Com a polarização, estas eleições serão as mais importantes e tensas desde a redemocratização
s convenções partidárias confirmaram aquilo que já se desenhava desde o ano passado. A polarização entre o petismo e o bolsonarismo impediu a consolidação de qualquer alternativa de centro, mesmo no primeiro turno. Como haverá a ameaça direta do presidente às urnas eletrônicas, o pleito será o mais importante desde o fim da ditadura, pois a própria democracia estará em jogo. A campanha será curta e pode ser ter conflitos reais, diferente de todos os processos eleitorais que ocorreram a partir de 1989.
Uma das diferenças fundamentais é que, pela primeira vez, o presidente em exercício pode fracassar na reeleição, mesmo se beneficiando do enorme peso do cargo. Bolsonaro é o mandatário mais fraco a tentar um segundo mandato, e também é aquele que usou a máquina pública de forma mais descarada a seu favor, mudando a Constituição e rasgando a lei eleitoral para distribuir benesses bilionárias a menos de dois meses da votação e se cacifar nas urnas.
“Bolsonaro fala ‘meu Exército’, mas não é dele. Ele foi expulso do Exército por má conduta. Como a gente pode pensar em golpe?” Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente e candidato do PT
A candidatura governista foi lançada na Convenção do PL, no dia 24, quando o presidente perdeu a oportunidade de suavizar a imagem radical visando atingir um eleitorado mais amplo, como queria o próprio comitê. Ao contrário, ele voltou a pregar para os convertidos, mantendo o foco nos evangélicos, nos militares e no agronegócio. O evento aconteceu no Maracanãzinho, no Rio, com a participação do general Braga Netto, o quatro-estrelas escolhido para vice, e sem a presença do general Augusto Heleno (que em 2018 associou o Centrão à ladroagem). Michelle Bolsonaro destacou-se no evento com um apelo às mulheres e aos religiosos e disse que seu marido é “enviado de Deus”. Foi uma presença estratégica. Atrair o eleitorado feminino é um dos maiores problemas do mandatário, pois é o grupo em que sofre maior rejeição.
“O mesmo cara quer voltar à cena do crime. Quis o destino que eu chegasse aqui. Estamos numa guerra” Jair Bolsonaro, presidente e candidato à reeleição pelo PL
e acordo com o QG bolsonarista, o presidente será apresentado na propaganda eleitoral como o “mais cor-de-rosa” da história. A pretensão soa como pensamento mágico, principalmente depois dos escândalos em série de assédio sexual do ex-presidente da Caixa, Pedro Guimarães, um dos nomes mais próximos do mandatário. A primeira-dama é considerada a grande arma da campanha para atingir esse eleitorado, mas resiste a cumprir esse papel. Um dia depois da Convenção no Rio, ela não compareceu a um evento-chave, quando Bolsonaro participou de um almoço com 135 empresárias e executivas no Palácio Tangará, em São Paulo. Frustrou mais uma vez os estrategistas.
Modular o discurso do presidente é o maior problema da sua campanha oficial, que foi encampada pelo PL e é dirigida por Flávio Bolsonaro. A comunicação está a cargo do marqueteiro Duda Lima, que trabalha há mais de uma década com Valdemar Costa Neto. Mas o próprio presidente não tem contato direto com o profissional. A natureza da campanha virou um problema existencial para os bolsonaristas. O presidente, assim como seu filho Carlos (que manda nas redes sociais e não compareceu à Convenção), sonha em reproduzir a anticampanha de 2018, que ocorreu nos subterrâneos da internet e mobilizou adeptos pelo País com um discurso antissistema. Isso é impossível agora, já que Bolsonaro é o próprio dono da máquina pública. Lima tenta emplacar sem sucesso motes como “Sem pandemia, sem corrupção e com Deus no coração, seremos uma grande nação”. Por isso, ele já enfrenta o fogo amigo da ala ideológica e mais radical do bolsonarismo, que ganhou agora o apoio do ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten.
Bolsonaro conta com as benesses eleitoreiras para se recuperar nas pesquisas e investe em um novo Sete de Setembro. Se não melhorar, pode perder o apoio do Centrão
Para atrair os jovens, um dos carros-chefe será a norma que permitiu o abatimento de até 99% das dívidas de estudantes que usaram o Fies. “O governo quase não divulgou a revolução que fez com esse passivo. Foi algo acachapante, que será demonstrado bem na campanha”, sonha o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (PL). Mas Bolsonaro tem um longo caminho a percorrer também nesse segmento. Divulgada na quarta-feira, pesquisa Datafolha aponta que Lula conta com 51% das intenções de votos dos jovens ante 20% do presidente.
Manipulação da fé
Diante das dificuldades eleitorais, o presidente abusa da manipulação da fé e da apropriação de símbolos nacionais, tentando reproduzir o Sete de Setembro do ano passado, turbinando-o com as comemorações do bicentenário da Independência. No Maracanãzinho, ele citou a data conclamando os seguidores a “ir às ruas pela última vez”. A menção pode ter duas interpretações. Insinua que o golpe pode se consumar nesta ocasião (daí seria um blefe) ou reconhece inconscientemente que ele não vencerá o pleito (ato falho). Aliados consideraram que foi apenas um tiro no pé, reproduzindo o erro histórico de Fernando Collor em agosto de 1992. Na época, o ex-presidente convocou apoiadores para saírem às ruas de verde e amarelo defendendo seu governo. A população saiu de preto, o que precipitou o processo de impeachment.
Para a corrida eleitoral, o presidente conta com a maioria dos evangélicos, mas tem dificuldades entre os católicos. Espera contar com os deputados nas bases para melhorar a interlocução no segmento e reforçar a posição contra o aborto. O time conta com o deputado e cantor Eros Biondini (PL), que faz parte da Renovação Carismática Católica e é um dos idealizadores do “Cristo é Show”, um dos principais eventos de música gospel do País. Pode não ser suficiente. A Igreja não poupa críticas ao governo há meses. Recentemente, a CNBB falou em “insanidade” ao prestar condolências à família do petista Marcelo Arruda, que foi assassinado por um bolsonarista, e criticou o elevado número de armas em circulação.
O petismo, no outro extremo, fez sua largada eleitoral reforçando a velha imagem de Lula como pai dos programas sociais, especialmente do Bolsa Família. O ex-presidente não estava presente na Convenção que oficializou sua candidatura no dia 21, a portas fechadas em um hotel no centro de São Paulo. Preferiu viajar para Pernambuco, onde participou de evento com o candidato a governador Danilo Cabral, do PSB, partido que participa da sua coligação. (Cabral foi vaiado e a ex-petista Marília Arraes, concorrendo pelo Solidariedade, foi aplaudida mesmo estando ausente, o que mostra as fissuras que ocorrerão ao longo da campanha pelo País.) Foi uma viagem simbólica. O ex-presidente começou o giro no estado por Garanhuns e visitou em Caetés uma réplica da casa onde morou com a mãe, construída por militantes do PT e por familiares.
O eleitorado feminino prefere Lula. Os ricos tendem a favorecer Bolsonaro. O petista mostra um melhor desempenho entre católicos. Bolsonaro, entre os evangélicos
O grande temor em relação ao pleito são as ameaças recorrentes do presidente ao processo eleitoral, repetidas no dia 24. Por isso, o presidente do TSE, Edson Fachin, voltou a se manifestar contra as tentativas de desacreditar as urnas eletrônicas. “O TSE não está só, a sociedade não tolera o negacionismo eleitoral. O ataque às urnas eletrônicas não induzirá o País a erro”, afirmou. Apesar do apoio do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, que passou a questionar as urnas eletrônicas, a ação bolsonarista não ocorrerá sem reações. Em viagem ao Brasil, o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, reforçou que Joe Biden vai reagir a qualquer tentativa de subverter o resultado das urnas. Disse que nos países da América deve haver “firme controle civil sobre os militares e forças de segurança”. Foi um recado direto a Bolsonaro.
Campanha curta
A campanha acidentada já tem dois momentos-chaves, o Sete de Setembro bolsonarista e a manifestação no 11 de Agosto em defesa da democracia, que promete ser histórico (leia mais à pág. 26). Essas iniciativas indicam que a própria luta pela normalidade democrática pode ofuscar a discussão sobre os problemas do País. Os debates presidenciais, um espaço vital para se conhecer as propostas, podem não ocorrer, já que tanto Lula como Bolsonaro têm evitado marcar o embate público. Isso privaria o País de uma etapa essencial em uma corrida eleitoral que será excepcionalmente curta. A propaganda eleitoral se inicia no dia 16, e o horário eleitoral gratuito, no dia 26. Trinta e sete dias depois, em 2 de outubro, as urnas serão abertas. O País vai decidir o seu futuro em situações conturbadas, e isso não deveria impedir um debate aprofundado. O eleitor merece esse respeito.
O duelo de jingles
Petista repagina o “Lula Lá” com nomes da MPB na campanha, enquanto Bolsonaro apela ao patriotismo com sertanejos
As produções musicais que embalam a pré-campanha dos candidatos ao Palácio do Planalto dão o tom do que eles falarão no corpo a corpo com o eleitorado a partir de 16 de agosto. Lula quer apostar na memória — no que diz respeito aos feitos do governo e, não, em relação aos escândalos de corrupção protagonizados pelo PT. Até então, nos comícios do petista, os telões reproduziam a faixa “Sem medo de ser feliz”, uma versão repaginada do jingle “Lula Lá”, cantada por artistas da cena nacional. Mas o partido já vem trabalhando em novas trilhas sonoras. Agora, um piseiro propaga a “saudade do ex”. “Tinha casa, comida, motinha, charanga, mas depois de você desandou”, diz a letra.
A música de Bolsonaro, em outra ponta, remete ao patriotismo, com o início do hino nacional tocado ao solo de guitarra na parte introdutória, e exalta o presidente com gritos abafados de “mito” ao fundo. O sertanejo o trata como o “capitão do povo” e frisa a ligação do chefe do Planalto com a religião, além de colocá-lo como protagonista de uma luta do bem contra o mal. “Igual a ele nunca existiu. É a salvação do nosso Brasil”. Já o “Pagode do Cirão” busca lembrar a população sobre a chance de eleger um governo diferente por meio da terceira via. “Tá cansado dos mesmos de sempre, de seguir o mesmo giro? Tá na hora de olhar para o Ciro”. Um feminejo de Simone Tebet, por sua vez, faz uma aposta na “esperança” e busca explorar a “força da mulher”.
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