Fanatismo da lei do aborto que obriga a mulher a ter o fruto do monstro legaliza tortura da vítima
Parecia uma boa ideia: contrariar o STF e, ao mesmo tempo,
pôr nas costas de Lula e Janja o rótulo de defensores do aborto. Desgastar o
governo com a pauta de costumes era o objetivo. Desta vez, no entanto, o
petismo não mordeu a isca. Lula ficou em silêncio e Janja fez que não era com
ela até que o feitiço se voltou contra a bancada dos costumes, massacrada por
defender para a mulher estuprada o dobro da pena reservada ao abusador que
deixar em seu ventre o fruto da relação monstruosa. Só então, Lula e Janja
falaram.
Eis a miséria da política. Até aí, seria só mais um caso em
que a esperteza demasiada devorou o dono. Mas não. A ideia de obrigar mulheres
a ter filhos de estupradores atenta contra o artigo 5.º da Constituição. Lá
está: ninguém será submetido a castigo cruel ou desumano. E o que é fazer a
mulher levar no ventre a lembrança do estupro por nove meses senão a imposição
de tortura? O fanatismo dos talebans do Congresso, liderados por Sóstenes
Cavalcante, e apoiados por Arthur Lira, esbarrou em um dos maiores dilemas
humanos: a diferença entre o justo e o legal. Bertolt Brecht nos legou O
Círculo de Giz Caucasiano para mostrá-lo. A Bíblia cuida dele em Mateus: 12.
Sóstenes se comporta como os fariseus, que questionavam Jesus sobre seus
discípulos que, em um sábado, colhiam espigas para comê-las. “Se vocês
soubessem o que significam certas palavras: ‘desejo misericórdia, não
sacrifício’, não teriam condenado inocentes.” Cristo lançou o anátema à
arrogância dos que se julgam doutores: “Raça de víboras, como podem vocês, que
são maus, dizer coisas boas?”
A arrogância e o fanatismo de quem tenta usar a República
para impor suas convicções são contrários à pastoral que busca o acolhimento, o
que papa Francisco mostrou ao tratar do casamento gay: “Quem sou eu para
condenar?” A responsabilidade é indissociável do ato de julgar.
Os deputados têm todo o direito de legislar sobre crimes e
penas. Têm legitimidade. Mas, desde os gregos, a liberdade sempre foi entendida
como “eu posso” e não como “eu quero”. É por isso que, embora possam, as leis
não devem servir para impor injustiça e crueldade às vítimas da maldade do
estupro.
Hannah Arendt ensinava que o mal, para os cristãos, é um obstáculo – skandalon – que os poderes humanos não podem remover. Por isso, todo malfeitor aparece como o homem que não deveria ter nascido. “Seria melhor para ele que uma pedra de moinho fosse dependurada em seu pescoço e ele lançado ao mar.” O skandalon não pode ser reparado pelo perdão ou pela punição. O projeto taleban é um escândalo. Às vítimas de estupro, o Estado deve proteção. Enfim, uma empatia que Sóstenes e seu grupo são incapazes de sentir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário