sexta-feira, 14 de maio de 2021

CARTAS NA MESA

Editorial Folha de S.Paulo

A CPI da Covid no Senado vem dispondo sobre a mesa cartas que embaralham a estratégia tumultuosa de Jair Bolsonaro para impedi-la de trazer a lume evidências sobre omissões de seu governo no enfrentamento da pandemia.

O caso da vacina das empresas Pfizer e BioNTech oferece evidência cabal da mescla trágica de leviandade, incompetência e negligência na origem de parte da montanha de 430 mil cadáveres legados pela carência de imunizantes, de distanciamento social, de coordenação federal, de exemplos de conduta vindos de cima —de tudo o que era urgente e necessário.

A carta da Pfizer divulgada pelo ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten na quarta-feira (12) foi o segundo documento, em meros nove dias, a inculpar o presidente.

Antes, houve a exibida pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta alertando o Palácio do Planalto das consequências funestas de manter a política negacionista arquitetada por Bolsonaro.

A correspondência de setembro de 2020, assinada por Albert Bourla, diretor mundial da farmacêutica, constitui só o elo intermediário em longa cadeia de incúria. As primeiras tratativas da Pfizer com o governo brasileiro datam de maio do ano passado, antes do ensaio clínico de fase 3 que viria a demonstrar 95% de eficácia da vacina.

Em agosto, a empresa ofertou seu produto pela primeira vez ao Brasil, com opção para 30 milhões ou 70 milhões de doses. Um pequeno lote de 1,5 milhão aportaria aqui em dezembro de 2020, e o restante nos 12 meses subsequentes.

A oferta foi ignorada. Em novembro, duas tentativas de retomar a negociação fracassaram. Entre uma e outra, deu-se o envio da missiva mostrada na CPI por Wajngarten, que testemunhou a senadores ter buscado Bolsonaro para interceder pela reabertura dos contatos. Em vão.

Em fevereiro, a empresa voltou à carga, então para vender 100 milhões de doses, mas só em março se assinou o contrato que poderia ter sido fechado oito meses antes.

O Planalto tergiversou todo esse tempo, alegando cláusulas leoninas que outros países, no entanto, aceitaram —isso quando Bolsonaro não lançava dúvidas sobre a própria imunização, de par com outras manobras de sabotagem.

Quantas vidas seriam salvas se Bolsonaro tivesse agido com a previdência imprescindível ante a epidemia? A pergunta é retórica, mas a CPI poderá detalhar a extensão da responsabilidade do presidente se esmerar-se na documentação de fatos sobejamente conhecidos.

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