domingo, 24 de abril de 2022

ANDRÉ MENDONÇA HONROU A TOGA

Elio Gaspari, Folha de S.Paulo

O ministro André Mendonça foi terrivelmente ingênuo, até impróprio, na manhã de quinta-feira (21), quando foi às redes sociais para explicar seu voto do dia anterior, condenando o deputado Daniel Silveira. Justificou-se como cristão e como jurista.

Juízes, diferentemente de vereadores e deputados, não devem explicações ao seu eleitorado. Decidem, e ponto final. Mendonça decepcionou os bolsonaristas que esperavam dele uma conduta à la general Pazuello. Podia ter pedido vistas, retardando o resultado do julgamento do deputado. Seria uma chicana vulgar. Podia ter acompanhado o voto de seu colega Nunes Marques, absolvendo o réu. Preferiu condená-lo a dois anos de prisão.

André Mendonça e os mármores do Supremo sabiam que o tribunal condenaria Daniel Silveira, acompanhando o voto do relator Alexandre de Moraes. Afora a chicana do pedido de vistas, não havia o que fazer.

Ao votar pela condenação mostrou que, uma vez no tribunal, demarcou a linha de sua independência. Por onde ela passa, só o tempo dirá, e ele ficará na corte até dezembro de 2047: "Mesmo podendo não ser compreendido, tenho convicção de que fiz o correto".

Quando um cidadão é nomeado para o Supremo Tribunal Federal, espera-se dele apenas isso. É verdade que alguns ministros do tribunal comportam-se como criaturas da política, ora buscando holofotes, ora cabalando nomeações de servidores. São pontos fora da curva do ideal.

Ao explicar-se nas redes sociais, Mendonça foi ingênuo. Contrariou o desejo de pessoas que esperavam dele o comportamento de um miliciano e nada poderá fazer, salvo alistar-se numa milícia judiciária.

Paralelos com a Suprema Corte dos Estados Unidos são um exercício ineficaz, porém ilustrativo. Juiz não tem eleitorado e está acontecendo com André Mendonça o mesmo que sucedeu ao juiz David Souter nos anos 90 do século passado. Seu caso merece ser relembrado.

SOUTER ERA TERRIVELMENTE CONSERVADOR

Em 1990, o juiz William J. Brennan Jr. decidiu deixar a Suprema Corte dos Estados Unidos depois de 34 anos de serviço, durante os quais havia se tornado um pilar do liberalismo. Para o governo de George Bush 1º, essa decisão parecia um presente dos céus. Tratava-se de colocar no lugar um juiz terrivelmente conservador.

O chefe de gabinete de Bush era John Sununu, um republicano de raiz que jogava bruto. Ele conseguiu que o presidente indicasse David Souter, um juiz de seu estado. Era jovem (51 anos), duro nas sentenças e um conservador de vitrine, quase um eremita.

Ouviu um palavrão de uma assessora e no dia seguinte presenteou-a com uma barra de sabão. Mal via televisão (em preto e branco) e só assinava as edições dominicais do The New York Times. Dirigia um carro velho com o assento quebrado e por causa de um desencanto da mocidade, tornara-se um solteirão.

Souter foi para a corte quando Bush tinha armado o bote para revogar a decisão que havia reconhecido o direito das mulheres de interromper a gravidez. Surpresa: o juiz alinhou-se com os moderados.

Para ele, revogar a decisão seria "uma rendição à pressão política". Aos poucos, para decepção dos Bush e de Sununu, juntou-se à colega Sandra O’Connor (ela também republicana), neutralizando por anos a bancada conservadora no tribunal. Sua explicação era simples: não estamos aqui para dividir o país.

Em 2000, quando a Suprema Corte, por maioria de votos, garantiu a vitória de George Bush 2º contra Al Gore, Souter desencantou-se e começou a pensar em ir embora. Tinha apenas 61 anos.

Esperou a eleição seguinte, vencida por Barack Obama e renunciou em 2009.

Está com 83 anos, não vai aos holofotes e leva a mesma vida de sempre.​

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