domingo, 3 de abril de 2022

VOO TURBULENTO

Editorial Folha de S.Paulo

Ainda é cedo para avaliar se a pantomima encenada por João Doria foi suficiente para enquadrar o PSDB e sacramentar sua candidatura à Presidência da República. O agora ex-governador paulista, que ensaiou uma desistência para horas depois confirmar a postulação em clima de campanha, parece ter ampliado as desconfianças em torno de si e de suas reais condições.

O teatro de Doria é mais um capítulo de uma carreira política tão controversa quanto meteórica. Assim como em 2018, quando trocou a Prefeitura de São Paulo pelo Bandeirantes, o tucano deixa o governo para tentar alçar voo maior.

Doria venceu o pleito, apenas 15 meses após assumir a capital, ao surfar na onda bolsonarista. Não tardou para o "BolsoDoria", como batizou a esdrúxula parceria com o presidente Jair Bolsonaro (PL), tornar-se um pesadelo —uma aula de "realpolitik" para quem dizia não ser político, mas gestor.

Como governador, o tucano cercou-se de um secretariado técnico, manteve as finanças em ordem e assumiu protagonismo nacional ante o presidente ao defender e viabilizar um imunizante contra a Covid. Em meio às adversidades da crise sanitária, Doria bateu recorde em investimentos e estimulou a atividade econômica no estado.

Levantamento desta Folha avaliou 50 das principais promessas e metas. Quase metade não foi realizada (24%) ou está em fase inicial (20%). Outras 12% foram concluídas, 16% estão em estágio avançado e 28% seguem em andamento.

Sua gestão, contudo, trouxe avanços na educação (expansão do ensino integral), no meio ambiente (despoluição do rio Pinheiros) e na segurança pública (câmeras nos coletes de agentes, que reduziram a letalidade policial, e queda nos índices de criminalidade).

Entretanto máculas históricas do partido que comanda o estado mais rico da nação há 27 anos se repetiram sob Doria, como atrasos em obras do Metrô e a inconclusão do Rodoanel, símbolo de corrupção nos governos tucanos.

O empenho com as vacinas é trunfo inegável, mas ainda não cativou o eleitorado. A superexposição pode ter provocado cansaço, reforçando a imagem de inabilidade política e marketing excessivo.

Como se não bastassem parcos 2% das intenções de voto e rejeição de 30%, segundo o Datafolha, o ex-governador terá de lidar com um PSDB rachado. A começar por Eduardo Leite, derrotado nas prévias, mas que renunciou ao governo do Rio Grande do Sul e parece à vontade para uma virada de mesa articulada por Aécio Neves (MG).

No plano local, o PSDB corre o risco de perder a longa hegemonia em São Paulo —o legado da sigla será defendido por um neófito, o agora governador Rodrigo Garcia.

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