terça-feira, 25 de junho de 2024

SINAIS PARA O FUTURO

Merval Pereira, O Globo

Lula parece ter compreendido que precisa dos órfãos do PSDB, de centro-esquerda, para combater a direita

O presidente Lula — que passou os últimos anos tentando jogar o PSDB e o ex-presidente Fernando Henrique para a direita como parte de uma estratégia política que visava a isolar seu principal rival partidário — foi ontem visitá-lo em São Paulo, no mesmo roteiro que o levou a Noam Chomsky e ao escritor Raduan Nassar, dois próceres da esquerda. Pelo menos no momento em que se comemoram os 30 anos do Plano Real, que na origem o PT chamou de “estelionato eleitoral”, Lula parece ter compreendido que precisa dos órfãos do PSDB, de centro-esquerda, para combater a direita.

A direita, a reboque de seus extremistas, absorveu quase integralmente os eleitores tucanos num primeiro movimento de rejeição ao petismo, que desaguou na eleição de Bolsonaro em 2018. Depois do desastre que foi seu governo, parte desses tucanos votou no PT, uns pela primeira vez na vida cívica, para tentar recuperar a força da social-democracia. O terceiro governo de Lula, no entanto, não tem dado a esses eleitores, e não apenas a eles, a expectativa de um futuro melhor, mesmo que o clima político tenha amenizado.

O que era um objetivo na eleição de 2022, voltar à normalidade, transformou-se em decepção, pois o governo petista, se não age como um governo autoritário de esquerda, tem uma visão de capitalismo que se aproxima mais dos governos autocratas, não perdeu o hábito de interferir nas empresas, mesmo que não sejam estatais, como Petrobras e Vale, aparelha o Estado de maneira desabrida, tenta interferir nas ações do Banco Central independente, considera que o Estado é indutor do crescimento econômico e, por isso, critica as privatizações, quando não tenta desfazê-las.

Há também sinais de que o combate à corrupção deixou de ser prioridade, tendência que se iniciou com Bolsonaro e prossegue no terceiro mandato de Lula. Maior exemplo é a “coincidência” de os irmãos Batista terem entrado no negócio de energia no Amazonas dias antes de o governo editar uma Medida Provisória beneficiando justamente o setor. O aparelhamento do Estado, que sempre foi política petista, foi também usado pelo bolsonarismo. A cada governo, se formos nessa batida, a máquina estatal é revisada, e isso impede que tenha a eficiência necessária. A meritocracia deu lugar à fisiologia, e a produtividade do serviço público continua decaindo.

A política externa brasileira, tendenciosa à esquerda e com inexplicável comportamento antiocidental, é o maior sinal de esquerdismo petista que assusta parte do eleitorado, como se fosse indicativo de uma postura futura desejada. A aproximação com Fernando Henrique pode ser uma mensagem de que Lula entendeu suas limitações diante um eleitorado de centro-esquerda que rejeita o autoritarismo. Foi por isso que conseguiu derrotar Bolsonaro em 2022. Precisará ajustar sua bússola para 2026.

As eleições municipais deste ano serão um bom termômetro para o futuro do país, especialmente porque a direita brasileira, como acontece, aliás, no resto do mundo, está a reboque dos extremistas. O presidente da Câmara, Arthur Lira, surpreendeu-se com a reação da opinião pública contra os projetos extremistas que tentou aprovar e parece tender a esquecê-los.

O extremismo pode ser um tiro no pé, como a imposição de Bolsonaro na escolha de um ex-PM para vice do prefeito Ricardo Nunes, um político sem sinais de radicalismo em seu currículo. A divisão da direita em várias candidaturas em São Paulo, como Pablo Marçal e Datena, pode também servir de ânimo para o candidato do PT/PSOL, Boulos, embora no segundo turno seja difícil que ele vença, até porque deu razão a seus críticos no escandaloso relatório com que liberou o deputado esquerdista André Janones no Conselho de Ética da Câmara, em que era acusado, com até mesmo gravações, de fazer “rachadinha” em seu gabinete. O mesmo crime de que a família Bolsonaro é acusada.

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AS CAUSAS DO FOGO NO PANTANAL

Míriam Leitão, O Globo

O incêndio no bioma tem diversas razões, todas ligadas ao desmatamento e à conversão de áreas para a agricultura e pecuária

"O Pantanal está secando. Literalmente secando”, diz o engenheiro florestal e ambientalista Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas. São várias as razões, todas ligadas ao desmatamento e à conversão de áreas para a agricultura e pecuária. Estamos longe do período em que geralmente há incêndio, o normal é que seja lá para agosto ou setembro. Por que está batendo recorde de focos de calor antes da época? Porque este ano não teve cheia. O regime de águas no bioma das águas está mudando. Isso está conectado com o que acontece em outros biomas.

O MapBiomas monitora tudo o que ocorre em todos os biomas brasileiros, e tem um banco de dados que recua até 1985. Está preparando um relatório sobre a superfície das águas, que deve ser divulgado hoje, com a informação de que a cobertura de água no bioma está 61% abaixo da média histórica. O que está destruindo o Pantanal é a união explosiva de três eventos predatórios:

—A corrente de água que vem da Amazônia, os chamados rios voadores, está diminuindo por causa do desmatamento na região. Outro problema é que no planalto, no entorno do Pantanal, muitas áreas estão sendo convertidas em pastagem ou em campos de soja. E isso aumentou muito o assoreamento da Bacia do Paraguai, porque está vindo muito sedimento. Tanto que o Pantanal está ficando mais raso. E tem um terceiro problema que é a destruição do pasto natural para ser substituído pelo pasto plantado — diz Tasso.

O desmatamento da Amazônia faz chover menos no Pantanal. A destruição do Cerrado, no entorno do Pantanal, pela pecuária e para a produção de soja, afeta os rios da Bacia do Alto Paraguai. O pasto do bioma, que tem um ritmo natural, é retirado para dar lugar ao capim plantado exótico, que tem outro regime totalmente diferente. É assim que o país está destruindo o Pantanal.

— O pasto no Pantanal nativo alaga e depois desalaga, por isso os bois se moviam tanto, no tradicional pastoreio em caravanas — explica.

O engenheiro agrônomo Eduardo Reis Rosa, coordenador do bioma Pantanal no MapBiomas, explica que a especulação imobiliária tem gerado essa troca do pasto nativo pelo pasto plantado com capim exótico.

—O cara vai lá e compra uma propriedade com vegetação natural. Desmata, ganha dinheiro com o desmatamento. Coloca uma pastagem degradada, exótica, mal manejada. Depois vende a propriedade por quatro vezes mais porque a área é declarada como produtiva. Então, ele vai para outra área de vegetação nativa para fazer o mesmo — diz Rosa.

Todo esse desmatamento, essa destruição da vegetação nativa própria de área alagada, e substituição por capim plantado não é ilegal. Nessa região, os proprietários têm autorização para desmatar 80% da área, segundo Rosa.

No planalto do entorno há cidades que são campeãs de desmatamento, como Rondonópolis, área agrícola forte, ou Cuiabá e Campo Grande, que são outra pressão contra o bioma. O que os especialistas explicam é que toda a Bacia do Alto Paraguai está sofrendo os efeitos do desmatamento.

O governo reuniu ontem a Sala da Situação, na Casa Civil, com 19 ministérios, para saber como agir. O governador do Mato Grosso do Sul decretou emergência nos 24 municípios afetados pela estiagem. Neste mês de junho, o número de queimadas está batendo recorde e existem 627 mil hectares destruídos pelo fogo. A região de Corumbá está ardendo há vinte dias. O dramático é tudo acontecer, nesse nível de gravidade, sem ter entrado ainda na temporada de secas.

Tudo está conectado, o que acontece no Cerrado e na Amazônia seca o Pantanal. Mas há mais ligação entre áreas do Brasil do que se imagina.

— Essa falta de água explica muito a chuva no Rio Grande do Sul. A seca e o calor na Região Sudeste fizeram com que a chuva ficasse aprisionada no Sul. Tem mais água vindo do Sul porque o oceano está mais quente do que nunca, e, com isso, evapora mais água. Aí tem mais água na atmosfera e ela não consegue vir para os outros estados, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, sul da Bahia. Ao invés de chover nesses estados, choveu tudo no Rio Grande do Sul — explicou Tasso.

A proteção ambiental tem que ser em todos os biomas, porque o efeito de um sobre o outro mostra que eles são interdependentes. É uma só natureza. Ela não tem fronteiras.

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segunda-feira, 24 de junho de 2024

"BRASILEIRO NÃO ACEITA MAIS QUE HIPERINFLAÇÃO VOLTE"

Lu Aiko Otta, Valor Econômico

Nos 30 anos do Plano Real, ex-ministro da Fazenda alerta que nova reforma da Previdência Social pode ser necessária ainda nesta década

Prestes a completar 30 anos no próximo dia 1º, a estabilização de preços proporcionada pelo Plano Real foi apenas um primeiro passo de um projeto de transformação da economia brasileira, disse ao Valor o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, que comandou a área econômica do governo nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Após domar a inflação, havia toda uma agenda de reformas econômicas a ser implementada. Muitas delas ainda estão sobre a mesa. É o caso do debate sobre a estrutura das despesas obrigatórias do governo, tema que foi levado na semana passada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento).

Documentos elaborados antes do lançamento do Real continuam atuais nesse debate, ressaltou o ex-ministro, que nesta terça-feira (25) lança em São Paulo, o livro “30 Anos do Real - Crônicas no Calor do Momento”, pela editora Intrínseca.

A publicação reúne artigos publicados por Malan e outros dois “pais” do plano de estabilização, Edmar Bacha e Gustavo Franco (organizador), além de um artigo escrito por Fernando Henrique Cardoso em 2019. O livro é dedicado ao ex-presidente, cuja liderança política é apontada como peça fundamental do sucesso do plano de estabilização.

O propósito do livro não é trazer bastidores sobre a elaboração do plano, e sim discutir a tentativa de consolidação do projeto do Real ao longo dos últimos 30 anos, além de contribuir para o debate atual, explicou o ex-ministro.

Organizado em seis partes - primeiros anos, dez anos, 15 anos, 20 anos, 25 anos e 30 anos -, mostra a batalha da construção do tripé macroeconômico que persiste até hoje e como o projeto resistiu à alternância do poder, com a eleição de Lula em 2002.

O Real completou 20 anos em meio ao experimento da Nova Matriz Macroeconômica e, na definição de Franco à época, o momento “mais cercado de dúvidas sobre a coisa conquistada”.

Também hoje há o debate em torno da adoção de uma política keynesiana, apesar dos resultados da tentativa anterior. Ao mesmo tempo, outros integrantes do governo se esforçam para colocar em debate a estrutura do orçamento - algo que deve ser intensificado, na visão do ex-ministro.

“Acredito que a história é um diálogo infindável entre o passado e o futuro”, afirmou ele, a respeito do livro. “O objetivo é mostrar como essas coisas estão ligadas: o passado estabelece certas restrições, mas também certas oportunidades e possibilidades que o futuro sempre encerra.” 

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O pré-Real - não foi só o “Larida”
Havia um debate acadêmico uma década antes do lançamento do Real. Para muitos, o ponto de partida é o trabalho do André Lara Resende e Persio Arida [Larida], mas houve várias outras contribuições. Em 1977 começou a ser conversada a criação do programa de mestrado e de ensino e pesquisa do Departamento de Economia da PUC [do Rio]. O Dionísio Dias Carneiro organizou um livro e tem um excelente artigo chamado “Brasil, Dilemas de Política Econômica”, que vale a pena ser lido hoje. Meu artigo é sobre o setor externo, o do Francisco Lopes, sobre problemas da inflação no Brasil, o do Rogério Werneck, sobre crescimento rápido e equidade distributiva.

O pré-Real - planos fracassados
Teve um aprendizado com a experiência de seis tentativas de estabilização: Cruzado I, Cruzado II, de 1986, o Plano Bresser, de 1987, Plano Verão, na virada de 1988 para 1989, Plano Collor I, em 1990, Collor II, em 1991. Foi uma tentativa de, na prática, lidar com a marcha da insensatez que era a inflação brasileira: estava em 20% no início dos anos 1970, mais de 40% em meados dos anos 1970, 100% em 1980, 240% em 1985, 1.000% em 1988, 1989, 2.300% em 1993.

Origem da força do Real - aprendizados
Houve um aprendizado derivado da discussão acadêmica de uma década. E as tentativas de estabilização, que, se não deram certo, têm aprendizados e envolvidos. O Edmar Bacha, o André Lara e o Persio, por exemplo, se envolveram muito no Cruzado e descobriram a força enorme do efeito do congelamento de preços sobre o sistema político e sobre o eleitorado. Era para durar pouco tempo, mas durou até as eleições. [Nas eleições daquele ano, o PMDB elegeu 22 dos então 23 governadores.]

Origem da força do Real - o time
A força do Real vem de uma da combinação única. Primeiro, a ida de Fernando Henrique Cardoso do Ministério das Relações Exteriores para o da Fazenda, na terceira semana de maio de 1993. E da capacidade de um político experimentado como o Fernando Henrique. Ele conseguiu juntar em torno de si um grupo de pessoas: Clóvis Carvalho como secretário-executivo; Winston Fritsch e Gustavo Franco para a Secretaria de Política Econômica; Edmar Bacha, que não pôde assumir uma posição lá. E, em agosto de 1993, ele conseguiu atrair para o governo a mim, ao André Lara e ao Persio. E foi ali, em agosto de 1993, que formou-se a massa crítica que permitiu um ataque à inflação.

Origem da força do Real - o povo e as urnas
A força do Real foi o seu sucesso e a aceitação que teve por parte da população. Vem do fato que a esmagadora maioria da população brasileira hoje percebe que a preservação da inflação sob controle é a preservação do poder de compra do salário do trabalhador brasileiro. E antes - para usar uma expressão do Millôr Fernandes - sobrava cada vez mais mês no fim do salário do trabalhador. É a preservação do poder de compra das transferências diretas de renda, que hoje assumiram uma dimensão extraordinariamente significativa no Brasil. Para ter uma ideia: dos 26 Estados brasileiros mais Distrito Federal, em 15 a população que recebe essas transferências diretas de renda é superior àquela que tem carteira assinada. Então, eu acho que criou raízes entre nós a ideia de que qualquer governante que tenha uma atitude excessivamente leniente, complacente, descuidado com a inflação será punido nas urnas. É uma característica da democracia que é importante preservar. Isso não aparecia com clareza durante a vigência do regime militar, mas numa democracia é muito importante essa consideração.

Sem risco de retrocesso no Real
Acho que não voltaremos, em hipótese alguma, àquele tipo de hiperinflação que nós tivemos. Porque o governo no qual essa aceleração começa certamente é substituído nas urnas pelo eleitorado, que percebeu a importância da preservação da inflação sob controle.

Ajuste fiscal, velho desafio
Há alguns marcos importantes. Eu mencionei aqui que o Fernando Henrique foi nomeado ministro da Fazenda em maio de 1993. Três semanas depois, o governo lançou um Programa de Ação Imediata (PAI). Ele merece ser lido hoje. São 13 ou 14 páginas, que começam lembrando que só havia quatro países no mundo que tinham inflação de mais de 1.000%. Eram a Rússia - o império soviético havia colapsado dois anos antes -, a Ucrânia, associada a isso, e o Congo, em guerra civil. E o Brasil era o quarto desses países. As outras eram economias totalmente desarticuladas, mas o Brasil não. A economia, bem ou mal, com a indexação, ela vinha funcionando, mas a hiperinflação era o grande desafio. Esse Programa de Ação Imediata, ele fala abertamente, no começo, da desordem das contas públicas.

Dívida externa
Outro marco importante foi que em 29 de novembro de 1993 nós encerramos o processo de renegociação da dívida externa brasileira. Assinamos nosso acordo com 700 e tantos credores privados do Brasil. O acordo com os credores oficiais já havia sido alcançado em janeiro de 1992.

Real sem susto
E teve um documento que eu acho fundamental. No dia 7 de dezembro de 1993, o Ministério da Fazenda encaminhou ao presidente Itamar Franco uma exposição de motivos - 395, se não me engano. O primeiro pilar ali era a parte fiscal. O equilíbrio tinha que ser obtido para o biênio 1994-95, e exigia ações no Congresso. O segundo era uma lista grande das propostas de emendas constitucionais. E o terceiro era a reforma monetária. Foi dito que nós estaríamos lançando uma unidade de conta, uma referência para contratos [a Unidade Real de Valor, URV]. Ela não teria propriedade de meios de pagamento de início, mas circularia, estaria em vigência junto com o Cruzeiro Real, que era a moeda, até que a economia se recontratasse em URVs. Quando aquela recontratação tivesse assumido um certo ponto, ela seria convertida no Real, como foi.

Consolidação do Real - reformas
Nós estamos comemorando agora os 30 anos do lançamento do Real, mas também os 25 anos e meio do regime de taxa de câmbio flutuante, os 25 anos agora em junho do regime de metas de inflação, os 24 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal. E fizemos inúmeras reformas ao longo desse período, ainda nos anos 1990. Reduzimos o número de bancos estaduais de mais de 30 para pouco mais de meia dúzia. Vários deles estavam insolventes, não podiam sobreviver após perder a receita inflacionária. Fizemos capitalização do Banco do Brasil e da Caixa, interviemos nos bancos privados - houve processo de consolidação, vários foram liquidados. Fizemos privatização de siderúrgica, do setor elétrico, das telecomunicações.

Além da inflação, social
As transferências diretas de renda começaram ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Entre 3,5 milhões e 4 milhões já recebiam transferências diretas de renda sob várias denominações. O Lula, depois de tentar o Fome Zero, juntou todos os programas do governo Fernando Henrique Cardoso.

Vai mudar?
Essa é a discussão do momento, não é? Acho que o segundo governo Lula, assim como o primeiro, foi ajudado enormemente por um ciclo [de crescimento da economia global] que foi o mais longo, o mais profundo e o mais amplamente disseminado da história. Aquilo se expressou no apoio que ele recebeu nas urnas, a eleição para Lula 2, e depois fazer a sua sucessora em 2010. O que eu acho é que a ideia de que é possível fazer uma aceleração do crescimento através de uma política keynesiana de caráter permanente, é aquilo que o André Lara Resende chamou de armadilha macroeconômica brasileira. Quando a demanda cresce de maneira significativa, na expectativa de que a oferta doméstica responda em prazo hábil [mas isso não ocorre], o país enfrenta pressões inflacionárias ou então desequilíbrio em balanço de pagamentos, porque passa a depender de importações. Então, não bastam as intenções.

Revisão de gastos
Isso é algo que vem sendo cobrado há muito tempo. Não é simples, não é trivial. Escrevi em 14 de abril deste ano um artigo que se chama “Em Busca da Eficiência no Gasto Público”. E eu faço menção a uma entrevista coletiva da presidente Dilma Rousseff no fim de outubro de 2014, logo após a eleição. Eu vou citar textualmente: “Ao longo do governo, você descobre várias contas que podem ser reduzidas. O que vamos tentar é um processo de ajuste em todas as contas do governo. Vamos revisitar cada uma e olhar com lupa o que dá para reduzir, o que dá para tirar, o que dá para modificar”. E eu escrevi: “Surpreendentes palavras. Tardias, sem dúvida, para quem passara cinco anos e meio como ministra-chefe da Casa Civil e mais quatro na Presidência da República”. E não deixei de notar que os jornais registraram também o recado complementar da presidente Dilma: “Mas estou dizendo que vou manter o emprego e a renda, ponham na cabeça isso”. Os brasileiros de boa informação e memória sabem o que aconteceu com essas duas variáveis em 2015 e 2016. No segundo mandato de Dilma, nós tivemos uma recessão seriíssima, derivadas das dificuldades de fazer isso que ela intuiu muito tardiamente: que é preciso tentar um processo de ajuste. Não é trivial, mas governar é fazer escolhas, definir prioridades.

Indústria naval
É perfeitamente razoável que se queira expandir os gastos em uma determinada coisa considerada prioritária pelo governo. Mas a boa prática sugere identificar qual é a fonte de financiamento e, segundo, qual é o outro gasto que será reduzido ou modificado. Não basta a intenção de construir uma indústria naval que vai competir com as melhores do mundo porque é desejável o objetivo. Nossa experiência mostra que nem sempre tudo que é desejável é factível. Exige discussão, e o locus dessa discussão deve ser o Orçamento, assim nos outros países do mundo.

Nova reforma da Previdência
No nosso Orçamento sobram menos de 10% para decisões discricionárias de gasto. A tendência é que esse espaço, que já é muito reduzido hoje, vá se reduzindo a ponto de - se nada for feito até lá - praticamente desaparecer. É uma questão de longo prazo, mas tem que ter consciência dela. Decisões difíceis têm que ser tomadas. Eu espero que isso tenha lugar ao longo dos próximos três anos, e nos próximos quatro que se seguirão depois, pelo menos. Tem questões de longuíssimo prazo: a área de demografia e previdência. Nós vamos ter uma nova reforma da Previdência Social, em algum momento, logo no começo dos anos 2030 - se não antes. Porque as pessoas precisam fazer conta.

Luz no fim do túnel
Mas não significa que não haja solução. Eu acho que tem solução para isso, mas o grau de percepção da natureza do problema tem que ser maior do que tem sido até o momento. Tem aumentado. Eu acho que tem gente no governo que está fazendo um esforço sério para tentar fazer com que essa questão assuma uma importância crescente no debate público.

O livro
Não é um livro que procura contar uma história de bastidores. E não é que alguém agora, neste ano de 2024, com o benefício de sabedor de tudo o que aconteceu, fala sobre o que aconteceu. Foram textos escritos no calor da hora. Mostram a nossa preocupação com o processo de consolidação do Real. Para nós, era uma agenda pós-Real, e ela se confundia, era parte integrante, da própria agenda do desenvolvimento econômico, social e político-institucional do Brasil. Acredito que a história é um diálogo infindável entre o passado e o futuro. O objetivo é mostrar não só o que aconteceu, para revolver a memória, mas para mostrar como essas coisas estão ligadas: o passado estabelece certas restrições, mas também certas oportunidades e possibilidades que o futuro sempre encerra.

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INCERTEZAS INTERNAS IMPULSIONAM O DÓLAR

Sergio Lamucci , Valor Econômico

Fatores globais contribuem para a alta da moeda americana neste ano, mas riscos domésticos explicam a maior parte do movimento

O cenário para o câmbio mudou significativamente de figura ao longo do ano. No primeiro semestre, o real se enfraqueceu em relação à moeda americana, com o aumento dos riscos externos e principalmente dos internos, devido em grande parte às incertezas sobre as contas públicas, mas nos últimos dias também por causa das críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, e ao nível dos juros. Em 2024, o dólar já subiu quase 60 centavos, de R$ 4,86 para R$ 5,44, uma alta de 11,9%.

A força das contas externas, com saldo comercial perto de US$ 100 bilhões em 12 meses e reservas internacionais de US$ 355 bilhões, ajuda a amenizar, mas não impede o avanço do dólar, movimento que tende a causar impacto desfavorável sobre a inflação. A pressão sobre o câmbio e a maior volatilidade da moeda podem ainda atrapalhar o planejamento das empresas, encarecendo a importação de bens de capital, por exemplo, o que prejudica o investimento.

Por trás da alta do dólar, há sem dúvida o efeito da piora do cenário externo neste ano. O principal motivo é a mudança da perspectiva para os juros americanos nos últimos meses. A avaliação hoje é que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) vai demorar mais e cortar menos as taxas do que se imaginava no começo do ano, um fator negativo para países emergentes como o Brasil.

Mas esse não é o fator predominante para a subida do dólar por aqui. “O vetor mais relevante foi a piora do cenário doméstico”, diz o economista Livio Ribeiro, sócio da BRCG Consultoria e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Segundo ele, há contribuição negativa do cenário internacional, mas ela é menos significativa, enquanto o aumento da diferença entre os juros externos e internos jogou na direção contrária, compensando apenas parcialmente a piora do ambiente externo e do doméstico.

Ribeiro tem um modelo que procura identificar o peso das variáveis que comandam a variação da taxa de câmbio, divididos entre fatores globais, fatores locais e a diferença entre juros externos e internos. Entre os aspectos externos, os cálculos do economista consideram os preços de commodities, a moeda americana no mercado internacional, a taxa de dez anos dos títulos do Tesouro americano e a parte do risco Brasil explicada por questões globais. No modelo de Ribeiro, os fatores domésticos são o “resíduo” não explicado nem por motivos externos nem pela diferença de juros.

Do fim do ano passado até sexta-feira, o dólar se fortaleceu no quadro global e o juro dos papéis de dez anos do Tesouro dos EUA avançaram de 3,88% para 4,26%, combinação que pressiona moedas de emergentes como o real. Já os preços de commodities, medidos pelo índice CRB, subiram, o que ajuda divisas de países como o Brasil, grandes exportadores desses produtos.

Nas contas de Ribeiro, a alta neste ano de 11,9% do dólar em relação ao real teve contribuição de 1,5 ponto percentual dos fatores globais. Já o aumento da diferença entre juros externos e internos, medida pelas taxas de juros de um ano do Brasil e dos EUA, atuou na direção oposta, tirando 0,58 ponto do aumento de 11,9%. Desse modo, os fatores locais são os principais responsáveis pela subida do dólar, explicando quase 11 pontos percentuais da alta.

“A avaliação do comportamento cambial é das tarefas mais difíceis na vida prática de um macroeconomista”, escreve Ribeiro, observando que “os movimentos na cotação da moeda refletem um sem-número de fatores (reais, financeiros, especulativos e institucionais), em grande medida instáveis e pouco previsíveis”. Segundo ele, há uma tendência entre os analistas, tanto no Brasil como no exterior, a tentar explicar os movimentos do câmbio apenas por eventos domésticos. É um viés usual, e em geral errado, diz Ribeiro. O sobe e desce das moedas costuma estar muito mais associado a vetores globais.

No avanço do dólar por aqui neste ano, porém, os fatores externos não preponderam, ainda que tenham contribuído para a subida da moeda americana, de acordo com o estudo de Ribeiro. “A decomposição pelos fundamentos sugere que as questões locais têm tido importância cada vez maior, sendo, inclusive, o fator dominante nas últimas semanas”, diz o economista, reforçando que não é um resultado comum, o que reforça a especificidade do atual momento.

Nesse cenário, Ribeiro diz que um fortalecimento imediato da taxa de câmbio depende, em última instância, de uma melhora no ambiente econômico e institucional doméstico. Um alívio do cenário global pode ser relevante, mas, sem a solução dos problemas internos, a moeda seguirá pressionada, avalia ele.

Ao tratar da piora do quadro interno, Ribeiro ressalta a percepção mais disseminada “dos enormes desafios na condução da política fiscal brasileira, primeiro com certa flexibilização das regras impostas pelo recém-criado arcabouço fiscal e, mais recentemente, pela necessidade de apoio ao Rio Grande do Sul, afetado por uma tragédia climática sem precedentes”. Ele cita ainda as dúvidas quanto ao desempenho futuro da economia, “enfrentando choques negativos na atividade e na inflação”. Além disso, há “ruídos na condução da política monetária, desancoragem das expectativas e um processo de desinflação mais lento do que se supunha”, colocando em risco a redução da Selic e aumentando a animosidade entre o Banco Central e o Executivo. “Por onde se olha, há risco e incerteza”, resume ele.

O governo é que tem ampliado os riscos e as incertezas na economia, com a resistência a enfrentar o ajuste fiscal pelo lado dos gastos e com as críticas de Lula ao BC e aos juros. Se forem apresentadas medidas críveis de controle de despesas e cessarem os ataques à autoridade monetária, há espaço para alívio no câmbio - o que é de interesse do próprio governo.

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BENEFÍCIO BILIONÁRIO SEMICONDUTOR DE INEFICIÊNCIA

Bruno Carazza, Valor Econômico

Na mesma semana que Lula critica renúncias fiscais, governo apoia prorrogação de incentivos por mais cinquenta anos

Na quarta (18/06), em entrevista à rádio CBN, o presidente Lula se declarou “perplexo” diante do volume de renúncias fiscais no Brasil, que passaria da casa dos R$ 546 bilhões, e anunciou seu compromisso de rever esses benefícios, para que o ajuste das contas públicas não seja aplicado somente sobre os pobres.

Nem bem a fala de Lula deixou de ecoar, a Câmara dos Deputados aprovou, com o apoio do PT e demais partidos da base do governo, o PL nº 13/2020 que amplia e estende renúncias fiscais para os setores de semicondutores e de tecnologia da informação até o ano de 2073, mesmo prazo de vigência da Zona Franca de Manaus.

Segundo estimativas da Receita Federal, a soma dos benefícios concedidos pela Lei de Informática e pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis) gira em torno de R$ 8 bilhões anuais.

Na mesma semana em que a produtora de chips Nvidia ultrapassou a Microsoft e a Apple e se tornou a empresa mais valiosa do mundo, a princípio parece razoável o Estado brasileiro conceder incentivos para o desenvolvimento de empresas ligados aos setores mais dinâmicos da economia mundial.

Esse movimento, aliás, vem sendo feito pelos países mais avançados do mundo, principalmente após a crise de semicondutores ocorrida durante a pandemia e diante do progresso avassalador da utilização da inteligência artificial. Os governos dos Estados Unidos, China, União Europeia, Coreia do Sul, Japão e Índia anunciaram nos últimos dois anos centenas de bilhões de dólares em incentivos para a promoção de uma indústria local que produza semicondutores, chips e memórias.

Após a aprovação do PL que estende os benefícios para a indústria de semicondutores no Brasil, o secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Uallace Moreira, comemorou nas redes sociais: “Esse projeto vai alavancar os investimentos do setor de semicondutores no Brasil”, anunciou triunfante.

Com mestrado e doutorado pela Unicamp, Moreira tem fértil pesquisa na área de política industrial, inclusive com uma carreira internacional em entidades como BID, Cepal e Korean Institute for Economic Policy. Nas suas publicações, fica evidente a crença na estratégia de países em desenvolvimento superarem a armadilha da renda média por meio de saltos tecnológicos em setores dinâmicos, como o de tecnologia.

A experiência brasileira com a promoção da indústria de semicondutores, porém, mostra que esse processo é muito mais difícil do que se imagina.

Lançado em janeiro de 2007, o Padis concede uma série de isenções de tributos para a aquisição de insumos e bens de capital, inclusive importados, destinados à produção de chips e memórias no país, além de zerar a cobrança de Pis/Cofins, IPI e imposto de renda e contribuição sobre o lucro dessas empresas. Como contrapartida, os beneficiários devem investir pelo menos 5% de seu faturamento em P&D.

Passados dezessete anos, as empresas beneficiadas pelo programa deixaram de recolher mais de R$ 4,7 bilhões em tributos para os cofres públicos, com uma renúncia da ordem de R$ 360 milhões ao ano atualmente.

É difícil estimar qual o retorno do investimento estatal nessa iniciativa. O último relatório trienal que o Ministério do Desenvolvimento publicou sobre o programa, relativo a 2021, tem parcas cinco páginas, sendo que trechos inteiros são mera cópia das edições anteriores, de 2015 e 2018.

Por ele sabe-se que há quatro empresas produzindo chips ou memórias no país (Smart, Unitec, HT Micron e a estatal Ceitec), em diferentes estágios de desenvolvimento, com um investimento em pesquisa e desenvolvimento de R$ 90,2 milhões em 2019 como contrapartida para a renúncia fiscal.

Tampouco o Tribunal de Contas da União, o Ipea ou mesmo a academia se debruçaram seriamente sobre o programa. Num dos raros estudos sobre o Padis, Flávia Filippin, em sua premiada dissertação de mestrado na Unicamp, entrevistou executivos de empresas de semicondutores que afirmam que dificilmente as empresas produziriam no país sem os benefícios do programa. Ainda assim, um relatório de técnicos do BNDES (Rivera et al., 2015) classifica o setor como em estágio embrionário e dependente de incentivos.

Não há, porém, nenhuma avaliação séria sobre o retorno que o programa traz para a sociedade, a efetividade dos investimentos feitos em contrapartida ou os erros e acertos do programa.

Mesmo sem essas avaliações, o secretário Uallace Moreira, num artigo que escreveu antes de entrar para o governo na coletânea Bidenomics nos Trópicos, defendia o apoio do BNDES, o uso de compras públicas para criar demanda local e mais incentivos tributários como o Padis para impulsionar a produção de semicondutores no Brasil.

E assim, sem estudos técnicos prévios ou debates junto à sociedade, o governo patrocina, em parceria com o Congresso, a renovação de renúncias fiscais bilionárias, com benefício social de valor desconhecido, com previsão de durarem por mais cinco décadas.

É realmente para se ficar perplexo.

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COMBATE À CRISE EXIGE UNIÃO

Preto Zezé, O Globo

Entes federados e Poderes da República necessitam colaborar entre si para enfrentar os desafios

Boa parte da crise institucional brasileira advém da descrença na política e no Estado e da baixa qualidade de suas ações — mas também de como são elaboradas as políticas, sem participação social qualificada. A isso somam-se a desorganização e a desmobilização dos setores populares, diante da distância dos mecanismos de decisão. São fóruns e horas de debate com pouca eficácia e lentidão da burocracia estatal ante as agonias do povo. A distância se torna maior devido ao calendário de eleições bianual, gerando uma terrível distorção entre as necessidades reais e a retórica eleitoral.

Estive com gestores de diversas posições ideológicas, da direita à esquerda, em razão das tarefas institucionais que me conduzem a uma posição pragmática pelos interesses das favelas e à disposição de diálogo com todos. Encontrei governadores como Ronaldo Caiado, Elmano de Freitas, Tarcísio de FreitasFátima BezerraHelder BarbalhoCláudio Castro, com os ministros Renan Filho e Ricardo Lewandowski, para citar alguns. Há consenso de que os entes federados e os Poderes da República necessitam de colaboração entre si para enfrentar os grandes desafios nacionais, apesar das características locais.

Um exemplo é a segurança pública, a pauta mais cara à sociedade, confirmada pelas pesquisas como primeira nas preocupações dos brasileiros, exigindo esforço máximo. Apesar de muitas iniciativas vitoriosas, a criminalidade e a violência migram e se modernizam, enquanto o Estado brasileiro é lento e atrasado em seu enfrentamento. Observamos a disputa de protagonismo e acusações trocadas entre quem fez a melhor ou a pior política, perdendo a possibilidade de construir consensos e um sistema único de segurança pública integrado, mais eficiente e menos letal. O que temos é caríssimo, ineficaz e reprodutor de derrotas seguidas, tanto para a sociedade quanto para os trabalhadores da segurança pública, que expõem suas vidas numa guerra sem vencedores. Padecem trabalhadores, pobres e pretos, sejam eles com fardas ou não.

A superação virá, a meu ver, por meio de plataforma com agendas comuns, integrando o setor privado moderno, compromissado com o desenvolvimento nacional das políticas públicas e com agenda real de oportunidades e distribuição de riquezas, sem perder as possibilidades que cada ente está a produzir. E, para a sociedade, novos mecanismos de participação que dialoguem com os setores que definem as políticas públicas, não os limitando às participações cosméticas que justificam a retórica da pseudodemocracia. Caso esse contrato social não seja feito, todos contribuiremos para o afastamento das pessoas da política e puniremos aqueles que não têm acesso aos salões onde o poder se reúne.

Assim, deixaremos um terreno fértil para aventureiros, falsos messias e salvadores da pátria canalizarem a insatisfação popular para o extremismo, transformando a indignação em dividendos eleitorais, fazendo das nossas dores seu púlpito.

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LIMITES DA PACIÊNCIA POPULAR

Artigo de Fernando Gabeira

O papel da sociedade poderia ser estendido a discussões mais áridas, como a qualidade dos gastos do governo

A reação social a dois projetos, sobre aborto e praias, abre caminho para alguns ensinamentos. O primeiro deles, e mais óbvio, revela que as pessoas não querem retrocesso, sobretudo os que podem nos fazer voltar à Idade Média, sem algumas qualidades daquela fase histórica.

Isso acende um sinal amarelo para as forças conservadoras, sobretudo as que investem contra o Estado laico e querem substituir a Constituição pela Bíblia.

Creio que o campo oposto, o governista, também tem material para refletir sobre o que se passou nas últimas semanas. Talvez tenha de rever a ideia de que o foco único de seu esforço seja a economia. Alguns especialistas em eleições repetem a frase: “É a economia, estúpido”. E muitos acreditaram que tudo realmente se resume à economia, ou que as pessoas são apenas fisiológicas, como alguns políticos que as representam.

Numa volumosa pesquisa feita pela Universidade de Oxford na Europa, no fim do século XX, foi possível produzir um tomo chamado “O impacto dos valores”. Em 1995 já havia expectativa de mudança de valores, derivada da sensação de segurança econômica e física experimentada nos anos do Pós-Guerra. Essa mudança apontava para o declínio da preocupação material que sempre esteve no centro dos conflitos, abrindo caminho a uma sociedade mais impessoal, participativa, valorizando autoexpressão e estética.

As coisas mudaram, a Europa hoje vive certa insegurança, marcada pelo avanço da extrema direita e uma reação ao processo migratório. Mas a vertente pós-material não desapareceu no Ocidente e, fragmentariamente, também existe em sociedades complexas como a brasileira.

A visão de um mundo dominado pelo conflito de classes, e só por ele, já não corresponde a toda a realidade. Da mesma forma, a suposição de que um governo, e só ele, apenas o próprio presidente, é responsável por fazer as coisas andarem é muito precária. Às vezes, a autoestima do próprio governante produz promessas do tipo “vou trazer a felicidade” e involuntariamente exclui o papel da própria sociedade.

O que aconteceu nas últimas semanas mostra que o papel da sociedade é essencial e poderia ser estendido também a discussões mais áridas, como a qualidade dos gastos do governo.

Um debate eleitoral centrado em valores favorece a direita que trabalha com o medo e o fato real de que a maioria tende a uma posição conservadora. Mas isso não significa que todas as suas propostas, sobretudo as que implicam retrocesso, sejam aceitas. A compreensão desses fatos pode animar os deputados que se sentem em minoria, mas descobrem que há uma força latente na sociedade capaz de ajudá-los.

Acho necessário criar uma barreira social para todos os absurdos produzidos no Congresso. Alguns passam batidos, como o perdão para os partidos. Eles criam regras, anistiam-se a si próprios e querem pagar as multas com dinheiro público. É fantástica a sensação de onipotência. Esses fatos, mesmo sem oposição ruidosa na sociedade, acabam contribuindo para acumular revolta.

A vantagem das reações pontuais é corrigir o rumo no cotidiano. Se as coisas seguem sem controle, o Parlamento vai ao limite, e a reação social acaba explodindo em algum momento, como aconteceu em 2013. Em horas como essas, alguns desavisados se perguntam:

— Todo esse barulho por causa de 20 centavos?

Vinte centavos no transporte público, ou qualquer outra pequena fagulha, bastam para incendiar o circo.

Se a sociedade vigiar um pouco mais não só o que se passa com deputados, mas também essa história dos gastos do governo, evitará situações extremas. Entregues a si próprios, os políticos tendem a caminhar para o abismo.

É mais forte que eles.

Artigo publicado no jornal O Globo em 24/06/2024

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O GOVERNO SABOTA A SI MESMO

Demétrio Magnoli, O Globo

O tabu econômico lulista só admite ajuste pelo lado da receita, condenando qualquer tentativa de cortar despesas

‘O governo do presidente Lula está enfrentando forte campanha especulativa e de ataques ao programa de reconstrução do país com desenvolvimento e justiça social’, afirmou a nota da direção do PT publicada há uma semana. Como? Pela “escancarada sabotagem ao crédito, ao investimento e às contas públicas, movida pela direção bolsonarista do Banco Central com a manutenção da maior taxa de juros do planeta”. O BC seria uma ferramenta de “setores privilegiados” que, “valendo-se da mídia associada a seus interesses financeiros, fabricam uma inexistente crise fiscal”.

A economia de mercado é uma conspiração — eis o conceito de fundo que orienta o texto partidário. Fosse, apenas, expressão da ignorância econômica petista, isso não passaria de uma curiosidade. Só que não é: a nota reflete o pensamento econômico de Lula, raiz do atual impasse fiscal.

Dólar, Bolsa, juros de longo prazo representam, na economia, o que temperaturas e precipitações representam para a ciência climática: indicadores das dinâmicas de um sistema complexo de interações. O PT e o presidente, porém, os interpretam como resultados de uma ação política premeditada. A economia atenderia às ordens de um Comitê Central oculto, formado pelos tais “setores privilegiados”, cujo executor seria o BC.

É um equívoco benevolente imaginar que as periódicas campanhas semioficiais contra Roberto Campos Neto configuram apenas uma tática política destinada a produzir um bode expiatório para as dificuldades do governo. Como atestou a catástrofe econômica fabricada por Dilma Rousseff, o lulismo acredita genuinamente que, para o bem ou para o mal, uma varinha de condão política determina o comportamento da economia. “Vontade política” e “sabotagem” — a linguagem ritual lulista desvela uma abordagem mística da economia.

A refutação da tese exposta na nota do PT tardou só 48 horas. A decisão do Copom pela manutenção da “maior taxa de juros do planeta” contou, na sua unanimidade, com o voto dos quatro diretores indicados por Lula. Como, depois disso, acusar a “direção bolsonarista do BC”? Fácil: basta alegar que os quatro escolheram a “traição”, alinhando-se aos “setores privilegiados” na “sabotagem” ao governo. Sem surpresa, é precisamente o que se diz em círculos próximos ao Planalto, num incipiente bombardeio à indicação de Galípolo para a presidência do BC.

Campos Neto “trabalha para prejudicar o país”, na frase insultuosa de Lula? O Copom unânime retrucou, certeiro, reafirmando que “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”. Tradução: a queda na taxa Selic depende, entre outros fatores, da “vontade política” do governo de perseguir o equilíbrio fiscal.

Nem tudo está errado na nota do PT. Ela, claro, não menciona a “democracia da meia entrada”, expressão cunhada por Marcos Lisboa e Zeina Latif, nem reconhece a farta distribuição de subsídios a setores empresariais nos governos lulistas anteriores e no atual. Mesmo assim, acerta ao alertar sobre a necessidade de “correção de um conjunto de desonerações tributárias, muitas injustas e injustificáveis”, algo que exigiria esforço conjunto do Executivo e do Congresso. O problema, no caso, é o acerto colocar-se a serviço do equívoco — da resistência ideológica à revisão das despesas públicas compulsórias.

A vinculação extensiva dos benefícios previdenciários ao salário mínimo faz com que cresçam bem acima da inflação — mas o governo desautoriza sistematicamente os tímidos ensaios de Simone Tebet para revê-la. Os pisos legais da saúde e educação experimentam aumentos reais persistentes e inerciais, sem melhorar a qualidade dos serviços. Mas o tabu econômico lulista só admite ajuste pelo lado da receita, condenando qualquer tentativa de cortar despesas.

O Orçamento engessado, consequência de um pensamento econômico envolto em misticismo, comprime o investimento público. “Sabotagem”? Sim: o governo sabota a si mesmo.

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domingo, 23 de junho de 2024

MORRE TÂNIA CABRAL

Do Diário do Nordeste

Morre Tânia Cabral, professora aposentada da UFC e ex-integrante do Pessoal do Ceará

Tânia foi um dos nomes do movimento artístico que inseriu o Ceará no cenário musical do Brasil nos anos 1970

Morreu neste sábado (22) a professora Tânia Barbosa Cabral de Araújo, aposentada do Departamento de Economia Doméstica da Universidade Federal do Ceará (UFC). Além de docente, ela era cantora e compositora, tendo participado do grupo Pessoal do Ceará e do movimento Massafeira Livre. 

A informação da morte da educadora e artista foi confirmada pelo Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC), entidade da qual Tânia era uma das fundadoras. 

Ela integrava o quadro da UFC desde o fim dos anos 1960, quando da criação do curso de Economia Doméstica. Uma das áreas em que mais se dedicou foi a extensão universitária, promovendo a troca de experiências entre bordadeiras e rendeiras no litoral cearense, e o intercâmbio entre profissionais e professores de Costa Rica, Panamá e Canadá. 

No âmbito político, durante a Ditadura Militar, Tânia participou de movimentos pela anistia e pela libertação de presos políticos cearenses. Já na carreira artística, contribuiu com a cultura popular do Ceará e compôs músicas com Belchior, Rodger, Rogério e Ednardo.

A causa da morte não foi divulgada pela ADUFC. O velório da professora aconteceu durante a tarde deste domingo (23), entre as salas 1 e 4 do cemitério Jardim Metropolitano, onde aconteceu o sepultamento. 

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BIDEN E TRUMP APOSTAM NO DEBATE

Dorrit Harazim, O Globo

Tanto o ocupante da Casa Branca quanto seu antecessor parecem convencidos de que a comparação direta lhes será favorável

Vale acertar os relógios e calcular fusos horários. Na próxima quinta-feira, 9 da noite pelo horário local, Joe Biden e Donald Trump se enfrentarão no Q.G. da CNN em Atlanta, capital da Georgia. Será o primeiro debate eleitoral da História entre dois presidentes dos Estados Unidos — um titular e um ex —, ambos em busca de uma nova eleição. No cara ou coroa para definir o lugar de cada um no pódio, deu “coroa”, e Biden optou por ficar à direta do adversário. Em compensação, Trump ganhou o direito de ter a última palavra. Serão dele as conclusões finais do embate.

Pelas regras acertadas, será um mano a mano de 90 minutos, sem público no estúdio. Durante os intervalos comerciais, não deverá haver interação de assessores com os candidatos. Eles tampouco poderão trazer pastas, documentos ou qualquer “cola” externa. Os dois terão como companhia apenas uma garrafa d’água, um bloco e uma caneta para anotações ao vivo. O microfone de cada debatedor será automaticamente desligado quando expirar seu tempo de fala — compreensivelmente, primeiríssima exigência da turma de Biden nas negociações com a CNN.

As tratativas começaram em meados de maio, diante da evidência de que as convenções partidárias de 2024 seriam meramente protocolares. O país não conseguira produzir qualquer alternativa para aposentar o democrata Biden (81 anos) ou o republicano Trump (78). Os dois passaram a se provocar.

— Sempre dissemos que o presidente Trump está pronto para debater em qualquer data, a qualquer hora e qualquer lugar. A hora é já. — postava um lado.

— A bola está com você, Donald — qualquer data, hora ou lugar. Você perdeu os dois debates que fizemos em 2020. — respondia o outro. 

O primeiro desafiava o adversário sugerindo debates mensais até a eleição de novembro. O segundo bateu pé em apenas dois — o da próxima semana e outro em setembro.

Tanto o distraído ocupante da Casa Branca quanto seu rombudo antecessor parecem convencidos de que a comparação direta lhes será favorável. Biden, por acreditar que Trump não conseguirá manter sob rédea curta sua índole agressiva, caótica e insolente. E Trump, eterno apostador, por confiar tanto no próprio taco como num eventual escorregão ou apagão mental do adversário. Teoricamente, é Trump quem entra em vantagem no debate de quinta-feira. Todas as pesquisas de opinião recentes lhe são favoráveis por estreita margem. Mas ainda faltam cinco meses até a terça-feira 5 de novembro — uma eternidade coalhada de percalços.

Por via das dúvidas, o candidato republicano já começou jogando sujo. Passou a sugerir em sua rede social Truth Social que Joe Biden estará “turbinado” para poder manter foco mental e vigor físico durante a hora e meia no pódio. Relembrou a descoberta, pelo FBI, de uma pequena quantidade de cocaína na Casa Branca, no ano passado, insinuando assim, sem nada afirmar, que o adversário só se sairá bem com alguma ajuda química.

Segundo levantamento ABC News/Ipsos de dois meses atrás, mais da metade dos americanos adultos considera os dois candidatos velhos demais para um segundo mandato — acréscimo de 10 pontos em relação a abril de 2023. Nesse quesito, a atenção maior se concentra em Biden, em seu embaralhamento verbal, em sua fragilidade física e em suas desorientações ocasionais. Nada, convenhamos, comparado a um delirante monólogo recitado por Donald Trump durante recente comício em Las Vegas, quando desembestou a contar uma longa história desprovida de qualquer nexo. Relatou a hipótese de estar num barco movido a eletricidade que afundaria com o peso da bateria. O que o colocaria diante de duas opções: permanecer no barco e ser eletrocutado ou saltar dele e ser devorado por um tubarão de 9 metros. Transcreve-se aqui um dos muitos parágrafos da fábula, para apreciação do leitor:

— Aliás, tem havido um monte de tubarões ultimamente, vocês têm percebido isso? (Trump estava em Las Vegas, não exatamente à beira-mar.) Muitos tubarões. Eu vi uns caras justificando isso hoje: “Eles não estavam tão ferozes assim, arrancaram a perna da jovem não porque estavam com fome, mas porque não entenderam quem ela era.” Essas pessoas são loucas...

Para quem não entendeu, a desvairada narrativa era para ser um libelo do orador contra o uso de energia limpa (elétrica) em barcos e veículos de carga. Mas, como foi encenada por Trump, saiu barato. Seus seguidores ou acham graça ou aplaudem, seus adversários é que arrancam os cabelos. O perigo chamado Donald Trump reside nisso, no excesso e no extremo.

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sábado, 22 de junho de 2024

CENSURANDO E ANDANDO

Carlos Andreazza, O Estado de S. Paulo

É ler as oito páginas da decisão e constatar a inexistência de outra fundamentação

Alexandre de Moraes censurou e descensurou. A liberdade do onipotente produz relaxamentos; o “juízo de cognição sumária” baixando já sem tentativa de envernizar a ordem com Direito.

Ordenou a censura porque pleito de Arthur Lira. Em 2019, na origem dos inquéritos xandônicos, censurara a Crusoé a pedido de Dias Toffoli. É ler as oito páginas da decisão e constatar a inexistência de outra fundamentação. Periculum in Lira.

Ordenou a descensura porque, entre os censurados, estava jornalão. Talvez tenha sabido só depois... “Ih! A Folha.” Ministro do Supremo flagrado mui à vontade para censurar distraidamente, copiando e colando trechos de censuras anteriores.

O objeto da censura ora (mais ou menos) descensurado é entrevista, de 2021, em que a ex-mulher de Lira o acusa de violências físicas e coação. Vídeo que Xandão tirou do ar, em 2024, para interromper – você já conhece o texto – a “propagação dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.

Sua intenção – ao mandar apagar relato em que uma mulher denuncia agressões – era “interromper a lesão ou ameaça a direito”.

Lesionado o Direito quando juiz de Corte constitucional, copiando e colando, determina supressão da palavra – ato extremo – sem argumento concernente ao caso concreto.

Está na decisão – você já conhece o texto: “Liberdade de expressão não é liberdade de agressão! Liberdade de expressão não é liberdade de destruição da democracia, das instituições e da dignidade e honra alheias! Liberdade

de expressão não é liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos!”

Moraes copiou e colou e, calculando os tempos da última terça, 18 de junho, não será improvável que tenha despachado enquanto votava para tornar réus os acusados – entre os quais um deputado federal – de mandar assassinar Marielle.

O brado “liberdade de expressão não é liberdade de agressão” numa imposição censória sobre entrevista de uma mulher que acusa parlamentar poderoso de a ter agredido.

O presidente da Câmara peticionou, pela extensão da censura, em processo de que não é parte: uma reclamação da Agência Pública contra o bloqueio – mantido por Xandão – à reportagem “Ex-mulher de Lira o acusa de violência sexual”. A reclamação, instrumento para assegurar a liberdade de expressão, servindo à ampliação do arreganho.

Esse caso tramita na Primeira Turma do STF. A censura, que já dura nove meses, foi endossada por Fux e Zanin. Formada a maioria. Cármen Lúcia – outrora a juíza do “cala a boca já morreu”, que, em 2022, votou para censurar um documentário – pediu vista em abril.

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SALVANDO A PÁTRIA DO CRIME

Alvaro Costa e Silva, Folha de S. Paulo

Cresce o envolvimento de políticos com organizações criminosas

Candidatos hoje trocaram os marqueteiros por advogados criminalistas

Nunca tantos deputados federais, mais de uma centena, tornaram-se alvo de ações e processos criminais. Eles respondem de corrupção e peculato a violência contra a mulher. O levantamento foi realizado pelo site Congresso em Foco e mostra que a lista de investigados e réus ocupa um amplo mapa ideológico, perfazendo 16 partidos. O campeão de irregularidades é o PL, do ex-presidente Bolsonaro.

Para consolidar seu enorme poder, com faturamento estimado em US$ 1 bilhão por ano, a facção criminosa PCC conseguiu se infiltrar em atividades legais, como fazem as milícias e máfias. Um dos caminhos foi fraudar licitações usando o esquema de entrega de propina em pacotes de dinheiro a vereadores e agentes públicos de prefeituras e câmaras municipais no estado de São Paulo.

No Rio, o Tribunal Eleitoral decidiu transferir o endereço de 93 seções localizadas em áreas controladas por grupos criminosos, além de solicitar a presença de tropas federais no pleito municipal de outubro. O objetivo é garantir a segurança e que os eleitores possam exercer o direito de voto sem qualquer pressão.

Investigada por integrar o Bonde do Zinho e denunciada pelo MP-RJ, a deputada Lucinha mesmo assim não perdeu o mandato. Em todo o país a Polícia Federal está monitorando candidatos a vereador e a prefeito que mantêm ligação com organizações criminosas. A notícia vazou, instalando pânico em algumas pré-campanhas.

Os cenários e informações acima explicam por que os candidatos hoje dão mais importância à contratação de advogados criminalistas, deixando os marqueteiros em segundo plano. E por que, no rol de propostas que furam a fila de reais interesses da população e atendem à agenda de Arthur Lira, o PL que proíbe a assinatura de acordos de delação premiada com presos —jogada que beneficia os próprios parlamentares e o crime organizado— tenha uma urgência de salvar a pátria.

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UM PRESIDENTE À DERIVA

Eduardo Affonso, O Globo

‘A gente não vai permitir que nos roubem a criação da inteligência artificial, assim como foi roubada a criação do avião’

‘Eu desafiei os nossos cientistas’:

— Vamos criar vergonha. Vai ter uma conferência nacional em julho, e vocês tratem de me apresentar um produto de inteligência artificial em língua portuguesa, criado pelos brasileiros. Porque a gente não vai permitir que nos roubem a criação da inteligência artificial, assim como foi roubada a criação do avião. (11/6/24)

— Se o Zelensky diz que não tem conversa com o Putin, e o Putin diz que não tem conversa com o Zelensky, ou seja, é porque eles estão gostando da guerra, porque senão já tinham sentado para conversar e tentar encontrar uma solução pacífica. (13/6/24)

— A concentração de renda é tão absurda que alguns indivíduos possuem seus próprios programas espaciais. Certamente tentando encontrar um planeta melhor que a Terra, para não ficar no meio dos trabalhadores que são responsáveis pela riqueza deles. (13/6/24)

— Não vou permitir que este país volte a ser governado por um fascista. (18/6/24)

— Um presidente do Banco Central que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país do que ajudar o país, porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está. (...) A quem esse rapaz é submetido? (18/6/24)

— Não tem contradição. Temos GuianaSuriname explorando petróleo, próximo de nós. (...) O que não dá é pra gente dizer, a priori, que vai abrir mão de explorar uma riqueza que, se for verdade (sic) as previsões, é uma riqueza muito grande para o Brasil. É contraditório? É, porque estamos apostando na transição energética. Olha, mas enquanto a transição energética não resolve nosso problema, o Brasil tem que ganhar dinheiro com esse petróleo. (18/6/24)

— Por que uma menina é obrigada a ter um filho de um cara que estuprou ela? Que monstro vai sair do ventre dessa menina? (18/6/24)

— Teve um terremoto nesse país, ou teve uma praga de gafanhoto, que veio para tentar destruir aquilo que era a realização de um sonho do povo brasileiro. Tudo isso veio abaixo, mais uma vez, com a agourância (sic) da elite. Com o falso argumento de combater a corrupção, a Operação Lava-Jato mirava, na verdade, o desmonte e a privatização da Petrobras. (...) O que estava por trás da Lava-Jato era entregar patrimônio a petrolíferas estrangeiras. (19/6/24)

— Quando eu vejo o que vocês fazem aqui na Petrobras, a inteligência humana, fico me imaginando um país como o Brasil talvez não precise de inteligência artificial porque a nossa humana é muito competente, e ela pode dar conta do recado. (19/6/24)

— Vocês estão lembrados, quando nós começamos a fazer a Copa do Mundo, a quantidade de denúncias de corrupção nos estádios na Copa do Mundo? E muita gente inventou aí, da direita mesmo, sabe? Tudo tem que ser “padrão Fifa”. Porque o Brasil tem que dar saúde “padrão Fifa”, o Brasil tem que dar não sei o que lá “padrão Fifa”, na tentativa de desmoralizar a Copa do Mundo. E Deus é justo, nós tomamos de 7 a 1 naquela Copa do Mundo, da Alemanha, sabe? Já que é pra castigar, vamos castigar. (19/6/24)

— Eu sou da turma em que artista, cinema e novela não é para ensinar putaria. É para ensinar cultura, contar história, contar narrativas, e não para dizer que nós queremos ensinar às crianças coisas erradas. Nós só queremos fazer aquilo que se chama arte. Quem não quiser entender o que é arte, dane-se. (19/6/24)

“Não devias ter ficado velho antes de ficar sábio.” (William Shakespeare. Rei Lear, ato 1, cena 5.)

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GOVERNAR AS MENTES

Demétrio Magnoli, Folha de S. Paulo

Atrás de PL antiaborto está estratégia baseada na ideia de que governo deve administrar as mentes

"É a economia, estúpido!". O slogan, criado pelo marqueteiro James Carville, que orientou a campanha presidencial vitoriosa de Bill Clinton, em 1992, ficou célebre, mas era política convencional: o governo deve administrar as coisas. Há, porém, um outro tipo de ação política que desafia a tradição democrática. O PL antiaborto não é (só) sobre aborto nem (apenas) um problema das mulheres. Avulta, atrás dele, uma estratégia política baseada na ideia de que o governo deve administrar as mentes.

O mundo moderno nasceu com a separação entre política e religião: Estado laico. Geralmente, com razão, aponta-se o fundamentalismo islâmico como a mais notável reação à modernidade. Arábia Saudita, Irã, Taleban —os Estados teocráticos formam uma nítida antítese à laicidade das democracias ocidentais. Neles, a religião figura como fonte de poder indiscutível e controle social absoluto. A estratégia política do fundamentalismo cristão inveja as prerrogativas dessas teocracias.

Príncipes sauditas bebem sem parar durante suas estadias nababescas na Europa. Os políticos que pregam a moral bíblica não ligam a mínima para os mandamentos: religião, para eles, é uma escada que conduz ao palácio. O PL antiaborto não é sobre fetos, mas uma aplicação circunstancial de seu slogan eleitoral: "É a moral, estúpido!". O herói principal dessa turma não é Trump ou, muito menos, Milei. Chama-se Nayib Bukele, o tiranete salvadorenho que roubou a cena na mais recente Conferência de Ação Política Conservadora, fórum da direita global realizado em Maryland, nos Estados Unidos, em fevereiro.

Bukele emergiu na política pela esquerda, no berço do partido FMLN, migrando mais tarde para a direita, pela qual elegeu-se presidente em 2019 e, violando a Constituição, reelegeu-se meses atrás. Há três anos, destruiu a independência do Judiciário, destituindo todos os seus juízes, o que lhe valeu um elogio ganancioso de Eduardo Bolsonaro. Os pilares paralelos de seu poder são a manipulação midiática das redes sociais e uma estreita aliança com vetores evangélicos fundamentalistas sediados nos EUA.

Os pastores Franklin Cerrato, da diáspora salvadorenha nos EUA, e Mario Bramnick, conselheiro de Trump, traçaram os contornos da aliança. Bukele atribuiu ao Espírito Santo a profecia de que governaria El Salvador, convidou o pastor midiático argentino Dante Gebel, da River Church de Anaheim (Califórnia) para orar na sua posse e comprometeu-se a criar uma Secretaria de Valores devotada à educação moral do país. No final de 2019, uma deputada do círculo presidencial apresentou moção que decretava a leitura compulsória da Bíblia nas escolas. Governar as mentes –eis o segredo da ditadura salvadorenha.

Bramnick celebrou o triunfo de Bukele de 2019 numa conferência evangélica por meio de uma referência à profecia bíblica das 70 semanas: "O tempo do cativeiro terminou. O Senhor está levantando Ciros não só nos EUA, mas na América Latina. Bolsonaro é um Ciro. Seu presidente Bukele é um Ciro. Deus está sobre ele".

O Ciro salvadorenho desfechou o autogolpe em fevereiro de 2020, dia da invasão militar da Assembleia Legislativa, quando sentou-se na cadeira da presidência do parlamento e, mãos sobre o rosto, pôs-se a rezar. Depois, no ápice da pandemia, decretou o Dia Nacional de Oração "para pedir a Deus que nos livre desta enfermidade".

As redes sociais, os pastores e as orações ajudaram, mas a reeleição de Bukele, com 85% dos votos, refletiu a popularidade de sua "guerra às gangues" que converteu El Salvador num Estado militar-policial em perene "estado de exceção". A mega-prisão de Tecoluca, uma das maiores do mundo, com capacidade para 40 mil prisioneiros, retrata melhor seu regime que qualquer imagem bíblica. O PL antiaborto é só uma pedra inaugural no edifício político distópico imaginado pelos nossos fundamentalistas.

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PARABÉNS, MARCO PRADO !

O sábado  (22) amanheceu achocolatado, hoje é dia de abraçar e parabenizar o ex-vereador de Sobral (CE), Marco Prado, o Chocolate.

O jovem político da família Prado desenvolveu um excelente trabalho quando esteve vereador na Câmara Municipal de Sobral.

Os sobralenses que acompanharam suas atividades parlamentares no legislativo sobralense se sentiram representados. O povo teve voz e vez.

A perseverança tem sido a marca desse político que não economiza esforços em defesa da população de Sobral.

Marco Prado tem demonstrado em suas ações que ainda é possível fazer politica com ética, competência e respeito.Chocolate, saúde, paz e felicidade. Parabéns, Marco Prado!

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sexta-feira, 21 de junho de 2024

20 ANOS SEM BRIZOLA

Há exatos 20 anos, um dos políticos mais contundentes da política brasileira, Leonel Brizola fez sua última viagem em 21 de junho de 2004. Nascido em 22 de janeiro de 1922, em Carazinho, município pertencente de Passo Fundo, Rio Grande do Sul.

Brizola entrou na política lançado por Getúlio Vargas. Uma das façanhas de Brizola foi governar dois estados diferentes: Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, eleito pelo povo.

Leonel Brizola teve uma extensa carreira política: foi prefeito de Porto Alegre, deputado estadual e governador do Rio Grande do Sul, deputado federal pelo Rio Grande do Sul e pelo extinto estado da Guanabara, e duas vezes governador do Rio de Janeiro.

Ingressou na política partidária no antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), por recomendação pessoal de Getúlio Vargas – seu padrinho de casamento – sua primeira candidatura a cargo eletivo foi para deputado estadual e foi eleito.

Sua influência política no Brasil durou aproximadamente cinquenta anos, inclusive enquanto exilado pelo Golpe de 1964, contra o qual foi um dos líderes da resistência. Por duas vezes foi candidato a presidente da República do Brasil pelo PDT, partido que fundou em 1980, não conseguindo se eleger.

Brizola era casado com Neusa Goulart, irmã do ex-presidente João Goulart, com ela teve três filhos: Neusa, José Vicente e Otávio. Em 21 de junho de 2004, Brizola morreu aos 82 anos de idade, vítima de problemas cardíacos.

No aniversário de 90 anos de Brizola, foi lançado na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro o livro Leonel Brizola - a Legalidade e outros pensamentos conclusivos, organizado por Osvaldo Maneschy, Apio Gomes, Madalena Sapucaia e Paulo Becker.

A trajetória política, a vida pessoal de Leonel Brizola rende muitos livros – como já rendeu. Um dos mais recentes livros é Brizola que foi escrito por quem conviveu lado a lado com ele: Clóvis Brigagão e Trajano Ribeiro.

Outro livro lançado recentemente sobre Brizola é o Minha vida com meu pai, Leonel Brizola conta em detalhes a vida de Brizola sob o ponto de vista de seu filho, João Otávio. Não é uma daquelas biografias “chapa branca”, onde sobram elogios. Da forma mais imparcial possível, João revela como era o seu pai no cotidiano.A trajetória política, a vida pessoal de Leonel Brizola rende muitos livros – como já rendeu. 

O livro que mostra para as novas gerações o lugar de Leonel Brizola na política brasileira revivendo grandes momentos da história de Brizola, conseguirmos entender o quanto foi fundamental a sua dedicação ao Brasil.

Em 2015, em Porto Alegre, Brizola foi homenageado com uma estátua colocada entre o Palácio Piratini – sede do governo gaúcho – e a Catedral. A cerimônia contou com a presença de vários políticos, entre eles: os ex-governadores Alceu Colares e Germano Rigotto, o ex-senador Pedro Simon e do então governador Tarso Genro.

Para as novas gerações e para quem gosta do tema política, o blog Sou Chocolate e Não Desisto dá uma dica para conhecer sob outro ponto de vista, um pouco mais sobre a história desse homem que desafiou a Rede Globo nos anos 80 e venceu o governo do estado do Rio de Janeiro, vale a pena ler El Caudillo– um perfil biográfico do jornalista FC Leite Filho.

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UM CACIQUE INTOCÁVEL NA ALDEIA DE MCLUHAN

Marcus Cremonese, Observatório da Imprensa

Conforme largamente noticiado pela mídia internacional, no sábado, 13 de abril deste ano, numa crise aguda de esquizofrenia, um australiano matou seis pessoas e feriu outras doze, usando uma faca, num shopping centre de Sydney. Ao avançar em direção a uma policial que tentou detê-lo, ele foi abatido por ela com um tiro.

Sobre este episódio, escrevi o artigo "Uma Faca e a Liberdade de Expressão", publicado na semana seguinte pelo Observatório da Imprensa. Meu enfoque foi o tratamento dado ao fato não só pela mídia, mas especialmente pelas redes sociais.

Cerca de uma hora após o evento, o subcomissário da polícia do Estado informou que não havia nenhuma evidência nem indício de que o ocorrido tivesse sido um ato de terrorismo. No entanto, este não foi o enfoque dado ao caso por dezenas de canais. No X, um influencer postou para seus quase um milhão de seguidores "a primeira foto do terrorista que matou algumas pessoas em Sydney". E continuou: "Ele esfaqueou numa área de judeus bem próxima a um restaurante israelense”. Ou ainda, na Inglaterra, a âncora de um noticiário de TV noticiou para seu meio milhão de seguidores, também no X: "... outro ataque de terror por outro terrorista islâmico".

Dois dias depois do incidente, com imagens ainda circulando pelas redes, o governador do Estado teve uma reunião com representantes das plataformas e discutiu com seus representantes os mecanismos de bloqueio e a retirada de circulação dos vídeos feitos durante o atentado. Meta agiu de imediato e bloqueou as imagens. 

A facada seguinte

Dois dias depois, na segunda-feira 15 de abril, por volta de 19h15, um rapaz de 16 anos deu diversas facadas no bispo Mari Emmanuel, que celebrava uma missa numa igreja Cristã Ortodoxa Assíria, no bairro de Wakeley, 34 quilômetros do centro de Sydney. Foram também feridos um padre e outro participante. Recebendo diversos golpes, o bispo – que acabou perdendo a visão do olho direito – em poucos dias recebeu alta do hospital.

O sermão estava sendo transmitido ao vivo pela internet. O atacante foi subjugado pelos participantes da missa e entregue à polícia, que chegou de imediato. Graças a essa transmissão, em questão de minutos, centenas de outras pessoas, na maioria homens, rodearam a igreja para tentar tomar o agressor da guarda da polícia. O rapaz ficou detido pela polícia por cerca de uma hora, e mais de 100 policiais foram mandados para o local. A multidão chegou a agredir alguns agentes e causou danos a alguns veículos. Finalmente o detido foi também levado para o hospital com ferimentos na mão.

O bispo por vezes criticava outros ramos mais liberais das religiões cristãs, assim como também o judaísmo e o islamismo. Num vídeo feito durante o ataque, ouve-se a fala do rapaz: "Se ele não tivesse insultado o meu profeta, eu não teria vindo aqui".  Baseada nesses termos – além de outras infrações menores do rapaz – a Polícia qualificou essa sua ofensa como um caso de "extremismo de motivação religiosa".

O "X" do problema

Em vista do vasto material circulando nas plataformas, no dia 16 de abril a Comissária Julie Inman Grand, da Australia eSafety, determinou que X e Meta retirassem os vídeos dos seus canais. "Isto é realmente um conteúdo devastador e que causa danos emocionais, mentais e psicológicos". Ela agiu dentro das normas do Online Safety Act australiano e determinou essa retirada dentro de 24 horas. Meta, de novo, acatou o pedido. Mas o X preferiu outra abordagem.

Num documento de 19 de abril, a equipe de Global Government Affairs do X disse que "a ordem da Comissária Grant não estava dentro do escopo das leis australianas" e que certas postagens a ser removidas "não violam as regras do X sobre discurso violento". Enquanto outras plataformas, como Google, Microsoft, Snap e TikTok, obedeceram à decisão da comissária, a mesma equipe do X declarou que: "... X respeita o direito de um país aplicar suas leis dentro de sua jurisdição, donde a comissária do eSafety não tem autoridade para ditar qual conteúdo os usuários do X podem acessar globalmente." E prossegue: "Nós vamos contestar este approach ilegal e perigoso diante de um tribunal. Ordens de retirada global de postagens vão contra os princípios de uma internet livre e aberta e ameaçam a liberdade de fala em toda parte."

Segundo matéria do Time Magazine de 20 de abril: "Acabando de sair de uma altercação com um Juiz da Suprema Corte no Brasil, Elon Musk está agora comprando briga com o Primeiro Ministro da Austrália." O que ocorre é que tanto a legislação quanto os tratados subscritos pelas plataformas digitais se aplicam à área geográfica deste país e não ao resto do mundo. O Primeiro Ministro australiano disse em entrevista que "... ninguém quer censura aqui. O que queremos é o uso de um pouco de sensibilidade... e isso certamente não é pedir demais". Em resposta, Musk resumiu a coisa como "... um absurdo um só país tentar censurar o mundo inteiro".

Por aqui fico a imaginar Umberto Eco e Marshall McLuhan sentados numa mesa de botequim, tentando entender ou quantificar o alcance intelectual (se é que isso existe...), a postura ética, mais essa forma de soberania que hoje caracteriza esses poucos – mas cada vez mais poderosos – caciques do que veio a se tornar essa palpitante "aldeia global".

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MERCADO APERTA O CERCO SOBRE O GOVERNO LULA

André Roncaglia, Folha de S. Paulo

A Faria Lima vem cobrando sucessivos pedágios pela governabilidade

Venho alertando, desde o ano passado, que Campos Neto ameaçaria a credibilidade do Banco Central se atuasse como central sindical do rentismo. Depois de espalhar pânico no mercado com suas manifestações públicas antes da reunião do Copom de maio, ele esticou a corda ao aceitar ser ministro da Fazenda em um hipotético governo Tarcísio de Freitas; agora pôs-se a espalhar informações catastróficas sobre a situação do governo.

Encurralado pelas ações desse quinta-coluna, o Copom precisou demonstrar unanimidade na parcimônia monetária, interrompendo os cortes da Selic, a qual não deve baixar de 10,5% até 2025. A despeito da incerteza no cenário externo, havia espaço seguro para cortes, pelo menos até 9%, como mostrou meu colega Bráulio Borges em artigo recente para o Ibre-FGV.

A manutenção da Selic interrompe a queda do serviço de juros da dívida, forçando ajuste fiscal mais austero para controlar a dívida. Cresce a pressão por substituir cortes nos gastos tributários —onde campeiam os privilégios dos fiscalistas do bolso alheio— pelos cortes em benefícios sociais.

O cerco sobre o governo tende a se fechar ainda mais. Esse freio de arrumação nas políticas monetária e fiscal (com sinalização de cortes de gasto pela Fazenda) pode aliviar as restrições para o futuro presidente do BC liderar um processo robusto de queda da Selic, mas não há garantias.

Ao analisar a "arriscada diplomacia econômica" de Haddad (21/4/23), destaquei o prazo curto que o ministro teria para mostrar resultados, os quais não seriam aceitos sem resistência. O motivo é simples: a agenda do governo Lula desacelera os ganhos passivos e subtributados do rentismo. A queda da Selic e a diminuição da influência política do mercado na gestão da Petrobras forçariam os gestores de ativos financeiros a sair de sua zona de conforto e aumentar a participação de ativos de risco e investimentos produtivos em suas carteiras.

Por esse motivo, a Faria Lima vem cobrando sucessivos pedágios pela governabilidade: a redução da meta de inflação de 3,5% para 3% ao ano, a imposição de um duro ajuste fiscal (com cortes de gastos sociais) e a manutenção da criminosa privatização da Eletrobras.

Essa linha de defesa recessiva tem sido eficaz. Os números do PIB no primeiro trimestre mostram os efeitos da retranca financista: o investimento cresceu 4,1%, estimulado pelas medidas tributárias do governo e pela queda da Selic desde agosto de 2023, mas ainda está em patamar muito baixo: 16,9% do PIB.

Não fossem os dribles do governo a essa zaga barulhenta —lembrando que drible não é impedimento—, a taxa de desemprego no país não teria caído a 7,5% no trimestre móvel encerrado em abril, a menor taxa para o período desde 2014.

Entretanto, os investimentos públicos correm atrás da depreciação do capital, fruto da restrição fiscal e do feudalismo orçamentário do centrão. Com queda de 0,5% em abril, a indústria de transformação se arrasta, com o esgotamento dos incentivos ao setor. Sem queda dos juros, é impossível retomar a capacidade industrial do país, e a transição ecológica fica mais distante.

Com um presidente da República (corretamente) desobediente à censura de suas falas sobre a política monetária, o mercado elevou os prêmios de risco cobrados nos títulos da dívida pública em toda a curva de juros. Há nesse meio quem "preveja", com base em puro voluntarismo, elevação da Selic neste ano. O desespero é tanto que há suspeitas de manipulação das previsões do IPCA, no boletim Focus, a partir de 2025, sob nova presidência do BC. Se for comprovada a farsa, o rentismo terá inventado a previsão de protesto!

Exigiu-se autocrítica de Lula, mas nenhuma de Campos Neto. No debate econômico brasileiro, afinal, o pau só bate em Chico.

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