domingo, 10 de julho de 2022

A BATALHA PELO MORAL DA UCRÂNIA

Editorial O Estado de S.Paulo

A guerra na Ucrânia está sendo travada em três fronts: o campo de combate, a economia e a batalha de vontades. Os ucranianos têm vantagem neste último: lutando por sua liberdade e sobrevivência, estão mais motivados. Os outros dois são mais voláteis. A Rússia tem mais poder de fogo e recursos econômicos. Mas essa vantagem é relativa. Tudo depende da resolução dos aliados da Ucrânia, que têm múltiplas vezes mais poderio militar e financeiro.

Na primeira fase da guerra, os aliados mostraram uma extraordinária capacidade de mobilização que galvanizou a resistência ucraniana. O maior risco era que uma belicosidade triunfalista desencadeasse um conflito regional e mesmo global. Agora que o Plano A do presidente russo Vladimir Putin foi pulverizado e ele busca executar seu Plano B, o domínio de Donbas, em uma guerra de atrito, há o risco inverso: de que os aliados mantenham apoio suficiente para que a batalha se prolongue, mas não para que a Rússia seja derrotada, ou, pior, que retirem gradualmente esse apoio forçando a Ucrânia a aceitar os termos de Putin.

Oficialmente, os aliados mantêm a posição inicial: “A Ucrânia deve vencer”, disse sucintamente o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. Mas os ucranianos estão temerosos de que com o passar do tempo os aliados foquem cada vez mais em suas próprias agruras econômicas.

“Guerras tradicionais geralmente seguem esse curso”, disse o articulista do Financial Times Edward Luce. “As oscilações iniciais de humor entre euforia e desespero são suplantadas pelo fastio. Líderes habilidosos canalizam o desespero em medo, que pode resultar em ação. O tédio é um adversário bem mais obstinado.”

Vencer esse adversário exigirá habilidade redobrada dos líderes aliados. Especialmente os europeus precisam convencer suas populações de que não estão lutando por princípios abstratos, mas por sua própria segurança. Se Putin conquistar seu Plano B, logo voltará ao Plano A e a novas agressões imperialistas.

Na batalha pelos corações e mentes de suas populações, os líderes aliados têm uma arma poderosa nas mãos: o horror causado pelas atrocidades cometidas por Putin. De acordo com a ONU, a sua guerra já causou a morte de quase 5 mil civis, sendo 335 crianças, a maioria por explosivos em áreas povoadas. Mais de 400 instalações hospitalares e educacionais foram destruídas. Mais de 5 milhões de ucranianos fugiram do país e 8 milhões se deslocaram dentro dele. São números assumidamente defasados.

Há um consenso entre os psicólogos de que impactos traumáticos, como a morte de um ente querido, desencadeiam um ciclo de 5 fases: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Após o choque de 24 de fevereiro, a opinião pública ocidental percorreu esse ciclo. Mas as mortes na Ucrânia continuam a se multiplicar, e são só um prenúncio do que pode vir com uma vitória de Putin.

Além dos recursos militares e econômicos, os líderes aliados precisarão empregar todos os seus recursos de comunicação para manter acesa a chama da indignação e impedir a opinião pública de aceitar o inaceitável. 

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