Em campanha permanente à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro decidiu abrir um cofre que não é dele para comprar votos. Não há limites – nem legais nem morais – quando se trata de distribuir benefícios para taxistas e caminhoneiros e caraminguás para pobres. Mas, quando se trata de prejudicar aqueles que o bolsonarismo considera como “inimigos”, eis que Bolsonaro subitamente invoca impedimentos constitucionais e fiscais. Para justificar o veto a duas propostas que garantiam recursos para o setor cultural – considerado pelos bolsonaristas um valhacouto de comunistas –, o presidente usou o descarado argumento de que devia respeito a dispositivos que o próprio governo desmoraliza quando lhe é conveniente, como o teto de gastos, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
A Lei Aldir Blanc 2, uma homenagem ao compositor que morreu em decorrência da covid-19, previa repasses de R$ 3 bilhões para Estados e municípios apoiarem atividades culturais nos próximos cinco anos. Já a Lei Paulo Gustavo, tributo ao ator também vítima do novo coronavírus, autorizava transferências de R$ 3,86 bilhões a Estados e municípios para o fomento do setor audiovisual neste ano. Não satisfeito em desmontar as bases da Lei Rouanet, único marco de incentivo à cultura no País, Bolsonaro nem sequer se propôs a avaliar o conteúdo das duas propostas legislativas recém-aprovadas. Imbuído do espírito de revanchismo que marca todas as suas ações, preferiu impor o veto integral.
Se a pandemia afetou profundamente as cadeias produtivas no mundo todo, não há dúvidas de que o setor cultural foi um dos mais prejudicados. Shows, concertos, espetáculos, festivais, festas populares, mostras e exposições foram suspensos por quase dois anos; salas de cinema ficaram às moscas e a produção cinematográfica foi paralisada. O avanço da ciência garantiu a redução no número de casos e óbitos associados à covid-19, de modo que incentivar a reabertura das atividades culturais seria prioridade para qualquer governo – menos, é claro, para a administração Bolsonaro.
Na disputa ideológica deflagrada pelo presidente, cultura não passa de futilidade e irrelevância, quando não instrumento de propagação do discurso da esquerda. A sanha bolsonarista não poupa nem mesmo um legado de décadas, reconhecido no exterior e que representa a verdadeira expressão da identidade nacional. Não importa se investimentos estruturais no setor cultural são capazes de mudar o rumo de uma nação nem que ele ofereça oportunidades a parcelas da população tradicionalmente excluídas.
Felizmente, ao derrubar os vetos presidenciais às duas leis, o Congresso Nacional, ultimamente indiferente aos interesses nacionais, atuou como barreira institucional e demonstrou um raro senso de prioridade, dignidade e respeito com o futuro do País. Afinal, o Executivo provou ter dinheiro para, literalmente, comprar votos com programas improvisados, sem qualquer preocupação com seu custo e resultados efetivos. Deve, portanto, dispor de recursos mais do que suficientes para resgatar um setor punido por se negar a bater palmas para o desastre.
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