A resultante de um governo fraco, de um presidente da Câmara obcecado por votar o que quer que seja e da alta penetração de interesses particulares no Parlamento está produzindo um monstro na reforma do Imposto de Renda.
A boa notícia da terça (17) foi o adiamento da votação do relatório do deputado Celso Sabino (PSDB-PI). A motivação do impasse concentrou-se mais no temor de perda de arrecadação por estados e municípios do que no distanciamento da proposta em relação aos objetivos que a deveriam nortear.
O IR brasileiro falha ao deixar de assegurar dois princípios básicos: os indivíduos mais ricos precisam recolher proporcionalmente mais; as rendas de mesma origem —do trabalho, por exemplo— precisam ser taxadas de modo similar.
No Brasil, uma classe de trabalhadores, os contratados pela CLT, paga sobre o salário as alíquotas cheias do IR da pessoa física, ao passo que outro grupo, no regime de lucro presumido em pequenas empresas, recolhe muito menos.
Por essa brecha muitos milionários escapam da tributação que seria a mais justa e progressiva do IR, pois nesse modelo podem atuar empresas individuais que faturam até R$ 4,8 milhões anuais.
Taxar os dividendos —que são a forma jurídica pela qual a renda é transferida aos indivíduos nessas empresas— de forma análoga à que se tributa o salário sob a CLT seria portanto uma necessidade de qualquer reforma dedicada a corrigir desigualdades no Brasil.
A proposta na Câmara, porém, mantém a isenção tributária na distribuição dos dividendos nessas firmas. Nem sequer a intenção de limitar a regalia a quem retire até R$ 20 mil mensais sobreviveu à sanha regressista de que tem sido presa fácil a Casa desgovernada.
Como alertou o secretário da Receita Federal à Folha, se essa reforma for aprovada, pode haver incentivo à “pejotização”, a distorção que leva trabalhadores a atuar sob o manto de empresas individuais.
Também no capítulo dos sinais equivocados, a proposta desestimula que as empresas ganhem escala e eficiência e, apesar de reduzir alíquotas de IR, ainda exige das corporações sob o regime do lucro real —as maiores— uma carga total mais elevada do que a de outros países que competem com o Brasil.
Tributação, quanto mais da renda, não é um tema que deva ser tratado com açodamento. Há implicações para a justiça social, o equilíbrio fiscal e a competitividade econômica que precisam ser sopesadas, estudadas e amadurecidas.
Sem uma profunda correção de rumos, que a esta altura parece improvável, a melhor decisão será abandonar a reforma e retomar o debate do tema no futuro, em outras circunstâncias políticas.
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