Roberto Godoy, maior repórter especialista em assuntos de
Defesa, morre aos 75 anos, em Campinas
Jornalista tratava um câncer com apoio da família e sem
perder a coragem, a lucidez, o bom humor e o otimismo
O jornalista Roberto Godoy, considerado o maior repórter de
segurança, armas e guerras do Brasil, contrastava com o tema que se
especializou: era uma pessoa de paz e de uma imensa candura. Na redação
do Estadão, circulava com a mesma desenvoltura e simpatia pelas
salas dos diretores ou pelas mesas dos “focas”, os jornalistas em início de
carreira que passam pelo curso de treinamento do jornal.
Por anos, no trajeto diário para o trabalho, ao volante,
entre Campinas, onde morava, e São Paulo (e vice-versa), dispensava a tag de
cobrança automática do pedágio pelo simples prazer de parar na cabine e bater
papo com o solitário cobrador em serviço. Sabia o nome de vários deles e
contava suas histórias.
O maior especialista em assuntos de Defesa da imprensa
brasileira morreu nesta sexta-feira, 29 de março, aos 75 anos, em Campinas, de
parada cardíaca. Godoy tratava um câncer e, nos últimos meses, lutou contra a
doença com apoio da família e sem perder a coragem, a lucidez, o bom humor e o
otimismo. Marcas que sempre o acompanharam. Ele deixa os filhos André, Roberta
e Mariana, e os netos João, Alícia e Miguel.
O enterro será neste sábado, 30, às 11:30, no cemitério
Parque das Aléias, no bairro das Palmeiras, em Campinas.
Godoy foi um dos mais premiados jornalistas de sua geração.
Nasceu em Campinas em 18 de janeiro de 1949 e começou a trabalhar cedo no
Correio Popular, jornal da família na cidade, do qual seus pais eram sócios
minoritários. Começou a acumular prêmios desde muito jovem. Ganhou em sequência
três prêmios jornalísticos do Centro das Indústrias (Ciesp Campinas). No final
de 1971 vence o principal prêmio do jornalismo brasileiro, o Esso, com a
reportagem “O micro-laser vai mudar tudo nas telecomunicações”,
publicada no Estadão assinada com o nome completo Roberto
de Godoy Marques Filho. Era o tempo da censura de imprensa decretada pelo AI-5
anos antes e na entrega do prêmio afirmaria: “A liberdade de imprensa é, ainda,
o maior dos prêmios que o jornalista pode ganhar”.
Foi contratado pelo Estadão como chefe da
Sucursal de Campinas. Numa época em que assinatura do autor de um texto era
rara, o nome Roberto Godoy aparecia com frequência em várias páginas do jornal,
com reportagens de destaque. Muitas tratavam de avanços tecnológicos em diversas
áreas: medicina, agricultura, energia, comunicação. “Esalq vai usar energia
nuclear no agro”; “Laser, revolução na comunicação”; “ITA faz coração
artificial”; “Unicamp terá centro de engenharia genética”; “Geisel vê o Xingu
da Embraer”; “Vai nascer o primeiro brasileiro de proveta”, que lhe daria
importante prêmio. Pelas manchetes é possível perceber o faro de Godoy para
encontrar notícias verdadeiramente importantes. Mas não descuidava de contar
histórias de sua região, que começava a crescer alucinadamente na década de 70.
Muitas reportagens tratavam desta expansão, mas outras contavam histórias do
interior ainda rural, como na premiada série intitulada “A Região Bragantina
Estagnada”. Seu texto claro, bem construído e cheio de informações convidava à
leitura.
Mas foi no final da década de 70 que, para além de um
repórter brilhante e premiado, começaria a carreira de um dos maiores
repórteres de segurança, armas e guerras do Brasil e do mundo. Numa entrevista
para a Revista Imprensa de junho de 2012, Godoy contou que esta história
começou graças ao então editor-chefe do jornal, Miguel Jorge (que anos mais
tarde seria executivo da indústria automobilística e ministro de Lula). Seu
chefe pediu para ele dar uma fuçada na indústria de segurança brasileira,
escondida debaixo das burocracias e censuras militares. Descobriu que a área
era cheia de notícias e um trabalho de muita competência lhe abriu as portas
para chefes militares, executivos da indústria de armas e aviões. Tornou-se a
referência de informação destes setores. “Não basta ser competente, tem de ter
sorte”, disse à revista, lembrando a missão dada por Miguel Jorge, que lhe
abriu ainda mais portas para um futuro brilhante no jornalismo. “Ao contrário
do que se imagina, eu não tenho coleção de maquetes, de blindados, nada disso.
Nunca tive. O assunto nunca foi meu hobby, mas é fascinante”.
“Sua importância ao tratar de nossa agenda militar nos fez,
ainda mais, reconhecidos. Assim, seu papel foi fundamental nesta vertente do
jornalismo, onde cada notícia veiculada era fundamental para esclarecer o real
papel de nossas Forças”, disse o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno,
nesta sexta-feira, 29, ao saber da morte. “Perdemos um grande profissional
e um correto cidadão. Perdi uma referência de nossa imprensa especializada.”
O comandante do Exército, general Tomás Paiva, lamentou a
morte do jornalista. “Destacado conhecedor de temas militares, contribuiu
sobremaneira para a divulgação do trabalho do Exército Brasileiro, assim como
com a Defesa de nosso País, em debates, matérias e coberturas”, afirmou.
Em nota de pesar, a Marinha brasileira reconheceu a
“singular trajetória” de Godoy. “O Brasil sofreu, hoje, a irreparável perda do
jornalista Roberto Godoy, profissional de reconhecida competência”, diz o
texto. “Divulgou com seriedade e isenção temas relacionados à área militar,
cumprindo o relevante papel de esclarecer a sociedade brasileira sobre a
importância de assuntos afetos à defesa do País.”
Na década de 80, Godoy espalhou notícias sobre a crescente
indústria de armas, da Embraer, do setor de tecnologia e da Esalq/Embrapa no
agro. Eram dele os maiores furos (nome que no jargão jornalístico significa a
notícia em primeira mão) nestas áreas.
Na década de 90, deixa o Grupo Estado para
voltar a dirigir o Correio Popular de Campinas. Torna a colaborar com o Estadão em
1999 e em 2000 estava de volta ao corpo da redação do jornal da Capital.
Voltava para praticar o ofício que fez questão de espalhar, seja como repórter
e chefe no Correio Popular, chefe da Sucursal de Campinas e editor na Agência
Estado e, mais tarde, como um repórter especial de várias áreas do Estadão.
Participou das coberturas, de modo remoto, de todas as guerras pelo mundo a
partir dos anos 80: revoluções na América Central, Guerra das Malvinas, Guerra
no Golfo, conflitos no Oriente Médio, na antiga União Soviética, etc. O último
texto dele para o Estadão foi uma análise da ameaça do ditador Nicolás Maduro de
entrar em guerra com a Guiana pelo vale do Essequibo.
Sempre procurou se atualizar sobre os assuntos que escrevia
e tinha muito boas fontes. Uma delas lhe disse em meados de 2007 que em breve o
barril de petróleo estaria custando US$ 100 dólares, cerca de 4 vezes mais que
o preço na época. No dia seguinte, Ruy Mesquita, o diretor de Opinião do Estadão,
chamou em sua sala o editor da matéria e passou-lhe uma carraspana por ter
publicada a entrevista. Jamais o preço do petróleo chegaria naquele preço,
argumentava, para que publicar tal informação. Em janeiro de 2008 o preço do
barril do petróleo superou pela primeira vez na história os US$ 100. Mesquita
chamou à sua sala Godoy e o editor. Fez um discretíssimo elogio ao repórter e
um pedido de desculpas quase inaudível ao editor. Era um feito, que fez ambos
comemorar assim que saíram da sala da direção do Estadão.
Quando os jornais tiveram de se adaptar à era digital, Godoy
não se intimidou com a necessidade de buscar outros meios de divulgar
informações. Foi um dos primeiros astros da TV Estadão. Não só
levando no novo canal do tradicional jornal suas informações sobre defesa,
armas e guerras, mas comandando programas de entrevistas em diversos assuntos.
Também atuou em vários programas da Rádio Eldorado, do Grupo Estado.
Entre eles, o “Conexão” e o “De Olho no Mundo”. Atualmente, fazia uma
participação semanal, no “Estado de Alerta com Roberto Godoy”, que estreou em
outubro de 2021.
A última edição do comentário na Eldorado foi um dia antes
de sua morte. Em conversa com o âncora Haissen Abaki, falou sobre o interesse
do ditador venezuelano Nicolás Maduro pelo Essequibo, na Guiana, e o lançamento
do submarino Tonelero (S-24) feito pelos presidentes Lula e Emanuel Macron.
Ele sempre foi, e em tempo integral, repórter. Do tipo que
trabalhava diariamente de camisa branca, gravata e suspensórios. E se orgulhava
disso. Todos os assuntos o entusiasmavam e viravam pauta, do alviverde Guarani
aos automóveis possantes, outras duas paixões. O talento era o mesmo tanto no
texto para o impresso, que fluía elegante e correto, como para falar na rádio e
na TV.
Roberto Godoy era um homem religioso e apaixonado pela vida
e pelo trabalho. Essa brilhante história profissional e de vida teve seu
capítulo final numa Sexta-Feira da Paixão, e a dois dias dos 60 anos do 31 de
março de 1964. Isso, para ele, não é um acaso.
O enterro do jornalista será às 11h30 deste sábado, 30, no
cemitério Parque das Aléias, no bairro das Palmeiras, em Campinas (SP).
Nenhum comentário:
Postar um comentário