Estamos vivendo um cabo de guerra entre a anarquia e a hierarquia dentro das Forças Armadas, especialmente no Exército. Quando o presidente da República passa o microfone para um general da ativa num palanque político, ele induziu e se associou à quebra de disciplina e da hierarquia. Por causa disso, impediu que o Ministério da Defesa e o Comando do Exército divulgassem uma nota oficial anunciando que fora aberta uma sindicância para investigar a atitude do general Pazuello.
Nos próximos dias, os chefes militares continuarão calados, mas nos bastidores há uma reação dos membros do Alto-Comando do Exército, que exigem a punição. Ela virá e será registrada oficialmente, mesmo que não tenha divulgação pública. Não há dúvida de que a decisão — que pode ser advertência, censura, suspensão, até 30 dias de cadeia — vazará, para que a opinião pública tome conhecimento, não apenas os membros das Forças Armadas.
A ida para a reserva de Pazuello são favas contadas, mas não a punição necessária. O que o presidente vem fazendo é considerado “bullying” pelos militares. Os comandantes das Forças Armadas foram demitidos recentemente, além do ministro da Defesa, porque tinham comportamento técnico e se negavam a dar demonstrações públicas de apoio político ao presidente Bolsonaro.
A cada vez que Bolsonaro se sentia atingido por uma decisão do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal (STF), cobrava dos comandantes declarações públicas de apoio e não foi atendido. A análise é que, ao presidente Bolsonaro, interessa a anarquia nas Forças Armadas, para criar um clima propenso a ser apoiado se e quando tentar um autogolpe. Bolsonaro, com a tentativa de instalar a indisciplina nos quartéis, está cavando seu divórcio das Forças Armadas. Em 2022, provavelmente teremos problemas com os apoiadores de Bolsonaro, que estão sendo armados e incentivados à contestação, mesmo dentro dos quartéis.
Pela legislação brasileira, apenas o presidente da República pode acionar as Forças Armadas para ações de garantia da lei e da ordem (GLO). Isso quer dizer que, mesmo se o STF ou o Congresso pedirem para que os militares atuem para manter a ordem, se Bolsonaro não acatar, nada acontecerá. Há também a possibilidade de o próprio presidente decretar a GLO para apoiar uma eventual acusação de fraude eleitoral, se Bolsonaro perder a eleição presidencial, especialmente se a derrota for para Lula.
Temos exemplos de golpes militares em situações semelhantes, mas a favor da democracia. Em 31 de outubro de 1955, o coronel Bizarria Mamede, à paisana, como o general Pazuello no palanque, foi ao cemitério São João Batista no enterro do general Canrobert Pereira da Costa, ex-ministro da Guerra. No seu discurso, incentivou o movimento para impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek, que tinha como vice João Goulart, sob a alegação que ele não tivera a maioria dos votos.
Foi o estopim de grave crise no Exército, que extrapolou para a vida política. O ministro da Guerra, general Teixeira Lott, estava no enterro e decidiu punir Mamede, que, no entanto, teve apoio do presidente-interino Carlos Luz e do Alto-Comando. Lott decidiu se demitir, mas foi apoiado por militares legalistas, que alegaram que somente ele poderia se contrapor aos golpistas que pretendiam impedir a posse de Juscelino.
Lott mandou prender Mamede e depôs o presidente-interino e Café Filho, que estava afastado por questões de saúde. Assumiu o governo o presidente do Senado, Nereu Ramos, até que os novos eleitos tomassem posse na data prevista. Quando um presidente esquerdista, João Goulart, incentivou a indisciplina militar comparecendo a uma assembleia de sargentos amotinados, foi a gota d’água, um golpe militar que já estava em curso concretizou-se, e foi instalada uma ditadura. Quando um militar da linha dura tentou impedir a posse de um presidente eleito pelo voto direto, houve um golpe militar para garantir sua posse.
Qual Exército teremos em 2022?
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