O senador Marcos do Val (Podemos-ES) reconheceu ao Estadão, em espantosa entrevista publicada anteontem, o que todos já estão cansados de saber: que os controladores do orçamento secreto no Congresso usam essa cornucópia de dinheiro público para comprar apoio de colegas parlamentares. O que causa estupefação é a naturalidade com que Do Val admitiu a distribuição de verbas a partir de critérios arbitrários, à margem da lei, em atendimento a interesses estritamente particulares.
“A minha parte seria de R$ 10, 15, 20 (milhões)”, disse o senador do Podemos, como se estivesse falando de tomates na feira. Falava, na verdade, dos R$ 50 milhões em emendas do orçamento secreto que recebeu como “gratidão” por seu apoio a Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na campanha à presidência do Senado, em fevereiro de 2021, conforme declarou o próprio Do Val, candidamente.
O senador do Podemos disse que achou os R$ 50 milhões um valor excessivo para seu Estado, o Espírito Santo. E foi indagar o senador Davi Alcolumbre, então presidente da Casa, sobre o critério utilizado para a distribuição. “Aquele critério que o Rodrigo falou para vocês lá no início”, foi a resposta, segundo Do Val. Em outro trecho da entrevista, o senador diz: “O critério que ele (Rodrigo Pacheco) colocou para mim foi o critério de eu ter apoiado ele (sic) enquanto outros não apoiavam”.
Eis a que ponto se chegou uma legislatura que, em tese, vinha promover a renovação da política e uma nova moralidade no trato da coisa pública. Sem nenhum rubor, um senador admite que o presidente do Senado usou dinheiro público para “agradecer” o apoio recebido na campanha. Nem parece que é verba pública, oriunda do bolso do contribuinte. Nem parece que os recursos são escassos e as necessidades do País, imensas. Nem parece que a lei exige distribuição equânime das emendas entre parlamentares, porque, afinal, todos foram eleitos de forma legítima – os que são amigos do presidente do Senado e os que não são.
O caso é escandaloso por si só. Mas há uma agravante. Tudo isso ocorreu em plena pandemia, com uma dramática situação social e econômica, com famílias sem emprego, com milhões de brasileiros passando fome. Foram destinados R$ 50 milhões por “gratidão” ao apoio na eleição da presidência da Casa. “Eu achei até muito para eu encaminhar para o Estado (do Espírito Santo)”, disse o próprio representante do Estado, deixando claro que os critérios não eram técnicos, mas exclusivamente políticos.
Essa absurda e disfuncional distribuição de recursos públicos é parte do esquema revelado pelo Estadão que ficou conhecido como “orçamento secreto”: vultosas verbas destinadas, sem nenhuma transparência ou controle, para que os caciques do Senado e da Câmara solidifiquem seu poder. O Supremo Tribunal Federal já disse que essa dinâmica de uso do dinheiro público é inconstitucional. No entanto, Marcos do Val admite abertamente, referindo-se aos R$ 50 milhões: “É o valor que todo mundo dizia que é o tal do orçamento secreto, da compra de votos”.
A fala do senador do Podemos remete à naturalidade com que o presidente Jair Bolsonaro sempre trata das emendas de relator. Em abril deste ano, Jair Bolsonaro disse, também candidamente, que o pagamento de emendas parlamentares por meio do orçamento secreto era um meio para “acalmar” o Congresso. São as novas finalidades que o bolsonarismo e aliados atribuem, sem cerimônia, ao dinheiro público: “acalmar” e “agradecer”. As palavras suaves desvelam uma realidade indecente e ilegal: o público converte-se em privado, em um processo similar ao que se observa nas rachadinhas. A diferença é que, no orçamento secreto, os valores são imensamente maiores.
As presidências da República e das Casas Legislativas, concertadas, transformaram o Orçamento em butim a ser repartido entre aqueles que são da patota ou que, mesmo oficialmente não sendo, fazem vista grossa e aproveitam para tirar sua lasquinha. Sem oposição decente, não admira que gente como Marcos do Val se sinta tão à vontade.
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