de só focalizar é difícil. Vamos ter que vir com uma transformação mais profunda.
Qual o caminho?
O presidente não quer tirar do pobre para dar ao paupérrimo. De acordo. Então, vamos devolver as estatais ao povo brasileiro. Cada estatal vendida dá ganho de capital para o povo. E se não vender? Pega um pedaço dos dividendos e coloca para eles. Cria um fundo de distribuição de riqueza, capitalismo popular. Isso está formulado e pronto.
O senhor falou muito no centrão… O centro democrático.
Já foi dito que o centrão tem interesse no desmembramento do Ministério da Economia. Como o senhor vai reagir se Bolsonaro aceitar?
Eu não trabalho com as versões que não são construtivas. Primeiro, lutaram para não deixar haver a fusão dos ministérios. Foi uma luta feroz. Essa fusão se revelou decisiva para a velocidade das coisas que estamos fazendo. Depois que juntou, tentaram criar o Ministério da Produção para, justamente, permitir que os lobbies empresariais se reagrupassem em um novo território. O presidente nunca deixou, sempre me prestigiou.
Então, o senhor está dizendo que não quer o desmembramento do ministério?
É evidente que não. Isso é decisivo, não pode. E, se você pergunta se o presidente já comentou isso comigo, já comentou. Está cheio de gente querendo. E ele diz: “Você tem meu apoio, Paulo, segue o jogo. Se você estiver cansado, me avisa que eu tiro um pouco de peso do seu caminhão”. Ele pergunta: “cansou? Está com coisa demais? O que você quer desafogar? Quer tirar o PPI? A Secretaria de Previdência, que você já fez a reforma?”. Aí eu pergunto se ele está sofrendo alguma pressão política e ele diz: “Isso é o tempo inteiro, mas eu não vou tirar, a menos que você peça”. Eu recebo essas provas claras de apoio nos momentos decisivos.
No fim de 2020, o governo começou a dizer que o país viraria o ano muito bem, mas não foi o que aconteceu. A pandemia voltou, mas os programas emergenciais ficaram paralisados. A equipe econômica embarcou na ideia de que a Covid era uma gripezinha e menosprezou a pandemia?
Não. De jeito nenhum. Ocorre que o Mandetta [Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde de 1º de janeiro de 2019 a 16 de abril de 2020] nunca falou em segunda onda, jamais falou em vacina, nunca falou em testagem em massa.
Mas o Mandetta saiu muito antes. O senhor está dizendo que o Ministério da Economia seguiu uma orientação equivocada dada pela Saúde?
A política do Mandetta era a seguinte. Vai subir, chegar a um platô, nós temos que impedir que a subida seja vertical, e subir devagar. O Teich [Nelson Teich, no cargo de 17 de abril a 15 de maio de 2020] foi o primeiro a falar em vacina e teste. Pazuello [Eduardo Pazuello, ministro da Saúde de 16 de maio de 2020 a 23 de março de 2021] passou a fazer a logística de entrega.
Não quero me defender à custa de acusar ninguém. Programas desenhados por nós eram para subir, estabilizar e reduzir. Tem vídeo meu falando que a doença estava descendo e a economia voltando em “V”, porque é fato —não tenho vergonha do que falei. Todos os programas feitos lá atrás expiravam em 31 de dezembro por desenho.
Ninguém ouviu os especialistas que já previam a segunda onda?
Se os especialistas estavam falando isso, por que os governadores desativaram os hospitais? São criminosos e genocidas ou estavam achando que a onda estava indo embora? Se isso é verdade, por que o Congresso brasileiro deixou acontecer as eleições de outubro?
Mas vocês optaram por não renovar o estado de calamidade e destravar os gastos.
Nós não optamos. Nós mandamos o Orçamento em agosto do ano passado, e a política não aprovou. Nós desenhamos os produtos, que acabavam no dia 31 de dezembro. Por que eles não foram renovados? É uma pergunta importante.
O timing de tudo que acontece em Brasília quem dá é a política. Por que o auxílio emergencial só foi renovado depois que a eleição da Câmara foi resolvida? É a política. É culpa dos políticos? Não, ninguém tem culpa. É assim. Tanto que, após a eleição, sentamos com Lira e Pacheco [Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente, presidentes da Câmara e do Senado] e conversamos sobre auxílio emergencial e vacina. Houve um vácuo político e jurídico. Estava extinta a PEC de Guerra e não estava aprovado nem o Orçamento nem a PEC Emergencial.
Os ministérios da Economia e da Saúde atribuíram o atraso da entrada do Brasil no Covax Facility e a opção por um número menor de vacinas ao alto custo da adesão ao consórcio. Isso foi discutido com o sr.?
Eu nunca participei de uma reunião que alguém dissesse que faltou recurso, ao contrário. Eu só posso falar das reuniões de que eu participei. Nunca ouvi alguém falar que está faltando dinheiro. Era orientação do presidente, dinheiro para a saúde e para os informais.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está sendo investigado pela Polícia Federal por suposto envolvimento em venda de madeira ilegal de desmatamento. Como a Economia vai explicar essa questão aos investidores, que cobram posicionamento sobre meio ambiente?
Sabemos que o futuro é verde e digital. Queremos erradicar qualquer desmatamento ilegal, mineração ilegal, temos a matriz energética mais limpa do mundo e continuaremos a ser o pulmão do mundo. Sabemos que temos que dar mais atenção a esse ponto. A informação que tenho é que o ministro Salles tem se reunido semanalmente com a equipe do [John] Kerry [enviado especial para o clima do governo Joe Biden] de forma a nos alinharmos às melhores práticas de meio ambiente.
RAIO-X
Paulo Guedes, 71, ministro da Economia
É mestre e doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA). Nas décadas de 1980 e 1990, lecionou na FGV, na PUC-RJ e no Impa (Instituto de Matemática Pura Aplicada). Foi diretor e professor do Ibmec. Fundador do Banco Pactual (1983), do Instituto Millenium (2005) e da BR Investimentos, que numa fusão com outras gestoras deu origem à Bozano Investimentos (2013).
Integrou os conselhos da PDG Realty, Localiza e Anima Educação. Participou da elaboração do plano de governo de Guilherme Afif Domingos na campanha presidencial de 1989.
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