sexta-feira, 29 de novembro de 2024

A MONTANHA PARIU DOIS RATOS

Vera Magalhães, O Globo

É difícil prever o que Lula e Haddad podem fazer nos próximos dias para estancar a alta do dólar e a queda da Bolsa e engajar o Congresso em torno dos dois pacotes

Se o objetivo do governo era produzir um frisson com o anúncio da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, capaz de neutralizar a reação ao ajuste de despesas ao arcabouço fiscal, a montanha e a demora pariram não um, mas dois ratos.

Os destinatários da medida ficaram sem entender direito a partir de quando ela valerá e como incidirá. A explicação ficou truncada, confusa, perdida diante da necessidade de detalhar também o pacote de contenção dos gastos públicos.

O Congresso, cabreiro com a inclusão do aumento da alíquota para quem “mora na cobertura”, na metáfora usada pelo ministro Rui Costa, tratou de deixar claro que a análise da reforma sobre a renda é para o ano que vem, sem pressa.

Não houve ganho, mas sim grande prejuízo na decisão, fruto do aconselhamento dos responsáveis pelo marketing e pela comunicação do governo, de misturar alhos com bugalhos.

Lula e os ministros farão cara de indignados com a insensibilidade social do tal mercado. Mas o que vinha sendo aguardado por semanas a fio era o governo dizer como cumprirá as metas fiscais que ele próprio fixou, que o Congresso aprovou com relativa boa vontade e que o mesmo mercado malvado assimilou e tratou como razoáveis, mesmo quando muitos economistas apontavam a fragilidade da engenharia de uma proposta que apostava tudo no aumento de arrecadação e muito pouco na contenção das despesas, sobretudo as vinculadas e obrigatórias.

O enunciado que se tentou com a inclusão da isenção do IR no anúncio dos cortes, depois repetido por Lula, é que o governo está ao mesmo tempo cumprindo sua obrigação no que concerne às contas e promovendo justiça tributária. A primeira parte não é mais que sua obrigação, além de condição sem a qual o crescimento da economia não chegará aos que moram no “primeiro andar” do titular da Casa Civil. A segunda parte do enunciado envolve cálculos mais complexos e é um daqueles vespeiros que tendem a ser alvo de postergação do Congresso, dados os interesses de poderosos envolvidos.

Mais inteligente seria o governo cumprir a primeira etapa, aquela que é sua obrigação e a que se propôs ao entregar o arcabouço fiscal. Depois disso, empoderado e tendo calado a boca do tal mercado mal-humorado, apresentar ao Congresso, com calma, a reforma do Imposto de Renda, lembrando que ela foi uma promessa de campanha e que, portanto, estava no roteiro esperado.

Faria isso de forma menos atropelada e sem que Fernando Haddad fosse para a frente das câmeras visivelmente exausto depois de semanas em que teve de convencer Lula, conter a ansiedade dos agentes econômicos e, principalmente, enfrentar todo tipo de tentativa de puxar seu tapete por parte dos colegas de ministério.

É difícil prever o que Lula e Haddad podem fazer nos próximos dias para estancar a alta do dólar, a queda da Bolsa e os demais sinais de que o pacote não caiu bem entre aqueles a quem inicialmente se destinava. Isso porque são muitas as medidas que o compõem, e elas chegarão na forma de diferentes proposições legislativas — de Proposta de Emenda à Constituição a projeto de lei ordinária — num Congresso que já está às voltas com a campanha pela sucessão nas presidências das duas Casas, premido pelo calendário para aprovar o Orçamento e nem um pouco empolgado com o que foi anunciado nos últimos dois dias.

Este foi um ano de muito ruído nas relações entre o governo, Haddad à frente, e o Parlamento. Começou com a medida provisória da reoneração e do fim do Perse, na virada do ano, passou pelas tentativas fracassadas de compensar seu retalhamento e chega a esta nova etapa sem nenhuma certeza de que os dois planos serão aprovados da forma como foram concebidos. Culpar o mercado malvado e o Congresso fisiológico pelo momento vivido pelo governo é errado. Ele é fruto das escolhas de Lula. Que não agradaram nem a gregos nem a troianos.

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