Os chineses tentam atrair a adesão do Brasil ao programa
há anos. Até agora, os governos brasileiros resistiram, por razões econômicas e
geopolíticas
O Brasil está mais perto da Rota da Seda, ou vice-versa, com
a assinatura de 37 novos acordos bilaterais com a China, no
encontro entre o presidente chinês Xi Jinping e o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, durante a visita de Estado do líder asiático, que foi recebido com
honras militares no Palácio da Alvorada, residência oficial. Eles se
reuniram a portas fechadas com a participação de diversos ministros de ambos os
países. Os acordos alcançam as seguintes áreas: agricultura, comércio,
investimentos, infraestrutura, indústria, energia, mineração, finanças, ciência
e tecnologia, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes,
saúde, educação e cultura.
Lula destacou que, apesar das distâncias geográficas, há
meio século China e Brasil "cultivam uma amizade estratégica, baseada
em interesses
compartilhados e visões de mundo próximas". Maior parceiro comercial do
Brasil desde 2009, o comércio com a China teve, em 2023, o recorde
histórico de US$ 157 bilhões. "O superavit com a China é responsável por
mais da metade do saldo comercial global brasileiro", lembrou Lula. Para
Xi Jinping, a relação entre os dois países vive o seu melhor momento na
história.
"Mantive uma reunião cordial, amistosa
e frutífera com o presidente Lula. Fizemos uma retrospectiva do relacionamento
da China com o Brasil ao longo dos últimos 50 anos. Coincidimos que este
relacionamento está no melhor momento da história. Tem uma projeção global
estratégica e de longo prazo cada vez mais destacada. E estabeleceu um exemplo
para avançarem juntos com solidariedade e cooperação, entre os grandes países
em desenvolvimento", disse Xi Jinping.
Como se sabe, os chineses não têm pressa, têm estratégia. A
relação bilateral sino-brasileira adquiriu o status diplomático de
"Comunidade de Futuro Compartilhado por um Mundo mais Justo e um Planeta
Sustentável". Isso significa uma projeção para os próximos 50 anos em
áreas como infraestrutura sustentável, transição energética, inteligência
artificial, economia digital, saúde e indústria aeroespacial. Os programas de
desenvolvimento Nova Indústria Brasil (NIB), de Aceleração do Crescimento (PAC),
de Rotas da Integração Sul-Americana, além do Plano de Transformação Ecológica
serão objeto de sinergia entre os dois países, principalmente com a Iniciativa
Cinturão e Rota, conhecida como a Nova Rota da Seda.
Brasil e China são os dois maiores países em desenvolvimento
da Ásia e da América do Sul, com posições de liderança no chamado Sul Global,
que abarca as nações pobres ou em desenvolvimento da América Latina, África e
Ásia. Jinping também quer estreitar a relação de colaboração com o Brasil em
fóruns multilaterais, como Nações Unidas, G20 e Brics, "enfrentando a fome
e a pobreza". Isso é música para Lula e o agronegócio brasileiro. Xi
Jinping deve voltar mais duas vezes Brasil, em 2025, uma para participar da
Cúpula do Brics, em julho, e outra para a Conferência das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas (COP30), em Belém. Até lá, a geopolítica mundial estará
muito alterada, por causa do governo de Donald Trump.
Pragmatismo diplomático
Nos bastidores, a agenda mais importante foi a não entrada
do Brasil na Nova Rota da Seda, o trilionário projeto chinês iniciado em 2013,
que prevê a realização de obras e investimentos para ampliar a presença do país
no mercado mundial. Os chineses tentam atrair a adesão do Brasil ao programa há
anos. Até agora, os governos brasileiros resistiram, por razões econômicas e
geopolíticas: no primeiro caso, a China é concorrente e vem ocupando mercados
que eram da indústria brasileira na América Latina; a segunda, a necessidade de
manter boas relações com os Estados Unidos e a União Europeia, mercados
importantes para as manufaturas e proteínas brasileiras. É um equilíbrio
delicado, pois se trata de tirar partido da guerra comercial entre os Estados
Unidos e a China, e não aderir a um dos lados.
A ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que comanda o Novo
Banco de Desenvolvimento (NDB), conhecido como Banco do Brics, e o assessor
especial Celso Amorim, no governo brasileiro, são entusiastas de uma maior
aproximação com a China, mas, até agora, tem prevalecido a tradicional
estratégia de independência e pragmatismo do Itamaraty. Num cenário
internacional conturbado, com Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos,
manter uma posição equidistante da guerra comercial entre as duas maiores
economias do mundo não será nada fácil.
A Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative, em inglês)
investe pesadamente em obras de infraestrutura, como rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, produção e linhas de transmissão de energia, oleodutos e
gasodutos, que conectam a Ásia à Europa. Agora, a China visa os países da
África e da América Latina, como é o caso do megaporto inaugurado na semana
passada por Xi Jinping no Peru. Atualmente, 147 países aderiram ou demonstraram
interesse em integrar o plano, o que representa dois terços da população mundial
e 40% do PIB global.
Na América Latina, em torno de 20 países integram a
iniciativa, incluindo a Argentina, que assinou um memorando de adesão em abril
de 2022. O presidente argentino Javier Milei reuniu-se bilateralmente com Xi
Jinping na segunda-feira, no Rio de Janeiro, durante o G20. Entretanto, Donald
Trump já anunciou que aumentará as tarifas sobre as importações de países que
aderirem à Rota da Seda. Os Estados Unidos são o principal destino de nossas
manufaturas, que geram mais empregos e têm mais valor agregado do que minério
de ferro e produtos agrícolas in natura. Em 2023, a os chineses investiram US$
1,73 bilhão no país, um aumento de 33% em relação a 2022, segundo o Conselho
Empresarial Brasil-China (CEBC).
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