É diretor regional da Fundação Ford no Brasil. Mestre em ciência política pelo IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e bacharel em História pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ex-diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil e membro do conselho diretor do GIFE.
A definição, no calendário das Nações Unidas, do 18 de julho como Dia Internacional Nelson Mandela, convida a uma reflexão mais do que atual sobre o lugar e o papel de lideranças políticas para o destino da humanidade.
A trajetória do principal líder sul-africano, símbolo da luta contra o apartheid, o regime de segregação racial, é uma inspiração permanente para todos que buscam exemplos de pessoas que fizeram a diferença no seu tempo e deixaram uma marca permanente no mundo.
Nelson Mandela ficou encarcerado por 27 anos nas prisões do regime do apartheid, submetido a trabalhos forçados e isolamento durante boa parte desse período, e ainda assim conseguiu fazer desse tempo uma etapa de crescimento e amadurecimento político.
A leitura de suas cartas escritas ao longo dessas décadas é uma experiência comovente e reveladora. Mostra um líder determinado a não se deixar embrutecer, nem se perder de suas convicções e sonhos, mesmo em condições de contínuas privações e renovados castigos.
Na prisão continuou a estudar, aprofundou seus conhecimentos em história africana e direito internacional, mergulhou na cultura das elites brancas da África do Sul. Aprendeu a falar o afrikaner, idioma dos colonos brancos, para melhor se comunicar com essa população, a começar pelos carcereiros responsáveis por sua vigilância na prisão.
Liderou as negociações que levaram ao fim do regime de apartheid e às primeiras eleições livres com plena participação da população negra, sendo eleito o primeiro presidente negro da África do Sul, em 1994.
Mandela se tornou o principal porta-voz do esforço de reconciliação, sem perder o foco da necessidade de resgate e confronto da memória dos crimes cometidos pelo regime do apartheid. Foi sob a sua Presidência que se iniciaram os trabalhos da Comissão da Verdade e Reconciliação, que expôs ao mundo a dimensão da brutalidade do regime a partir do testemunho de sobreviventes e perpetradores.
Vivemos, atualmente, uma crise global de governança em meio a qual as lideranças de plantão claramente não estão à altura dos desafios para a necessária reconstrução institucional. Os governos e as instituições enfrentam uma profunda crise de legitimidade e representação.
As pessoas não se reconhecem naqueles que supostamente deveriam ser os seus representantes, responsáveis pela mediação dos conflitos e acomodação de interesses divergentes em acordos políticos que atendam ao bem comum.
O mundo se tornou um lugar ainda mais perigoso e instável. A guerra na Ucrânia e as ameaças autoritárias que se fortalecem mundo afora são alguns dos sinais de que temos muito o que aprender com Nelson Mandela.
A história e o exemplo de Madiba, como era carinhosamente chamado por seus conterrâneos, o colocam, sem dúvida, no lugar de um líder extraordinário em tempos extraordinários, fonte de inspiração para todos os que acreditam na capacidade da política e do diálogo entre diferentes como alicerces para processos sociais capazes de avançar na conquista da igualdade e da democracia.
Esquecer nunca foi uma opção para Mandela; memória e atribuição de responsabilidade são passos necessários para alcançar algo parecido com justiça. Uma lição importante diante de tudo o que estamos vivendo no Brasil.
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