Bobbio dizia que a velhice era muito boa e cheia de encantos, o maior deles o gosto de matar saudades. Mas eu acho que o divertimento maior da velhice é o espaço de contar histórias, bom para encher e passar o tempo.
As operações do Ministério Público e da Polícia Federal, seguindo o costume das operações militares, têm sido férteis em criar cognomes e às vezes até os símbolos gregos e latinos são usados para denominar o trabalho. Assim é que encontraram o nome de Furna da Onça, que poucos sabem o que era e ninguém, hoje, se lembra de onde vem. Simplesmente era um nome muito conhecido do Rio dos anos 50, dado a um conjunto de duas salinhas no fundo do plenário do Palácio Tiradentes, então sede da Câmara dos Deputados, único lugar que existia, no meu tempo de deputado federal no Rio de Janeiro, para apoio dos parlamentares.
Essa denominação logo se popularizou graças à coluna Rondó, de curiosidades, mantida no Jornal do Brasil pelo grande jornalista Hermano Alves, que por alguns anos perambulou como exilado em vários países e só voltou ao Brasil em 1984; acabou morrendo em Lisboa. Muitas vezes fui seu informante e colaborador; eu contei ao Hermano a denominação das salinhas da Câmara, e ele começou a falar delas como se fossem o lugar dos conchavos políticos, por discretos e longe da imprensa.
Essas duas salinhas passaram a ter uma só denominação, passando do plural para o singular: Furna da Onça. Não sei com exatidão quem pôs esse nome. Sem certeza, acredito que a autoria esteja entre o Último de Carvalho, que gostava de brincadeiras desse tipo, e o Carvalho Sobrinho, que fazia quadrinhas, algumas célebres, que não repito para não lembrar a memória e a personalidade de muitos companheiros daquele tempo, final dos anos 50. O primeiro deputado por Minas Gerais e o segundo por São Paulo.
Uma das salas tinha somente uma funcionária, muito feia, que datilografava telegramas para nós. Do outro lado, uma moça bonita, alvo da investida de muitos parlamentares, muito assediada. A primeira, alvo de chacotas, foi logo apelidada de Onça, dando nome à sala de Furna da Onça.
Agora a Furna da Onça está consagrada pela Polícia Federal. A Onça da Câmara, vítima da feiura, ficou eternizada.
Talvez, se fosse hoje, quando a novela Pantanal ocupa a noite das famílias brasileiras, e Alanis Guillen — com seu notável desempenho — fosse funcionária da Assembleia do Rio de Janeiro, as salinhas da Câmara seriam Furna de Juma Marruá, e os deputados faltariam às sessões para ver o momento em que ela se transforma em onça e, em vez de processos apurando as mortes da novela e os processos políticos, teríamos milhares de denúncias de assédio sexual. E a onça solta no plenário da Câmara ia atacar muita gente.
E aí a Polícia Federal, em vez de Operação Furna da Onça, teria de chamá-la de Operação Marruá.
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado, escritor da Academia Brasileia de Letras
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