terça-feira, 12 de julho de 2022

CONTRA BOLSONARO E SEUS SEGUIDORES HIDRÓFOBOS, PRECISAMOS IR ÀS RUAS

Marcelo Coelho, Folha de S.Paulo

Vai ter golpe? Não vai ter golpe? Como saber? O problema da pergunta, infelizmente, é que pensamos no assunto como se tudo fosse uma previsão do tempo: vai chover? Vai fazer sol?

Ou seja, é como se não tivéssemos nenhuma influência sobre o futuro. Fica-se num estado de passividade com relação ao que pretenda meia dúzia de generais pré-históricos, ao que planejem o presidente Bolsonaro e os gângsteres que o rodeiam. "Ah, não, os Estados Unidos não vão deixar..." E nós, vamos ou não vamos deixar? "Ah, os militares na verdade não querem..." E nós, queremos ou não queremos?

Acho que nem Bolsonaro, a esta altura, sabe se vai dar golpe ou não. Ele avisa e desavisa, ameaça e recua. A razão é óbvia: não tem certeza de qual a capacidade que temos para reagir ao que ele pretende.

Andei lendo um livro antigo, chamado "A Queda da França - O Colapso da Terceira República", do americano William L. Shirer, que conta como os franceses foram vergonhosamente derrotados pelas tropas de Hitler em 1940.

Simplesmente a população e os políticos democráticos se recusavam, em sua maioria, a levar a sério o ditador alemão. Depois da Primeira Guerra, os países vitoriosos impuseram aos alemães a desmilitarização da Renânia, região fundamental para a fabricação de um novo arsenal germânico.

Num belo dia de março de 1936, Hitler resolveu invadir aquilo, rompendo os tratados de paz que seu país tinha assinado. Os franceses e os ingleses fecharam os olhos.

Os ingleses disseram: "Se a França não está disposta a fazer nada, não seremos nós que vamos nos meter". Quanto aos franceses, pesou o imenso corpo mole dos militares, que se diziam incapazes de impedir o avanço de Hitler sobre a região.

Acontece que as forças alemãs eram pequenas naquele momento. O próprio ditador admitiria, mais tarde, que aquele foi seu ato mais arriscado e que nunca passara por dias tão tensos; para seu alívio, a França engoliu a agressão.

Os argumentos dos militares franceses eram ridículos. "Nosso espírito é puramente defensivo. Para impedir que Hitler entre na Renânia, teríamos de invadir a Alemanha... E isso seria um ato de ataque!" Resultado, Hitler reconstruiu seu poder militar como bem quis.

Voltando ao Brasil. Para alguns, falar muito em ameaça de golpe termina ajudando Bolsonaro; o melhor é ignorar suas declarações, seguir em frente e torcer para sua derrota no primeiro turno.

Joe Biden, quando candidato em 2020, mostrou-se tranquilo. Donald Trump falava, já na campanha, que não aceitaria um resultado eleitoral desfavorável. "Sabe o que vai acontecer?", perguntou Biden. O candidato vitorioso vai tomar posse, o perdedor irá para casa. Não foi bem assim.

"Não quero um novo Capitólio", disse Bolsonaro outro dia. Trump também se defende. Diz que não deu ordens diretas para seus malucos invadirem o Congresso.

O presidente diz não querer um novo Capitólio, mas seus militantes já investiram a sério contra a sede do Supremo Tribunal. No último Sete de Setembro, foi por um triz.

"Sabemos o que fazer antes da eleição", continuou Bolsonaro em sua live. Nós, os democratas, aparentemente sabemos menos o que fazer.

Para esses trogloditas, há muitas maneiras de melar o jogo, mesmo sem tanques surgindo na rua um dia depois de divulgado o resultado eleitoral.

Episódios como o do atirador bolsonarista de Foz do Iguaçu podem se repetir. As bombas caseiras contra lulistas podem ser aperfeiçoadas. Um falso ataque em comício bolsonarista não é difícil de arranjar. E logo surgirá o coro dos que condenam "a polarização" e apontam erros "dos dois lados".

Não sou de acreditar em teorias da conspiração. Mas não há como pensar seriamente nisso, quando há conspiradores agindo alegremente.

Há golpes e golpes. Soltam-se as rédeas dos malucos, torna-se impossível qualquer comício, impõe-se um clima de medo e se solicita ao Congresso um estado de emergência ou coisa assim, adiando as eleições... E ai do STF se, sozinho, se insurgir contra isso.

Contra 1 milhão de hidrófobos e alucinados apoiando Bolsonaro nas ruas, os índices das pesquisas de opinião pesam pouco. Há muitos outros milhões de brasileiros que não sofrem de alucinação nem hidrofobia. É hora de irmos às ruas também.

Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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