Hoje esvaziada, a Operação Lava Jato motivou uma sequência de propostas legislativas nos últimos anos que alteraram mecanismos de combate à corrupção no país.
No Congresso, foram três pacotes de mudanças relacionadas com a operação —sendo um deles sancionado neste ano, o da nova Lei de Improbidade Administrativa.
Para apoiadores da operação, essas mudanças —somadas a decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal— acabaram tolhendo as atividades investigativas.
As derrotas nos tribunais superiores e no Legislativo ocorreram em um momento de desgaste da operação, com a revelação de mensagens no aplicativo Telegram que mostraram colaboração entre procuradores e o então juiz Sergio Moro.
Os críticos da Lava Jato defendem as medidas legislativas aprovadas, sob o argumento de que era preciso mais regulação para evitar que situações de abuso não se repetissem.
Sobre isso, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), costuma citar o caso do reitor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) que se suicidou em 2017 após ser preso em uma operação da Polícia Federal.
Para 2022, sob a liderança de Lira, é possível que mais alterações legislativas em decorrência da Lava Jato sejam votadas no Congresso.
LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
A primeira das mudanças mais significativas foi aprovada em 2019, prevendo punições a quem “abuse do poder que lhe tenha sido atribuído”. A chamada Lei de Abuso de Autoridade entrou em vigor no início de 2020.
Antes, em 2016, quando a Câmara votou um projeto encampado pelos procuradores da Lava Jato, batizado de “Dez Medidas de Combate à Corrupção”, houve uma tentativa de se incluir novidades desse teor, mas a proposta não prosperou.
Os próprios procuradores reconhecem que as chances de punição efetiva por causa dessa legislação são pequenas, mas afirmam que ela pode ser usada para intimidar magistrados, policiais e membros do Ministério Público. Ela prevê punições como perda da função pública e indenização.
A aprovação dessa lei foi um dos motivos que levaram a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) a advertir o Brasil em relação a “ameaças à independência e à capacidade das autoridades públicas para combater a corrupção”.
Há trechos da legislação claramente relacionados a episódios controversos da Lava Jato, com um que proíbe “divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada” do suspeito.
Em 2016, o ex-presidente Lula e familiares tiveram uma série de telefonemas tornados públicos pelo então juiz Moro, depois declarado parcial pelo STF nos casos relacionados ao petista.
Há aspectos da legislação que afetaram também aspectos de rotina das investigações, como a divulgação de informações à mídia. A Lei de Abuso afirma que não se pode antecipar a “atribuição de culpa” até que estejam concluídas as apurações e formalizada a acusação.
Desde os anos 2000, havia se tornado comuns entrevistas coletivas concedidas após operações deflagradas pela Polícia Federal.
O procurador-geral Augusto Aras já se manifestou de maneira contrária a questionamentos feitos no Supremo contra a lei.
Procuradores da antiga força-tarefa da Lava Jato fluminense hoje são alvos de procedimento disciplinar, que menciona a hipótese de abuso de autoridade, devido à divulgação, pela assessoria de imprensa, de denúncia ainda sob sigilo.
PACOTE ANTICRIME
Aprovado no Congresso no fim de 2019, o pacote anticrime surgiu inicialmente como um conjunto de medidas propostas pelo então ministro e ex-juiz Sergio Moro, que incluía a criminalização do caixa dois, a prisão de réus condenados em segunda instância e o excludente de ilicitude (abrandamento da punição por atos cometidos durante ações policiais).
Ao longo da tramitação no Congresso, foram incluídos diversos dispositivos de temas ligados à Lava Jato.
O principal deles é a criação da figura do “juiz das garantias”, que evita que um mesmo magistrado seja o responsável por um caso tanto na fase de investigação quanto na fase de ação penal. Esse “monopólio” de um só juiz sobre uma causa na Operação Lava Jato despertava críticas das defesas ao então juiz Moro.
Esse trecho da nova lei, porém, foi suspenso em decisão provisória pelo ministro do STF Luiz Fux em janeiro de 2020 e até hoje não houve julgamento definitivo a respeito. Se implantada, a novidade precisa provocar uma ampla reorganização do Judiciário pelo país —há comarcas onde há apenas um magistrado.
Outro dos pontos elaborados pelos congressistas reconfigurou os acordos de colaboração premiada, um dos principais pilares da Lava Jato.
O texto reviu, por exemplo, a possibilidade de prisão domiciliar, benefício que foi muito comum entre delatores da operação deflagrada no Paraná.
Outro trecho, na prática, restringiu o alcance dos depoimentos de colaboração, ao afirmar que eles devem relatar situações “que tenham relação direta com os fatos investigados”.
Na Lava Jato, eram comuns que depoimentos de delação revelassem relatos que nada tinham a ver com o foco inicial da investigação.
Também houve efeitos do pacote anticrime nas prisões preventivas, expedidas sem prazo definido e usadas às dezenas ao longo da Lava Jato.
A lei anticrime implantou como requisito para os mandados a necessidade de comprovar “a existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida” de prisão e a reanálise das ordens a cada 90 dias.
Também estabeleceu que os depoimentos de delação não podem servir de motivação única para as prisões provisórias.
O requisito de reanálise a cada 90 dias acabou sendo usado na soltura de André do Rap, um dos chefes da facção criminosa PCC, em 2020. A libertação foi revogada, e hoje ele se encontra foragido.
Outro dispositivo alterado pela lei anticrime barrou o uso, como peça de acusação, de gravações de conversas feitas informalmente pelas partes, sem autorização da Justiça ou do Ministério Público.
Nos anos Lava Jato, gravações desse tipo foram usadas como provas contra o então senador Delcídio do Amaral (à época no PT) e contra o então presidente Michel Temer.
LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Lei sancionada em outubro deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro mudou todo o regramento de uma das principais ferramentas utilizadas por promotores e procuradores na fiscalização de órgãos públicos pelo país. A proposta, patrocinada por Arthur Lira, enxugou a Lei de Improbidade Administrativa.
Em vigor desde 1992, essa legislação não prevê a possibilidade de prisão, mas sim de perda de função pública, suspensão de direitos políticos e de ressarcimento de prejuízos para casos de ilegalidades cometidas na gestão pública.
Aprovada agora com ampla maioria na Câmara e no Senado, a proposta foi concebida sob o argumento de que era preciso evitar um “apagão de canetas” —falta de interessados qualificados para ocupar funções públicas em razão da possibilidade de punições por má gestão.
Na prática, a nova lei reduziu prazos de prescrição, fixou prazos máximos para investigações e provocou rediscussões sobre questões sobre as quais já havia jurisprudência consolidada nos tribunais superiores.
Também alterou mecanismos de punição a corruptores, como empresas concessionárias ou contratadas pelo poder público.
Na Lava Jato, foram abertas dezenas de ações de improbidade no Paraná cobrando ressarcimento por desvios na Petrobras, em processos que devem ser afetados pelas novas regras.
Também em desdobramento da operação, partidos políticos como PP e PT eram alvos de ações de improbidade em Curitiba. Com a nova legislação, os partidos não podem mais ser processados por improbidade.
A entrada na política de figuras da operação, como o ex-juiz Moro (hoje filiado ao Podemos), deu combustível a alterações legislativas relacionadas ao tema.
Uma das propostas ainda pendentes relacionadas à Operação Lava Jato é a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público, ampliando a possibilidade de influência política no órgão.
O conselho é a principal instância de fiscalização de procuradores e promotores.
Críticos da Lava Jato e apoiadores do projeto afirmaram que a investigação deflagrada no Paraná mostrou que o Ministério Público é incapaz de punir ilegalidades cometidas por seus integrantes e que uma nova formulação era necessária.
A PEC, que também tinha Arthur Lira como fiador, foi enviada à votação no plenário da Câmara em 20 de outubro e acabou derrotada por poucos votos. O deputado, porém, já deu sinais de que quer retomá-la com outra versão.
Outra proposta relacionada à Lava Jato que esteve em debate no Congresso é a que trata do crime de lavagem de dinheiro, um dos mais visados nos processos da operação. Uma comissão de juristas funcionou na Câmara até maio deste ano, mas acabou não apresentando um relatório final.
Também há discussões para reformar o Código de Processo Penal, proposta que motivou críticas de associações de procuradores e promotores neste ano pela possibilidade de atingir o poder de investigação criminal do Ministério Público.
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