O hiperprotagonismo do STF na última década foi produzido por diversos fatores dentre os quais o papel que cumpre como corte criminal, como argumentei nesta Folha. É claro que outros fatores e episódios singulares —como o impeachment presidencial e iniciativas parlamentares conexas— também contribuíram.
Mas a sobrecarga da agenda do Supremo que levou a sua politização e alta visibilidade pública deve-se à sua atuação como juízo criminal em um quadro de escândalos ciclópicos de corrupção. Não há nas atuais democracias corte suprema que possua jurisdição criminal como o STF, que acumula tais funções com as de corte recursal e constitucional.
Após 2019, esse protagonismo muda de chave e volta-se para a contenção do iliberalismo bolsonarista, o que fez com grande efetividade até agora. Paradoxalmente, o sucesso dessa contenção decorre, como tem argumentado Diego Arguelles, de sua atuação na esfera criminal.
O protagonismo da corte é reativo e deflagrou iniciativas hiperbólicas nesta esfera, como exemplificado pelo inquérito contra as fake news instaurado de ofício por seu presidente. Mas as prisões inéditas de parlamentares vão na mesma direção, e sugerem que a resposta do STF não se restringe ao Executivo e conta com apoio do Legislativo; e, mais importante, da opinião pública em virtude da atuação do tribunal na pandemia.
É paradoxal que a agenda de reforma institucional do STF antes incluía a redução de seu papel na esfera criminal e sua especialização na jurisdição constitucional em um quadro em que este papel se robusteceu. No cenário pós Bolsonaro, portanto, esta questão retornará independente da identidade dos dois novos ministros que assumirão em 2023.
Também é contraintuitivo que a mudança de chave tenha ocorrido simultaneamente com o recuo do apoio do STF à Lava Jato, para o que dois fatores foram decisivos. O primeiro: quando as ações desta última passaram a mirar membros individuais da instituição, o que deflagrou a mudança de comportamentos em relação à operação pelo vasto impacto disruptivo que elas embutiam.
O segundo devido à virulenta investida do novo governo contra o tribunal e os ministros Barroso e Moraes, o que produziu surpreendente unanimidade na resposta institucional. A despeito de mudanças em sua composição, a metáfora que utilizei —de onze ilhas a um continente— parece ainda apropriada.
Face a esta investida —a maior ameaça já enfrentada pela Corte pós 1988— o STF escolheu priorizar o combate, em detrimento do apoio à Lava Jato. A escolha de qual batalha travar foi estratégica. Assim o hiperprotagonismo não arrefecerá.
Marcus André Melo - Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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