terça-feira, 30 de novembro de 2021

VEXAME ORÇAMENTÁRIO

André Gustavo Stumpf, Capital Político

Em qualquer país razoavelmente organizado, o orçamento da Nação é a consolidação das políticas públicas. Se o governo quiser investir mais em educação, naturalmente haverá maior volume de verbas para este segmento. Ou se promover obras de infraestrutura, como é o caso atual nos Estados Unidos, a União deve prover as verbas necessárias para atingir os objetivos pretendidos.

O orçamento não é uma peça de ficção. Ele deve tornar evidente o conjunto de metas buscadas pelo candidato que, afinal, foi eleito para governar o país, dentro do conjunto de propostas de políticas públicas.

Antes de escolher um candidato, os eleitores elegem um projeto de país. É assim que funciona ou deveria funcionar. No caso brasileiro, por exemplo: o projeto de governo do PT, em qualquer situação, tende a privilegiar o assistencialismo nas camadas de menor renda da sociedade. Um eventual governo petista deverá carrear verbas para esta destinação.

Outro governo mais preocupado com a desestatização, precisará se preparar para realizar leilões de bens privatizáveis, o que também tem custo elevado. Ou seja, o orçamento federal, a lei de meios, não é um exercício matemático. É, ao contrário, o resultado mais claro e concreto do jogo político.

O presidente da República, em tempos normais, se elege defendendo um projeto político, que vai se traduzir na ação de seu governo respaldado pela lei de meios, que fornece os recursos adequados para atingir os objetivos.

No caso atual, o presidente da República prometeu um mundo e construiu seu reverso. Afirmou que acabaria com a política tradicional e o toma lá dá cá que ocorre nas negociações parlamentares há algum tempo. Criou o universo contrário, aderiu ao centrão, grupo de partidos que apoia qualquer governo (esteve ao lado de Lula e de Dilma) desde que a contrapartida seja apetitosa. (re) entronizou no altar da política a oração de São Francisco: é dando que se recebe.

A prática é tão frequente que nos últimos tempos parlamentares começam a defender a estranha fórmula política chamada de semipresidencialismo.

Isso quer dizer: o presidente é eleito, mas quem governa é o Congresso, ou melhor, a maioria do parlamento, ou aqueles que conseguirem fazer o acordo que se traduza em votos no plenário. Neste caso, projetos, metas e até mesmo ideologias desaparecem.

O país passa a ser governado pelas ambições e necessidades de deputados e senadores. De certa forma, tem sido assim desde os primórdios, mas alguns presidentes conseguiram fazer valer seus propósitos. Juscelino Kubitschek é o melhor exemplo. Em pouco mais de três anos fez surgir uma cidade, uma capital, onde antes só havia mato.

A antiga e saudosa oposição ao governo militar conseguiu unir as esquerdas e convocar a Assembleia Nacional Constituinte, depois de ultrapassar a fase anterior da anistia, que trouxe os exilados de volta ao país.

As construções políticas são lentas, porém eficazes, quando deixam a mediocridade de lado. É difícil construir obras políticas perfeitas no teatro da negociação parlamentar, mas o Brasil conseguiu avançar até na criação do Bolsa Família que, tem sua origem numa experiência francesa do pós-guerra. Foi aplicada em São Paulo, Brasília e se transformou em política nacional com o objetivo de colocar as crianças em sala de aula.

Orçamento não é a bagunça atual que o país assiste perplexo. Verbas secretas. Calote nos precatórios. Nada disso faz sentido. Existe um mercado paralelo de precatórios. São dívidas da União contra as quais não há mais recurso judicial.

O governo adia os pagamentos. Empresários espertos compram estes papéis com deságio em torno de 50% e pagam impostos com esses títulos pelo valor de face, acrescido da correção monetária. É um grande negócio. E verba secreta parece com decreto secreto, que existiu no governo militar. Na época, pessoas e empresas foram punidas sem saber a razão.

O Brasil está se acostumando a assistir bizarrices sem protestar. Ministro da Economia tem dinheiro em paraíso fiscal. Admite a situação e diz que seu objetivo é evitar o imposto nos Estados Unidos. Ele estimula a elisão fiscal no exterior e por tabela incentiva o calote nas dívidas com o fisco local.

Essa grande bagunça brasileira é o retrato do fim de um governo que não tem projeto, propósito nem objetivos. É o poder pelo poder. Só isso explica tamanho desvario. Os parlamentares tomaram conta do caixa do governo, produzem um orçamento ficcional, distribuem calotes, são fartamente beneficiados pelas verbas, enquanto o ministro vê suas economias engordarem em paraíso fiscal.

Isso é mais do que uma bagunça. É um vexame.

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