O desejo de ambos é o mesmo: usar o mandato popular para
torcer as instituições da democracia liberal até que elas se dobrem à sua
vontade de poder
O bolsonarismo busca surfar a onda da vitória de Donald
Trump. Teria sido acachapante, dizem. Não foi. No voto popular, Trump venceu
Kamala Harris por cerca de 2 pontos porcentuais apenas.
Não digo isso para amenizar a preocupação com as
consequências da vitória de Trump. Os nomes até aqui indicados para posições de
primeiro escalão em sua equipe de governo confirmam que o presidente eleito não
blefava quando defendeu uma agenda de políticas extremistas na campanha. Todos
dispõem de uma ou mais das credenciais valorizadas pela extrema direita
americana. Do elenco, fazem parte desde negacionistas da ciência médica, como
Robert Kennedy Jr., nomeado ministro da Saúde, notório por sua militância contra
as vacinas, até céticos sobre a mudança climática, como Chris Wright, CEO de
uma empresa de petróleo, nomeado como ministro de Energia, passando por adeptos
de absurdas teorias conspiratórias, sem se esquecer de Elon Musk, propagador
serial de notícias falsas.
A principal das credenciais exigidas é a
lealdade absoluta ao chefe. Essa é a razão pela qual Trump indicou para a
chefia do Ministério da Justiça Matt Gaetz, um deputado da Flórida que esteve
sob investigação do FBI, por tráfico de pessoas e prostituição, entre outros
crimes, e da Comissão de Ética da Câmara, por conduta sexualmente inapropriada
e uso de drogas. Não tivesse desistido do cargo, ele estaria a serviço de
Trump, que na campanha prometeu vingar-se dos seus inimigos políticos e
anistiar os envolvidos no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Até o
momento, foram 1.500 investigados e 600 condenados à prisão. Para Trump, são
todos “patriotas”.
Nenhuma outra nomeação revela com tanta clareza quem é e o
que quer Trump em seu segundo mandato. Ele não desistirá de nomear um ministro
da Justiça que lhe seja caninamente fiel. Seu objetivo é passar uma borracha
sobre as investigações e condenações decorrentes do 6 de janeiro e assim
legitimar o uso da violência para conquistar ou manter o poder. Façam tantos
seis de janeiros quanto forem necessários. Essa é a mensagem que quer
transmitir à sua base.
“Trump is a fascist to the core” (Trump é um fascista até a
medula, em tradução livre). Quem disse essa frase não foi Nicolás Maduro, mas o
general Mark A. Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos
de 2019 a 2023, citado no livro mais recente de Bob Woodward. A mesma
designação é utilizada pelo renomado historiador do fascismo Robert Paxton. Em
entrevista ao New York Times , em 23/10/2024, ele argumenta que o fascismo não
é uma doutrina, mas uma prática política, e assinala o 6 de janeiro de 2021
como o dia em que lhe “caiu a ficha” sobre Trump e o movimento que ele lidera.
Jair Bolsonaro admira Trump. Ao saudar a vitória do
candidato republicano, chamou-o de guerreiro e comparou-se implicitamente ao
presidente eleito, “que se reergueu depois de uma perseguição judicial
injustificável”. Na mesma linha, vaticinou: “Tudo que acontece lá acaba
acontecendo aqui”. Implorando a Deus, pediu que Ele “nos conceda a chance de
concluir nossa missão”. Em conjectura mais terrena, seu filho, Eduardo, aventou
a possibilidade de a vitória de Trump “colocar um freio em Alexandre de Moraes”.
Na bajulação ao novo presidente americano, Bolsonaro não hesitou em se
apequenar (“sei que estou para ele como o Paraguai está para o Brasil”), nem em
suplicar por ajuda para “o Brasil não virar uma Venezuela”.
Diante de tanto entusiasmo, a primeira sensação é de espanto
pelo infantilismo de um expresidente do Brasil que se coloca, subserviente,
como representante de uma república das bananas. Bolsonaro mostra o significado
real do seu autodeclarado patriotismo. Pura retórica vazia. Diante do “homem
mais poderoso do mundo”, palavras dele, o ex-presidente se comporta como um
adulador que espera favores, não como o representante de um país soberano, com
instituições e interesses próprios.
Bolsonaro não apenas admira Trump, mas o inveja. O novo
presidente dos Estados Unidos pôde ser candidato porque as leis americanas
permitem que condenados possam disputar cargos eletivos. Ao vencer as eleições,
o presidente eleito livrou-se dos processos judiciais que ameaçavam levá-lo à
prisão. Da Casa Branca, tentará instrumentalizar a Justiça americana,
perseguindo “inimigos”, anistiando “patriotas”.
É nisso que Bolsonaro pensa. Foi o que disse a uma rádio
bolsonarista: “O Trump agora tem maioria no Senado. Nós vamos partir para uma
revolução em 2026. Podemos ter, sim, uma bancada enorme de senadores e
deputados. Tem tudo para acontecer”.
O desejo de Bolsonaro é o mesmo de Trump: usar o mandato
popular para torcer as instituições da democracia liberal até que elas se
dobrem à sua idiossincrática, caprichosa e arbitrária vontade de poder. Trump
tentará uma segunda vez, com ainda maior ímpeto. Bolsonaro gostaria de fazê-lo.
É disso que fala quando afirma “nós vamos partir para uma revolução em 2026”.
Mais claro, impossível.
Na bajulação a Trump, Bolsonaro se mostrou por inteiro.
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