As pesquisas de opinião deste fim de ano revelam, entre outras, uma situação difícil para Bolsonaro. Ele é rejeitado pela maioria e é considerado o pior presidente da história por quase metade dos entrevistados. Tudo isso num momento em que o Chile se volta para a esquerda, como já se voltaram Argentina, Peru e Bolívia. Nas suas circunstâncias, Estados Unidos e Alemanha também mudaram e desenham um quadro desfavorável para a extrema direita.
Nesta virada de ano, existe uma esperança real de que Bolsonaro seja varrido do mapa. No entanto, há todo o ano de 2022 para carregar e nem todas as suas perspectivas parecem boas. O ano termina com mais uma batalha entre o negacionismo oficial e a ciência. Depois de negar a gravidade do vírus, o número de mortos, a importância da vacina, a vacinação de adolescentes, o passaporte sanitário, Bolsonaro bloqueia, com sua ignorância, a vacinação das crianças.
Com uma boa performance na imunização de seu povo, o Brasil conseguiu respirar um pouco no segundo semestre. Mas a pandemia não acabou. A variante Ômicron que atingiu a Europa e os Estados Unidos tem um grande poder de contaminação, embora, ao que tudo indica, não seja tão letal. Os últimos números na cidade de São Paulo indicam um crescimento de internações e a metrópole é uma referência para o Brasil, que, em algumas cidades, vive também um surto de influenza.
O Orçamento aprovado no apagar das luzes revela também muitas das aberrações do atual governo. Emendas de relator, as mesmas que originaram o orçamento secreto, continuam abocanhando R$ 16 bilhões. E há o famoso fundo eleitoral, inicialmente orçado em R$ 5,7 bilhões, vetado de mentirinha por Bolsonaro e reavivado pelos deputados e senadores. Reduziram para R$ 4,9 bilhões, mas não a ponto de ofuscar o escândalo de gastar tanto dinheiro com partidos no momento em que a fome, o desemprego e a recessão econômica se instalam no País.
Tornando-se um aliado objetivo da pandemia, sem dinheiro para investimentos com tantos gastos politiqueiros, Bolsonaro só tem uma carta na manga para tentar sobreviver: o auxílio de R$ 400. É muito pouco para sua insensatez. Por mais que ganhe um votinho aqui, outro ali, em termos políticos é um elefante numa loja de cristais.
Em resposta aos adversários que costuram uma frente mais ampla para derrotá-lo, Bolsonaro aparece dançando um funk que chama as mulheres de esquerda de cadelas. Na verdade, nunca se interessou pelo voto feminino e não compreende como as mulheres não só podem derrotar certos candidatos, como construir uma vitória. Se ouvisse o discurso de Gabriel Boric na Plaza Italia, em Santiago, talvez tivesse uma pequena luz sobre a força das mulheres. Mas Bolsonaro não ouve adversários, muito menos seria capaz de cumprimentá-los como o fez José Antonio Kast, o líder da direita no Chile.
O ano que passou foi marcado também pela Conferência de Glasgow. Isolado, o Brasil se comprometeu a reduzir o desmatamento na Amazônia. O que vimos? O nível de destruição da floresta foi o maior em dez anos. Centenas de barcas de garimpeiros ocuparam o Rio Madeira e deixaram um rastro de destruição: mercúrio nas águas, mercúrio no corpo dos ribeirinhos.
Não quero traçar um cenário mais catastrófico ainda. Mas a fúria destruidora de Bolsonaro pode se acentuar este ano, na medida em que antevê sua derrota, com aliados saltando do barco, apoiadores como Olavo de Carvalho admitindo que a briga está perdida. Essa é uma variável importante.
Embora falte um ano, para muitos observadores, Bolsonaro já perdeu as eleições. A única coisa que pode impedir que destrua o que resta do País é fazê-lo sentir as consequências. Há muitos inquéritos sobre Bolsonaro: influência indevida na Polícia Federal, no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), fake news sobre as eleições, associação da vacina contra covid com o vírus da aids. Esses inquéritos, embora óbvios, demoram muito para ser concluídos. Bolsonaro apenas acumula acusações sem responder objetivamente por nenhuma delas. É importante detê-lo no momento em que se sentir acuado. Detê-lo com medidas da justiça e ameaças concretas de prisão. Sua última performance na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) dizendo que rifou funcionários do Iphan, porque se opuseram à construção de uma loja da Havan, é bastante típica. Empresários o aplaudiram porque fazem parte dessa conspiração da barbárie. Aplaudem a destruição do meio ambiente, aplaudem a resistência às medidas contra a pandemia, aplaudem tudo que favorece seu lucro, apesar do Brasil. Não são todos os empresários que pensam assim. Os trogloditas que o apoiam não o salvarão da cadeia e, o mais importante, vão ver a queda de seus lucros quando clientes e consumidores forem informados de sua simpatia pela pura destruição dos recursos naturais, da memória e identidade nacionais.
Não se trata de uma visão revanchista. Apenas uma advertência para o que pode ser o último ano de barbárie, uma tentativa de contê-la no seu desespero, quando o naufrágio parecer inevitável.
O Brasil precisa cuidar do que resta, para sonhar com um futuro.
Artigo publicado no Estadão em 24/12/2021
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