Três partidos do Centrão controlam mais de R$ 149,6 bilhões do governo Bolsonaro
BRASÍLIA – Na reta final do mandato do presidente Jair Bolsonaro, o Centrão conquistou sua influência mais decisiva sobre os cofres públicos. Um levantamento feito pelo GLOBO aponta que os três principais partidos do bloco — PP, PL e Republicanos, esteios da campanha de reeleição de Bolsonaro — comandam ao menos 32 postos-chave na administração federal e têm sob gestão mais de R$ 149,6 bilhões. Além disso, deputados e senadores dessas legendas foram beneficiados com ao menos R$ 901 milhões do orçamento secreto, mecanismo de distribuição de verba parlamentar de forma desigual e sem transparência.
A cifra de quase R$ 150 bilhões é maior do que o orçamento total estimado para este ano dos ministérios da Defesa (R$ 116,3 bilhões) e da Educação (R$ 137 bilhões). O Ministério da Saúde tem um pouco mais: R$ 160 bilhões.
No comando da Casa Civil, o PP tem 16 indicados entre os levantados pelo GLOBO. PL e Republicanos, por sua vez, têm oito nomes em posições de chefia na máquina pública (veja infográfico abaixo). Dentre esses cargos mais cobiçados está o da presidência do Banco do Nordeste (BNB), ocupada interinamente na semana passada por um apaniguado do ex-deputado Valdemar Costa Neto, presidente do PL, legenda à qual Bolsonaro se filiou em novembro. Embora tenha um orçamento de R$ 144 milhões, a instituição financeira, que protagonizou escândalos de corrupção, administra R$ 65 bilhões em ativos.
Orçamento do Centrão no governo Bolsonaro
Poder irrestrito
Outro órgão importante sob a administração de expoentes do Centrão é o Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), presidido por Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil. O FNDE tem um orçamento previsto para este ano de R$ 37 bilhões. Já o diretor de Ações Educacionais do fundo é Garigham Amarante Pinto, próximo de Valdemar. O FNDE é responsável por fazer repasses de recursos destinados a estados e municípios de todo o Brasil.
Superintendências e outros órgãos regionais não têm orçamento próprio, estando vinculados à administração central. Entretanto, um levantamento feito pelo gabinete do senador Alessandro Vieira (Cidadania-RE) e dos deputados Filipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PSB-SP) mostra que 16 dos órgãos comandados por indicados do Centrão empenharam R$ 1,1 bilhão em 2021.
Embora tenha sido eleito em 2018 pregando contra a política tradicional, Bolsonaro abriu cada vez mais espaço à ala que costuma compor o governo independentemente de quem ocupa a cadeira mais importante da República. Reunidos mais pelo pragmatismo político do que pelas orientações ideológicas, dirigentes do Centrão receberam do presidente os ministérios da Casa Civil (comandada pelo PP), da Secretaria de Governo (PL) e da Cidadania (Republicanos). Os dois primeiros são responsáveis pela articulação política do Palácio do Planalto com o Congresso — e por definirem tanto a distribuição de cargos públicos quanto a liberação de verbas parlamentares. Já o terceiro, cujo orçamento é de R$ 108,7 bilhões, cuida do Auxílio Brasil, um dos principais programas sociais do país. Na prática, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, a cúpula do Centrão passou a ter o poder na caneta para tirar recursos das veias da máquina pública, sem passar por intermediários.
— Pelo menos em tempos de redemocratização, não há precedentes (de um cenário como este). Não tenho memória do governo Lula, Dilma ou Fernando Henrique fazerem isso com recursos orçamentários com tanta explicite e em um volume tão significativo — diz o cientista político Marco Antonio Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas.
Gil Castello Branco, economista e fundador da Associação Contas Abertas, avalia “que nunca houve uma apropriação do orçamento tão intensa como essa do Centrão”:
— Com o presidente fragilizado, com popularidade em queda livre, o preço do apoio político está subindo. De fato, a cópia da chave do cofre foi entregue ao Ciro Nogueira.
Orçamento secreto
Pela primeira vez na história recente o Centrão ocupa o ministério da Casa Civil, considerado o mais importante da máquina pública federal. Passam pela pasta praticamente as principais decisões do Executivo. Além disso, recentemente um decreto de Bolsonaro enxertou ainda mais poder nas mãos de Ciro Nogueira, ao determinar que ações como abertura, remanejamento ou corte de despesas precisam agora ter aval do presidente licenciado do PP — antes, era uma decisão apenas do Ministério da Economia. O efeito prático dessa mudança ficou perceptível durante as negociações do Planalto com o Congresso para elaborar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para tentar reduzir o preço dos combustíveis e da energia elétrica, atacando o principal desafio do governo na campanha: a inflação. As conversas foram encabeçadas pela Casa Civil, de Ciro, e não pela equipe econômica.
Em outro levantamento, publicado em dezembro, O GLOBO revelou uma lista de 290 deputados e senadores — em sua maioria, próximos ao Palácio do Planalto — que, sem transparência, foram beneficiados com emendas de relator e distribuíram recursos para as suas bases eleitorais. Os valores rastreados foram empenhados em 2020 e 2021 e chegam a R$ 3,2 bilhões, uma amostra dos R$ 36 bilhões que compuseram as emendas de relator no período. Desses recursos com destinação conhecida, R$ 901 milhões foram para PP, PL e Republicanos.
Um exemplo ilustrativo de como as engrenagens de cargos e verbas se movem a favor de aliados governo ocorreu em Alagoas. À frente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no estado, está João José Pereira Filho, primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O superintendente do órgão administra um caixa de R$ 83,9 milhões de emendas do relator apadrinhadas por Lira — e os repasses desses recursos já tiveram como destino, por exemplo, Barra de São Miguel, governada pelo pai do deputado, que nega qualquer irregularidade.
Com o apoio do governo Bolsonaro, em fevereiro do ano passado, Lira foi eleito presidente da Câmara e, pouco tempo depois, ganhou o poder de controlar o direcionamento de R$ 16 bilhões das chamadas emendas de relator. Até então, essa responsabilidade ficava com o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre. É com esse poder na caneta que Lira vem beneficiando aliados em seu partido e negociado o apoio em diversos projetos de interesse do governo no Congresso.
— Isso desequilibra a democracia. Quem tem esse volume de recursos na mão tem capacidade de galgar apoio e ter capilaridade eleitoral que nenhum outro partido ou pessoa tem. E, para além disso, há uma questão primária: parlamentar não foi eleito para fazer papel de Executivo — diz Teixeira.
O cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo (USP), avalia que o poder crescente do Centrão foi uma espécie de seguro feito pelo presidente contra um impeachment no Congresso e de olho nas eleições deste ano:
— Qual o raiz desse problema? A escolha que o presidente fez: a crítica que se faz é o tanto de poder que o presidente Bolsonaro tem dado a esse tipo de força. O Centrão é um conjunto de forças intensamente fisiológico, com pouco compromisso com combate à corrupção e redução de desigualdade.
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