sábado, 23 de novembro de 2024

BAJULANDO TRUMP, BOLSONARO DIZ O QUE QUER

Sergio Fausto, O Estado de S. Paulo

O desejo de ambos é o mesmo: usar o mandato popular para torcer as instituições da democracia liberal até que elas se dobrem à sua vontade de poder

O bolsonarismo busca surfar a onda da vitória de Donald Trump. Teria sido acachapante, dizem. Não foi. No voto popular, Trump venceu Kamala Harris por cerca de 2 pontos porcentuais apenas.

Não digo isso para amenizar a preocupação com as consequências da vitória de Trump. Os nomes até aqui indicados para posições de primeiro escalão em sua equipe de governo confirmam que o presidente eleito não blefava quando defendeu uma agenda de políticas extremistas na campanha. Todos dispõem de uma ou mais das credenciais valorizadas pela extrema direita americana. Do elenco, fazem parte desde negacionistas da ciência médica, como Robert Kennedy Jr., nomeado ministro da Saúde, notório por sua militância contra as vacinas, até céticos sobre a mudança climática, como Chris Wright, CEO de uma empresa de petróleo, nomeado como ministro de Energia, passando por adeptos de absurdas teorias conspiratórias, sem se esquecer de Elon Musk, propagador serial de notícias falsas.

A principal das credenciais exigidas é a lealdade absoluta ao chefe. Essa é a razão pela qual Trump indicou para a chefia do Ministério da Justiça Matt Gaetz, um deputado da Flórida que esteve sob investigação do FBI, por tráfico de pessoas e prostituição, entre outros crimes, e da Comissão de Ética da Câmara, por conduta sexualmente inapropriada e uso de drogas. Não tivesse desistido do cargo, ele estaria a serviço de Trump, que na campanha prometeu vingar-se dos seus inimigos políticos e anistiar os envolvidos no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Até o momento, foram 1.500 investigados e 600 condenados à prisão. Para Trump, são todos “patriotas”.

Nenhuma outra nomeação revela com tanta clareza quem é e o que quer Trump em seu segundo mandato. Ele não desistirá de nomear um ministro da Justiça que lhe seja caninamente fiel. Seu objetivo é passar uma borracha sobre as investigações e condenações decorrentes do 6 de janeiro e assim legitimar o uso da violência para conquistar ou manter o poder. Façam tantos seis de janeiros quanto forem necessários. Essa é a mensagem que quer transmitir à sua base.

“Trump is a fascist to the core” (Trump é um fascista até a medula, em tradução livre). Quem disse essa frase não foi Nicolás Maduro, mas o general Mark A. Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos de 2019 a 2023, citado no livro mais recente de Bob Woodward. A mesma designação é utilizada pelo renomado historiador do fascismo Robert Paxton. Em entrevista ao New York Times , em 23/10/2024, ele argumenta que o fascismo não é uma doutrina, mas uma prática política, e assinala o 6 de janeiro de 2021 como o dia em que lhe “caiu a ficha” sobre Trump e o movimento que ele lidera.

Jair Bolsonaro admira Trump. Ao saudar a vitória do candidato republicano, chamou-o de guerreiro e comparou-se implicitamente ao presidente eleito, “que se reergueu depois de uma perseguição judicial injustificável”. Na mesma linha, vaticinou: “Tudo que acontece lá acaba acontecendo aqui”. Implorando a Deus, pediu que Ele “nos conceda a chance de concluir nossa missão”. Em conjectura mais terrena, seu filho, Eduardo, aventou a possibilidade de a vitória de Trump “colocar um freio em Alexandre de Moraes”. Na bajulação ao novo presidente americano, Bolsonaro não hesitou em se apequenar (“sei que estou para ele como o Paraguai está para o Brasil”), nem em suplicar por ajuda para “o Brasil não virar uma Venezuela”.

Diante de tanto entusiasmo, a primeira sensação é de espanto pelo infantilismo de um expresidente do Brasil que se coloca, subserviente, como representante de uma república das bananas. Bolsonaro mostra o significado real do seu autodeclarado patriotismo. Pura retórica vazia. Diante do “homem mais poderoso do mundo”, palavras dele, o ex-presidente se comporta como um adulador que espera favores, não como o representante de um país soberano, com instituições e interesses próprios.

Bolsonaro não apenas admira Trump, mas o inveja. O novo presidente dos Estados Unidos pôde ser candidato porque as leis americanas permitem que condenados possam disputar cargos eletivos. Ao vencer as eleições, o presidente eleito livrou-se dos processos judiciais que ameaçavam levá-lo à prisão. Da Casa Branca, tentará instrumentalizar a Justiça americana, perseguindo “inimigos”, anistiando “patriotas”.

É nisso que Bolsonaro pensa. Foi o que disse a uma rádio bolsonarista: “O Trump agora tem maioria no Senado. Nós vamos partir para uma revolução em 2026. Podemos ter, sim, uma bancada enorme de senadores e deputados. Tem tudo para acontecer”.

O desejo de Bolsonaro é o mesmo de Trump: usar o mandato popular para torcer as instituições da democracia liberal até que elas se dobrem à sua idiossincrática, caprichosa e arbitrária vontade de poder. Trump tentará uma segunda vez, com ainda maior ímpeto. Bolsonaro gostaria de fazê-lo. É disso que fala quando afirma “nós vamos partir para uma revolução em 2026”. Mais claro, impossível.

Na bajulação a Trump, Bolsonaro se mostrou por inteiro.

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