segunda-feira, 16 de agosto de 2021

O CABIDE DE EMPREGO DE DAMARES ALVES

Mariana Ferrari, ISTOÉ

No Brasil, quando se julga que um ministério não está servindo para absolutamente nada, tal julgamento está equivocado – ele está servindo, e muito, para empregar amigos e gente que corresponda ao aparelhamento desejado pelo Poder Executivo. Tanto aqui quanto em qualquer parte do mundo que englobe nações com governantes sérios e democráticos, uma pasta voltada a cuidar de temas relacionados aos direitos humanos, à mulher e família tem de basear a sua atuação em preceitos legais — e, sobretudo, em princípios constitucionais. E deve selecionar criteriosamente seu quadro de funcionários. Ocorre, no entanto, que no País o governo não respeita a democracia e a seriedade é um balcão de favorecimentos. Aquilo que conta, mesmo, é a ideologia — de direita ou extrema-direita. No caso do ministério em questão, ocupado por Damares Alves, funciona ele como cabide de emprego, a distorcer as questões pelas quais deve zelar. Nem as mulheres, nem a família e nem os direitos humanos estão bem tratados ou protegidos, uma vez que são olhados com filtros ideológicos. É assim que Damares, a ministra que um dia já quis de forma autoritária e retrógrada impor a cor da roupa de meninas e meninos, costuma operar. A sua pasta é totalmente inoperante; mas trata-se de um empregão. Senão vejamos:

Quando começou em seu primeiro dia de trabalho no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em fevereiro desse ano, Eduardo Miranda Freire de Melo parecia estar disposto a cumprir tripla jornada. Horas depois, no entanto, já mostrava que seu objetivo não era fazer sequer meia jornada. Melo queria, mesmo, era defender o seu salário e sua retrógrada ideologia – ou seja, queria emprego, não trabalho nem serviço. Além de ser fiel seguidor do filósofo de internet Olavo de Carvalho, o que já diz tudo no campo ideológico, o servidor Melo, em pleno Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, jamais se posicionou contra a tortura. Uma coisa, porém, ele fez: menosprezou vítimas torturadas. O seu caso não é raro. A continuidade do tranquilo usufruir do emprego dá-se com o tenente-coronel Paulo Roberto, figura conhecida entre a extrema-direita e que esteve ao lado do então deputado federal Jair Bolsonaro, servindo como assessor parlamentar. Roberto, que está à frente da Secretaria de Igualdade Racial, manteve-se no mais obsequioso silêncio após o Brasil passar por graves episódios de racismo. Em todos eles, o ministério emudeceu.

O governo não respeita a democracia e a seriedade é um balcão de favorecimentos

Conservadores? Não

Já uma das secretarias das quais Damares mais se orgulha, a Nacional da Família, é ocupada pela bolsonarista Ângela Vidal Gandra – ela também é próxima da deputada Carla Zambelli, de quem foi madrinha de casamento. Mas, nesse caso, impoõe-se uma ressalva: Ângela trabalha muito e corretamente, não faz do posto cabide de emprego. O problema são outros funcionários. “Os governantes no Brasil se dizem conservadores, mas conservadores não fariam o que está sendo feito com os órgãos públicos”, diz o cientista político Márcio Coimbra, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos, na Espanha. Na avaliação de Coimbra, a forma de proceder do governo tem somente uma agenda populista. Como pode-se notar, o ministério que deveria cuidar da integridade humana, defendendo os cidadãos de possíveis violência do Estado, tornou-se uma repartição pública para o estamento burocrático político identificado com a direita. Nesse caso, as violações tendem, infelizmente, a piorar.

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