Como aposentado, divido meu tempo entre poucas e objetivas leituras, resenhas -de preferência, para ganho de tempo e visão mais ampla (ou menos incompleta); muitos programas e filmes na TV, incluindo, pasme a turma das milícias morais e estéticas, ID e UFC, esportes em geral, séries nunca, pois intermináveis. Momentos de culinária e vinhos, amigos a cada dois dias, e filhos, quando disponíveis.
Venho substituindo a racionalização das racionalidades adquiridas na academia e na política ao longo do tempo, por uma tentativa de compreender. Nada fácil diante dos cacoetes e catatonias recorrentes.
Compreender, na medida do possível, pela via da percepção do senso comum. Sem os substratos industriais do pensamento, ou baboseiras de conceitos senão inválidos ou mesmo fraudulentos, ao menos desbotados em quase dois séculos e meio de modernidade.
A academia por regra já não existe, exceção de alguns nichos e centros nos quais a pesquisa interage com o social. A regra é a pesquisa autopoeticamente burocrática, corporativa, distante das demandas sociais mais prementes.
A política revelou-se um aperfeiçoamento de um prostíbulo ou bazar de particularismos venais. Por certo, sempre haverá o típico Pangloss da vez. Eles são importantes e penso em Eduardo Suplicy do PT, comparado com a organicidade estéril de Márcia Tiburi. Ademais, contemplar somente ajuda a reproduzir o absurdo. E agir reparando danos, concretamente, já é algo revolucionário.
Não abdico da razão, da racionalidade e da racionalização, até porque são categorias do pensamento já hipertrofiadas que povoam o cotidiano dos intelectuais e de parcelas sociais beneficiadas com as suas conquistas ao custo da Lex mercatoria e legitimação dos Senhores. Políticas integrativas são migalhas necessárias, até que outro modo de vida exista.
Uma prioridade possível agora é egoisticamente uma ação no plano reflexivo, ou ensaio de resistência diante do embotamento das intermediações típico do fim de uma longa e dolorosa promessa de belle époque, plena de paz e desenvolvimento.
Algo para certa militância consciente do perigo em separar práxis e teoria… para pensar crescimento social ou afirmação do que importa, o reconhecimento de indivíduos na riqueza da diferença. Indivíduos maduros éticamente na universalidade da aldeia global e nas vivências de moralidade de seus povos comunitários.
Essa busca interpela sobre outras conexões entre vanguardas e representados. Sobretudo, exige algum entendimento sobre as desconexões entre ideias e consciências de indivíduos. Sem entendê-las teremos mais uma desintermediação preocupante, entre política e mundo real, onde aqueles seres humanos se situam (nos graus mais baixos da pirâmide social). Eles não conhecem marxismo mais sentem no corpo e n’alma as consequências da desordem social.
A relação entre líderes, seja Lula ou Bolsonaro coloca o desafio de ultrapassar análises causais e intencionais e repensar o que passa “lá embaixo” naquele Brasil profundo cujo cotidiano, se é alienação, é também o seu contrário, mesmo se um tanto inclassificável nas visões cartesianas e metamorfoseados no avesso das suas elites.
Sim, reconheço. É um desesperado ato no sentido de manter no imediato a memória contra a Memória, a razão contra a Razão, o coração contra o que no cérebro se colonizou no campo do aparato psíquico em face da regressão. No mediato o desespero poderá parir novas trilhas para novas transformações.
Enquanto amigos legitimamente escolhem seus exércitos e apostam no lado certo da história eu me indago sobre a parte da história podre que nos pertence. Questiono-me sobre a gênese das derrotas e sobre os esperados triunfos sobre o mal. Sem essa “autoconsciência” partilhada o eterno retorno sempre cobrará multasce juros.
No caso da vitória sobre a besta, um mal que não sendo senão dos outros promete se erguer mais forte dentro de nós no exato momento do exercício do poder. Migalhas atualizam em tempo midiático o pão e circo.
No caso da derrota diante do demônio, a eterna sentença de Sísifo como horizonte dos que em nome do progresso carregam nas mentes as correntes do arcaico transmutado na revolução.
Estarei louco? Com certeza, mas acompanhado de outros tipos de enlouquecidos que, modestamente, se julgam os Simões Bacamartes do século XXI, depositando a utopia libertário-emancipatória nas mãos de falsos moedeiros.
Em tempos de lobos solitários não é de todo ruim alguns loucos solitários.
Pronto. Falei.
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