Foi apenas mais uma demonstração do desprezo e da ojeriza do mandatário contra todo e qualquer grupamento social que ele entenda como minorias repugnantes: jovens, mulheres, gays, em suma, qualquer um que simplesmente se oponha a ele e aos métodos que prega. Ainda no cercadinho do Palácio da Alvorada, que usa como uma espécie de confessionário, repleto dos fiéis seguidores, reforçou, na última terça-feira 29, o desdém com os imberbes opositores. Ironizou a campanha pelo voto dos menores de 18 anos. Fez pouco caso do esforço de muitos para incentivar a garotada entre os 16 e os 18 a tirar o título de eleitor. Segundo ele, jovens “têm vergonha de dizer que vão votar no Lula”. Não foi o que se viu no ruidoso e, especialmente para o capitão, incômodo festival do Lollapalooza, que reuniu no final de semana anterior uma parcela significativa daqueles que podem ir às urnas pela primeira vez.
Com faixas e punhos fechados em protesto, ali bradavam em alto e bom som o mantra do “Fora Bolsonaro!”. Puxados por seus ídolos, cantores, bandas e até músicos internacionais, eles entoavam um recado que desagradou. Veio o revide. O pior possível: CENSURA! O partido do mandatário resolveu entrar com uma representação para vetar as manifestações, indo de encontro à propalada liberdade de expressão, reclamando ser aquele um ato de campanha antecipada. O que é mais grave: o juiz do TSE, ministro Raul Araújo, conhecido por outras sentenças a favor do “mito” Messias, concedeu — à revelia do mais notório e essencial mandamento constitucional.
Supremo escracho, logo após a decisão, o próprio Bolsonaro, a tropa partidária, simpatizantes e aliados diversos montaram o pré-comício de lançamento do nome de Messias a um segundo mandato, direto de um amplo e repleto centro de convenções em Brasília – um evento, esse sim, claramente ilegal –, sob a desculpa de mobilizar novos filiados. Não houve, no caso, reprimendas da Justiça. Vai saber lá o por quê. No Lollapalooza o “cala boca” de Araújo virou um furdúncio sem tamanho. Incrementou, ainda mais, gritos de revolta. Ampliou a turba dos insatisfeitos. Virou notícia mundo afora. Acabou representando um tiro pela culatra. Colegas do TSE, magistrados do Supremo, praticamente a ala inteira dos representantes da Lei ficaram estupefatos com o erro crasso da sentença. O ex-decano do STF Celso de Mello voltou a alertar para o alto risco de retrocesso em curso.
Classificou como “escalada autoritária, cruel e cínica” a ideia de proibir o cidadão de pensar e de livre expressar o seu pensamento, submetendo-o a um regime de opressão. O ex-companheiro de tribunal e presidente do TSE, Edson Fachin, classificou a determinação de Araújo como “intransigente” e prometeu levar o assunto ao plenário “imediatamente”. A posição majoritária da Corte parecia ter um veredicto claro, oposto ao lançado por Araújo. Mas antes da fragorosa demonstração de repúdio dos ministros àquela decisão monocrática, o partido do presidente resolveu retirar de pauta a ação. O próprio inquilino do Planalto acabou por cair em si sobre a bobagem. Até mesmo Araújo alegou ter sido “induzido” ao engano. E era um despautério, a marcar a reputação de quem sempre alegou ser “um ardoroso defensor da liberdade”.
A maior avalanche de reações se deu, no entanto, nos palcos e nas plateias do Lollapalooza e nas redes sociais. Foi um tsunami de resistência contra a censura em curso. Artistas se prontificaram a pagar, uns dos outros, a multa estabelecida de R$ 50 mil em troca de irradiarem a palavra de ordem “Fora Bolsonaro”. O blogueiro das multidões teen, Felipe Neto, informou que ajudaria a bancar os eventuais custos de penas devidos nas manifestações de repúdio e estimulou o posicionamento político antiautoritarismo. O roqueiro Lulu Santos resumiu o movimento em vigor: “cala boca já morreu, que manda na minha boca sou eu”. Não havia mais dúvidas, Bolsonaro acabara por criar ali um monstro que pode vir a devorá-lo.
A massa jovem, que não é nada desprezível, parece ter acordado e se convencido da importância de formar fileiras ao lado dos opositores do capitão. E devem compor um extenso exército, rumo à batalha na qual a campanha de reeleição pode tombar. Nunca é demais lembrar a história: o longínquo antecessor, dos anos 1990, e hoje aliado, Collor de Mello – que subiu com Bolsonaro ao palanque, assim como o fez o mensaleiro e ex-presidiário Valdemar da Costa Neto, articulador do projeto de poder do governante – começou a ruir quando os jovens “caras-pintadas” foram às ruas exigir a sua deposição. Bolsonaro, provavelmente, pode vir a pagar na mesma moeda de Collor por ter despertado a ira e confrontado esse público.
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