Quando Donald Trump botou o apelido de “Joe Dorminhoco” em Joseph Biden, ele sabia do que tratava. Biden às vezes fecha os olhos enquanto fala e fez fama com suas declarações impróprias.
A sorte faltou-lhe no dia 8 de julho passado, quando um repórter duvidou de sua estratégia de retirada do Afeganistão:
— Presidente, sua comunidade de informações diz que o governo afegão poderá entrar em colapso.
— Isso não é verdade.
Mais adiante, outro jornalista insistiu:
—Alguns veteranos do Vietnã estão vendo semelhanças com a retirada do Afeganistão. O senhor vê algum paralelo entre essa retirada e o que aconteceu no Vietnã?
—Nenhuma, zero.
Quem viu as imagens dos afegãos no aeroporto de Cabul, ou das pessoas caindo de um avião em voo, imediatamente as associou às cenas de Saigon em 1975 ou aos corpos que caíam das Torres Gêmeas de Nova York na manhã de 11 de setembro de 2001.
As diferenças entre o que aconteceu em Saigon e o que está acontecendo em Cabul são enormes, mas falar em “zero” foi uma leviandade de Biden. O acordo que entregaria o Afeganistão ao Talibã foi fechado por Donald Trump, mas o custo do “zero” de Biden só poderá ser avaliado em novembro do ano que vem, depois da eleição que renovará a Câmara e uma parte do Senado.
Os americanos gostam de cultivar uma imagem de onipotência irreal em si e tóxica ao longo dos tempos. Em 1956, eles deixaram na chuva os húngaros que se rebelaram contra a União Soviética. Em 1975, abandonaram seus aliados de Saigon. (Naquela ocasião, o senador Joe Biden disse que votaria qualquer verba para resgatar americanos, mas não queria que se misturasse a iniciativa com o resgate de vietnamitas.) Em 1991, os iraquianos que se rebelaram contra Saddam Hussein na Intifada de Shaaban foram massacrados. Em todos os casos, o governo dos Estados Unidos defendeu os interesses dos americanos. Quem acreditou que poderia ser diferente arrostou, como arrostam os afegãos.
A aventura americana custou mais de US$ 1 trilhão, ervanário equivalente ao que Joe Biden pretende gastar na recuperação de infraestrutura dos Estados Unidos. Algum dia essa despesa será examinada e vai-se constatar que as picaretagens apensas às compras de vacinas brasileiras foram golpes microscópicos se comparadas com as maracutaias da privataria das forças de ocupação americanas. Basta lembrar que por lá também se falou num “Plano Marshall” para o Afeganistão. Felizmente, o de Pindorama ficou só no palavrório.
A catástrofe afegã levará tempo para ser digerida. Quem viu as imagens do Talibã no palácio presidencial de Cabul deve medir o tamanho de uma mistificação que está em curso. Ninguém mexeu em nada, nem no bonito relógio que ficava sobre a mesa de reuniões. Puro teatro. Nas cidades do norte, lojas estavam sendo saqueadas.
Joe Biden lembrou na segunda-feira, dia 16, que os Estados Unidos foram para o Afeganistão há 20 anos porque lá o Talibã hospedava os terroristas da al-Qaeda, que derrubaram as Torres Gêmeas de Nova York em setembro de 2001. Verdade. Mas há 20 anos, no mesmo dia 16 de agosto, foi preso nos Estados Unidos Zacarias Moussaoui. Ele tomava aulas em simuladores de voo, e um instrutor desconfiou de suas intenções. As investigações empacaram, apesar de um agente do FBI ter registrado que ele queria jogar um avião numa das Torres Gêmeas. Deu no que deu.
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