Só um inimigo de Bolsonaro seria capaz de propor que, às vésperas do fim do ano, ele entrasse em campo para obter um reajuste salarial dos policiais federais e só deles. Colheu a devolução de mais de 500 cargos de confiança da Receita Federal e uma ameaça de greve. O presidente que prometeu acabar com o ativismo fabricou-o mobilizando contra o governo funcionários concursados, nada a ver com a cumbuca de nomeações dos políticos amigos.
O que o Planalto pode dizer a um servidor cuja categoria tem um pleito funcional e chegou em casa tendo que explicar à família que ficou de fora da generosidade presidencial?
O estilo Bolsonaro de gestão já encrencou com o Inep, o Iphan, o Inmetro e a Anvisa. Cada encrenca deixou cicatrizes, até que explodiu a crise da Receita.
O doutor Paulo Guedes, parceiro da última manobra, talvez possa contar ao capitão o que é o "efeito do túnel", descrito pelo economista Albert Hirschman (1915-2012). Ele celebrizou-se explicando, de maneira simples, problemas que seus colegas gostam de expor de forma complicada.
O "efeito do túnel" relaciona-se com a distribuição de renda. Se duas fileiras de carros estão engarrafadas num túnel e ambas se movem lentamente, os motoristas aceitam o contratempo. Se uma fileira começa a andar mais rápido, quem está parado acha que o jogo está trapaceado. Bolsonaro gosta de arriscar, mas mesmo sabendo-se que Hirschman talvez não seja flor do orquidário de Guedes, pouco custaria ao doutor pela universidade de Chicago explicá-lo ao capitão.
Os servidores públicos, como todos os trabalhadores, perderam renda. Com o ativismo em favor dos policiais, Bolsonaro mobilizou a insatisfação.
RECORDAR É VIVER
Nos anos 80 do século passado, quando o governo do general João Figueiredo agonizava, o general Golbery do Couto e Silva, que se demitira da chefia do Gabinete Civil, saiu-se com esta:
"Você pode ir para todos os guichês de uma rodoviária, pedindo desconto na passagem. Vão negar, mas, se uma vendedora aceitar o pedido, fará uma pergunta e você deverá respondê-la: Para onde o senhor quer ir?"
Figueiredo não sabia. Bolsonaro acha que sabe.
BOAS NOTICIAS
Bolsonaro levou 38 dias para cumprimentar Joe Biden pela sua eleição nos Estados Unidos. Donald Trump até hoje não reconhece o resultado.
No Chile, José Antonio Kast reconheceu a derrota no domingo e Bolsonaro mandou cumprimentar "o tal de Boric" na quinta.
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