Faz ano e meio, várias instituições dos Estados Unidos procuram estabelecer a responsabilidade pela invasão do Capitólio, o prédio onde se reúnem deputados e senadores. O Congresso ora tenta determinar se também Donald Trump incitou a revolta assassina contra o resultado da eleição de 2020.
Apesar da nossa história de golpes, terrorismo de Estado e de violência em geral, desde fins da ditadura militar ou, pelo menos, depois da Constituição de 1988, não tivemos ameaça de motim político, subversão armada, revolta violenta contra a democracia.
Desde 2019, ocupa o cargo de presidente um homem que tem em sua ficha corrida a defesa do genocídio, da guerra civil, da ditadura militar e da tortura. No cargo, disse reiteradas vezes que poderia cancelar eleições e que desobedeceria a decisões do Supremo Tribunal Federal.
Na quinta-feira da semana passada, 7 de julho, esse homem ocupou 25 dos 45 minutos de sua apresentação semanal, de sua "live", para atacar as urnas eletrônicas, o resultado das eleições de 2014, 2018 e 2020 e ministros do Supremo no Tribunal Superior Eleitoral.
Pouco depois do começo da sua arenga na "live", disse o seguinte: "Você sabe o que está em jogo. Você sabe como deve se preparar não para um novo Capitólio, ninguém quer invadir nada, mas nós sabemos o que temos de fazer antes das eleições". Jair Bolsonaro disse ainda que não precisaria "concluir" o que estaria na "cabeça de cada um de nós e na minha também". Como disse o ministro da Defesa, "eleição é questão de segurança nacional".
Na mensagem críptica, pode caber o que houver "na cabeça de cada um de nós" (ou deles), das pessoas mais politicamente perversas às mais apenas mentalmente perturbadas. Não deve haver preparação "para um novo Capitólio", mas o paralelismo é evidente: qual a preparação alternativa?
Essa é mensagem de quem afirma de modo reiterado que "um povo armado não será escravizado", uma evidente declaração de desconfiança na ordem democrática ou também de subversão, enfim, de menosprezo pela ideia de monopólio do uso legal da força por autoridades da República.
Trata-se de um homem que já elogiou milicianos. Que diz em público, como se nada tivesse a ver com o assunto (um irresponsável), que certos territórios estão sob controle do crime e que ninguém por lá deve se aventurar, como o fizeram Dom Phillips e Bruno Pereira.
Trata-se do governo de um indivíduo que incentiva o desmonte e a desmoralização das instituições. A invasão e a destruição da floresta ganharam impulso com a ruína de Ibama e Funai. Um bandido que se diz empresário, associado ao garimpo criminoso, fica assim à vontade de mandar incendiar helicópteros do Ibama, como em janeiro de 2022. Outros financiam comícios golpistas.
Se o Inpe relata a destruição ampliada da Amazônia, demite-se o presidente do Inpe. Se a destruição do MEC é muito escandalosa, trocam-se os ministros a fim de abafar o escândalo. Se a Petrobras ou a Polícia Federal não obedecem, razia na direção. Se a Saúde quer gerir a epidemia de modo racional, controle militar. Se a reeleição está difícil, para o lixo com as leis do gasto público. Nada está seguro.
Da defesa da guerra civil, generalizada ou molecular, à promessa de golpe, o projeto é de destruição, sob ameaça quase explícita de tiro ou bomba. Por ora, vimos apenas ação individual, o indivíduo "cristão", "pró-armas", "contra o aborto" que mata o petista, "aqui é Bolsonaro".
Agora, só falta a organização para o terror, como um atentado do Riocentro, um motim militar, como Jacareacanga ou Aragarças (anos 1950), uma malta açulada. Como Trump, Bolsonaro pode não ter nada a ver com isso.
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