domingo, 30 de julho de 2023

A CELEUMA E O DEBATE REAL

Míriam Leitão, O Globo

Economia é como cristal, mesmo que seja uma ingerência sutil, pode levar à quebra de confiança

Eles se definem como desenvolvimentistas, mas suas ideias, quando aplicadas, levaram o país a uma queda de 3,5% do PIB em 2015, inflação de dois dígitos, enorme prejuízo na Petrobras, quebra do setor elétrico e juros de 14,25%. Era esse o quadro ao final do governo Dilma.

Eles se definem como liberais, mas abriram os cofres públicos por razões eleitoreiras, atropelaram a governança da Petrobras, derrubando quatro presidentes, e não pagaram dívidas judiciais vencidas, deixando uma bola de neve que ainda ameaça o Brasil. Esse era o quadro ao final do governo Bolsonaro.

O debate que reavivou essa semana não é sobre correntes econômico-ideológicas, mas sobre estar atualizado em economia e ser eficiente na política econômica. A celeuma estourou no mesmo dia em que as manchetes dos jornais on-line davam a melhora da nota de crédito do Brasil.

A boa notícia cedeu espaço aos sinais visíveis de que a ministra do Planejamento foi atropelada em cena pública pelo Palácio do Planalto.

É importante entender os bastidores desse evento da semana passada. O economista Marcio Pochmann foi nomeado para o IBGE sem que sua chefe imediata, no caso a ministra Simone Tebet, tenha sido informada previamente. A sequência de eventos revela a forma como uma ala do PT age para ocupar espaços, atropelando aliados. Isso pode atrapalhar o governo Lula.

Nos dias anteriores ao anúncio, ministros palacianos falaram com Tebet, de maneira informal e ligeira, que o presidente tinha um nome para o IBGE. Não havia uma proposta do Planejamento, que pretendia tratar do assunto depois de agosto.

Na reunião entre o presidente Lula, Simone Tebet e o ministro Rui Costa, da Casa Civil, na segunda-feira, ela disse a Lula que sabia que ele tinha um nome para o IBGE. Mas Lula não aproveitou a deixa para falar, até porque havia muitos assuntos na mesa e eles passaram a tratar dos outros temas.

A partir daí passou a circular a notícia de que Lula teria dito à ministra o nome de Marcio Pochmann. Na quarta-feira, no fim do dia, o ministro Paulo Pimenta comunicou oficialmente a nomeação de Pochmann, sem ter tido qualquer conversa com Simone Tebet e sem que ele tenha a incumbência de anunciar nomes de pessoas escolhidas para cargos em qualquer ministério. Foi tudo feito no estilo rolo compressor para gerar fato consumado.

Ao ouvir o comunicado, Simone Tebet ligou para o ministro Alexandre Padilha e perguntou se era verdade. Reafirmou que nunca fora comunicada. Ligou depois para Rui Costa para lembrar a ele que nenhum nome fora pronunciado na reunião. Pimenta ligou para Tebet para se desculpar. Lula ligou para Pimenta para criticar o ruído que ele provocara.

Enfim, o que é isso? Desgaste desnecessário com a ministra de um partido que apoiou o presidente no segundo turno, no momento em que o presidente tenta atrair para a base dois partidos que estiveram com Bolsonaro, o PP e o Republicanos. Enfim, o momento é de agregar mais apoio e não atirar contra aliados.

Qualquer erro que o economista Marcio Pochmann cometa agora no IBGE cairá no colo do presidente Lula. De certa forma, isso é uma espécie de proteção. No Ipea, Pochmann quis eliminar qualquer crítica e promover estudos que justificassem o governo. Se ele quiser fazer a mesma coisa com os números do IBGE, terá dificuldades. Mas há riscos de interferência.

Economia é como cristal, mesmo que seja uma ingerência sutil, pode levar à quebra de confiança. Se há uma percepção de dados inconfiáveis, como houve nos números das contas públicas no período Guido Mantega-Arno Augustin, isso se reflete imediatamente no desempenho da economia, com a piora das expectativas.

O governo Lula nesses primeiros sete meses acertou muito na economia. Com o ministro Fernando Haddad, a economia passou a ter balizas fiscais — o teto de gastos havia sido desmoralizado na gestão anterior — e o déficit caiu de 2,3% do PIB para 1,2%, com a promessa de zerar no ano que vem. Caíram inflação, dólar, desemprego. Seu diálogo com o Congresso permitiu a aprovação, na Câmara, da Reforma Tributária.

O ministro está no comando da economia e até agora venceu as pressões em contrário. Ele tem tido uma sintonia admirável com a ministra do Planejamento. O que Haddad está fazendo não é desenvolvimentismo, nem liberalismo, é boa condução da política econômica. Como deve ser.

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