É difícil prever o que Lula e Haddad podem fazer nos
próximos dias para estancar a alta do dólar e a queda da Bolsa e engajar o
Congresso em torno dos dois pacotes
Se o objetivo do governo era produzir um frisson com o
anúncio da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha
até R$ 5 mil, capaz de neutralizar a reação ao ajuste de despesas ao arcabouço
fiscal, a montanha e a demora pariram não um, mas dois ratos.
Os destinatários da medida ficaram sem entender direito a
partir de quando ela valerá e como incidirá. A explicação ficou truncada,
confusa, perdida diante da necessidade de detalhar também o pacote de contenção
dos gastos públicos.
O Congresso, cabreiro com a inclusão do aumento da alíquota
para quem “mora na cobertura”, na metáfora usada pelo ministro Rui Costa,
tratou de deixar claro que a análise da reforma sobre a renda é para o ano que
vem, sem pressa.
Não houve ganho, mas sim grande prejuízo na decisão, fruto
do aconselhamento dos responsáveis pelo marketing e pela comunicação do
governo, de misturar alhos com bugalhos.
Lula e os ministros farão cara de
indignados com a insensibilidade social do tal mercado. Mas o que vinha sendo
aguardado por semanas a fio era o governo dizer como cumprirá as metas fiscais
que ele próprio fixou, que o Congresso aprovou com relativa boa vontade e que o
mesmo mercado malvado assimilou e tratou como razoáveis, mesmo quando muitos
economistas apontavam a fragilidade da engenharia de uma proposta que apostava
tudo no aumento de arrecadação e muito pouco na contenção das despesas,
sobretudo as vinculadas e obrigatórias.
O enunciado que se tentou com a inclusão da isenção do IR no
anúncio dos cortes, depois repetido por Lula, é que o governo está ao mesmo
tempo cumprindo sua obrigação no que concerne às contas e promovendo justiça
tributária. A primeira parte não é mais que sua obrigação, além de condição sem
a qual o crescimento da economia não chegará aos que moram no “primeiro andar”
do titular da Casa Civil. A segunda parte do enunciado envolve cálculos mais
complexos e é um daqueles vespeiros que tendem a ser alvo de postergação do
Congresso, dados os interesses de poderosos envolvidos.
Mais inteligente seria o governo cumprir a primeira etapa,
aquela que é sua obrigação e a que se propôs ao entregar o arcabouço fiscal.
Depois disso, empoderado e tendo calado a boca do tal mercado mal-humorado,
apresentar ao Congresso, com calma, a reforma do Imposto de Renda, lembrando
que ela foi uma promessa de campanha e que, portanto, estava no roteiro
esperado.
Faria isso de forma menos atropelada e sem que Fernando
Haddad fosse para a frente das câmeras visivelmente exausto depois de semanas
em que teve de convencer Lula, conter a ansiedade dos agentes econômicos e,
principalmente, enfrentar todo tipo de tentativa de puxar seu tapete por parte
dos colegas de ministério.
É difícil prever o que Lula e Haddad podem fazer nos
próximos dias para estancar a alta do dólar, a queda da Bolsa e os demais
sinais de que o pacote não caiu bem entre aqueles a quem inicialmente se
destinava. Isso porque são muitas as medidas que o compõem, e elas chegarão na
forma de diferentes proposições legislativas — de Proposta de Emenda à
Constituição a projeto de lei ordinária — num Congresso que já está às voltas
com a campanha pela sucessão nas presidências das duas Casas, premido pelo
calendário para aprovar o Orçamento e nem um pouco empolgado com o que foi
anunciado nos últimos dois dias.
Este foi um ano de muito ruído nas relações entre o governo,
Haddad à frente, e o Parlamento. Começou com a medida provisória da reoneração
e do fim do Perse, na virada do ano, passou pelas tentativas fracassadas de
compensar seu retalhamento e chega a esta nova etapa sem nenhuma certeza de que
os dois planos serão aprovados da forma como foram concebidos. Culpar o mercado
malvado e o Congresso fisiológico pelo momento vivido pelo governo é errado.
Ele é fruto das escolhas de Lula. Que não agradaram nem a gregos nem a
troianos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário