domingo, 17 de novembro de 2024

A ESQUERDA NÃO É WOKE

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Livro sustenta que pautas identitárias parecem de esquerda, mas na verdade foram colonizadas por ideologias de direita

"A Esquerda Não É Woke", de Susan Neiman, tenta pôr um pouco de ordem filosófica à barafunda conceitual que se tornou o mundo moderno. Neiman critica as ideias que aparecem sob o rótulo de pensamento woke, por vezes também chamado de identitarismo, mas o faz com uma perspectiva de esquerda raiz (ela se declara socialista), o que a distingue de autores que foram por esse mesmo caminho com uma pegada mais conservadora (James Lindsay e Helen Pluckrose) ou liberal (John McWhorter e Yascha Mounk).

Para Neiman, o, vá lá, wokismo parece de esquerda porque surgiu de emoções originalmente ligadas a essa corrente política, como empatia para com os marginalizados, indignação em relação ao destino dos oprimidos e vontade de fazer justiça. Mas emoções sem um pouco de razão para ordená-las são um perigo.

De acordo com a autora, se analisarmos mais detidamente as bases teóricas do wokismo, veremos que elas são reacionárias e não de esquerda. O movimento, ela afirma, foi "colonizado" por ideologias de direita, que essencializam o tribalismo, identificam poder a força e também abraçam uma espécie de pessimismo metafísico. Os alvos preferenciais de Neiman são Carl Schmitt, o jurista nazista, Michel Foucault e a psicologia evolutiva, que de maneira mais direta ou indireta influenciam acultura contemporânea.

Para Neiman, existem três princípios dos quais a esquerda não pode de maneira nenhuma abrir mão: compromisso com o universalismo, uma distinção forte entre justiça e poder e a crença na possibilidade de progresso. Não vemos nenhum dos três nas variedades mais frequentes de movimentos identitários.

O texto de Neiman é didático e agradável de ler e ela é bem transparente em relação a suas preferências políticas, que nunca entram de contrabando, sendo sempre explicitadas.

Mesmo que você discorde dos pressupostos da autora, é um livro valioso, especialmente neste momento em que a esquerda, após dolorosas derrotas eleitorais, deve passar por um processo de autocrítica, se é lícito utilizar o vocabulário stalinista.

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