segunda-feira, 31 de maio de 2021

DESFAZER A CARICATURA DOS EVANGÉLICOS

Vinicius do Valle, EL PAÍS

As pesquisas eleitorais dos principais institutos do país, divulgadas no mês de maio, trouxeram apreensão ao palácio do planalto. Nelas, o ex-presidente Lula apareceu isolado em primeiro lugar nas intenções de voto do primeiro turno, enquanto, no segundo, apareceu com larga vantagem à frente do presidente Jair Bolsonaro. O conjunto dos dados, olhados por qualquer prisma, é péssimo para o Governo. Aqui, gostaria de chamar atenção para um dos seus aspectos: a intenção de voto dos evangélicos. Tomarei como base os últimos dados divulgados que isolaram esse grupo religioso, fornecidos pela pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada dia 12 de maio. Segundo os dados apresentados, 35% desse segmento religioso optam pelo candidato petista já no primeiro turno, contra 34% que preferem Bolsonaro. Em um eventual segundo turno entre os dois, ambos ficam com 45% das intenções de voto. Quando olhamos para os dados de rejeição, a situação é levemente favorável ao petista: 45% do grupo diz que não votaria de jeito algum no atual mandatário, contra 42% em Lula.

Esses números, se confirmados por outras pesquisas, representam uma virada no quadro político dessa fatia importante do eleitorado que, desde 2016, tem optado por candidatos anti-petistas. Tal mudança, no entanto, não deveria surpreender, ainda mais considerando o histórico do posicionamento político dos evangélicos e a situação econômica e social do país em 2021.

Quando olhamos mais atentamente para esse grupo, vemos que apesar dos posicionamentos recentes de aliança e apoio a este Governo e de uma postura majoritariamente conservadora ao longo das últimas décadas, os evangélicos correspondem a um conjunto multifacetado, complexo e plural, que ao longo do tempo viu líderes e instituições oscilarem no posicionamento político. Muitos dos que agora estão com Bolsonaro já foram, inclusive, aliados de governos petistas.

A inclinação política da maior parte dos líderes desse segmento em direção a candidatos de direita e extrema-direita se deu só no final da última década, tendo como pano de fundo a crise econômica pós 2015. Esse posicionamento é perfeitamente explicável a partir da constatação de que os evangélicos correspondem ao grupo religioso com maior contingente de famílias em situação de baixa renda e vulnerabilidade social. Parte importante desse segmento abandonou o barco dos governos petistas com a piora da situação econômica. Agora, em um momento de perda do poder de compra, alto desemprego e ausência de perspectivas – situação cada vez mais evidentemente ligada às más escolhas do atual governo –, punem também Bolsonaro.

As chamadas pautas morais, ligadas principalmente às questões de gênero e sexualidade, têm sim sua importância para os evangélicos, mas é importante desfazer caricaturas e entender que o discurso dos líderes religiosos não é o mesmo da maior parte dos fiéis, principalmente os mais jovens. Além disso, tais discursos radicalizados, amplificados e distorcidos por fake news para alvejar a esquerda, só ganharam o eco que tiveram em um contexto de insatisfação já existente contra os governos petistas devido à situação econômica. Por fim, ainda que consideremos a persistência dessas pautas moralizantes entre candidatos evangélicos, é preciso ter em mente que elas tendem a gerar um retorno eleitoral mais contundente em candidatos ao legislativo do que ao executivo.

Em outras palavras, os fiéis votam no nome indicado pela igreja no legislativo, mas no executivo, a escolha envolve um conjunto mais complexo de variáveis, em que ganha destaque a situação econômica. É isso que minhas pesquisas de mestrado doutorado em Ciência Política na Universidade de São Paulo, realizadas entre 2011 e 2018, sinalizaram.

A situação econômica do próximo período, bem como os próximos capítulos da CPI da Pandemia, que devem evidenciar a responsabilidade do atual governo para o prolongamento da pandemia e a multiplicação das mortes, deverão sedimentar esse novo quadro. Resta saber o que farão os líderes e políticos da bancada evangélica, hoje abraçados com Bolsonaro. A julgar pelo histórico, podem também facilmente mudar de lado.

Vinicius do Valle é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e autor de “Entre a religião e o lulismo” (Ed. Recriar).

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