A esta altura, o País já se acostumou com o fato de que a estabilidade política do governo de Jair Bolsonaro é dependente da distribuição farta de verbas e sinecuras a aliados oportunistas. Afinal, trata-se de um governo com DNA do baixo clero. Mas, quando o próprio presidente admite candidamente essa desfaçatez e, pior, considera que se trata de algo positivo, significa que o País atingiu um novo nível de degradação moral.
A um podcast, Bolsonaro disse que o pagamento de emendas bilionárias a parlamentares por meio do orçamento secreto, esquema de compra de apoio parlamentar revelado pelo Estadão, ajuda a “acalmar” o Congresso.
Aqui cabem algumas perguntas. Por que o Congresso precisa ser tranquilizado? Qual a razão da agitação dos parlamentares? Quem se beneficia, direta e indiretamente, dessas emendas com esse alegado efeito calmante? E o que farão os deputados e senadores se suas demandas não forem atendidas? Bolsonaro, evidentemente, não responderá a nenhuma dessas questões, mas quem acompanha as relações entre o Executivo e o Legislativo sabe o que está por trás dessa prática opaca e nada democrática.
O Orçamento talvez seja o instrumento que melhor representa os interesses de um governo e da sociedade que o elegeu. Ali estão as escolhas feitas no passado e as prioridades para o futuro. Para além do pagamento de salários ao funcionalismo e benefícios previdenciários e assistenciais, o sucesso da execução de políticas públicas passa, obrigatoriamente, pelo Orçamento. Sem recursos, o enfrentamento da pobreza, do desemprego e da inflação não passa de boas e vagas intenções. É a peça orçamentária que traduz o retorno dos impostos pagos por toda a sociedade.
Neste ano, por exemplo, as emendas de relator, aquelas vinculadas a interesses paroquiais, somam R$ 16,5 bilhões, rubrica que supera em quase quatro vezes os valores reservados, por exemplo, para a recuperação de toda a malha de rodovias federais públicas. Há suspeitas de que alguns parlamentares cobram comissão sobre o valor enviado aos municípios, algo que remete ao que pastores com trânsito livre no Ministério da Educação teriam feito ao negociar verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) com prefeitos. Para Bolsonaro, nada disso é relevante. “Não tenho nada a ver com isso”, disse aquele que, malgrado ser presidente da República, age como se fosse um barnabé que se limita a pendurar o paletó na cadeira e não se responsabiliza por nada.
As bases que sustentam o governo e o impedem de desabar, mesmo depois de uma atuação criminosa na pandemia de covid-19, são justamente essas emendas. São elas que contêm o andamento dos mais de 140 pedidos de impeachment. Responsável pela decisão final a respeito desses requerimentos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não analisa nenhum deles, mas tampouco os arquiva: enquanto esse dinheiro não for contingenciado, o caminho de Bolsonaro estará livre. A execução das emendas é o salvo-conduto do presidente e sua melhor chance de reeleição.
É a corrupção no varejo, como explicou em entrevista ao Estadão o economista Marcos Fernandes Gonçalves da Silva. O superfaturamento de obras gigantescas e o petrolão das gestões petistas ficaram para trás depois que as empresas adotaram práticas de governança e o País aprovou a Lei Anticorrupção. A classe política, no entanto, respondeu a esse avanço institucional se adaptando aos novos tempos. Para isso, nada melhor que se associar a um egresso do rebotalho da Câmara, com quase 30 anos de atuação irrelevante no Parlamento e fortes suspeitas de enriquecimento ilícito por meio de rachadinha.
Sem nenhum projeto que não a proteção de si mesmo e de sua família, Bolsonaro entregou o governo ao Centrão, incluindo verbas e cargos. É o que resta em termos de negociação para um presidente fraco. Não são apenas os parlamentares que ficam calmos com esse esquema espúrio. Quem dorme tranquilo enquanto o dinheiro público é loteado é o próprio Bolsonaro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário