Com avanço das investigações contra o ex-presidente,
aumentaram as chances de o governo aprovar ajuste fiscal ainda neste ano
O avanço das investigações contra o ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) deve impactar a agenda do Congresso. Aumentaram as chances de o
governo aprovar um pacote duro de ajuste fiscal ainda este ano, mesmo que
implique mudanças legislativas com quórum qualificado, como propostas de
emendas constitucionais e projetos de leis complementares.
O corte de gastos politicamente atenderia aos partidos do
Centrão em três camadas: a primeira é se distanciar do bolsonarismo radical,
que domina o PL, está enraizado no PP e no Republicanos e tem ramificações no
União Brasil, PSD e MDB, entre os principais partidos. A segunda é fazer isso
em uma pauta que reforçaria os elos da elite parlamentar com o empresariado e o
sistema financeiro, que apontam há muito tempo para a falta de consistência do
arcabouço fiscal. E a terceira é colocar o PT na constrangedora posição de
endossar medidas que contrariam a sua base eleitoral e nunca foram defendidas
pela sigla.
O governo iniciou o mês politicamente encurralado. O mau
resultado da esquerda nas eleições municipais de outubro e a vitória de Donald
Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos abriram perspectivas de
poder para a oposição. O Centrão praticamente garantiu o comando futuro da
Câmara e do Senado ao se unificar em torno das candidaturas do deputado Hugo
Motta (Republicanos-PB) e do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) para as
presidências das Mesas Diretoras, sem assumir compromissos significativos nem
com o governo, nem com o bolsonarismo.
A oposição iniciou uma ofensiva para
restaurar a elegibilidade de Bolsonaro em dois níveis. No plano interno,
aumentando as articulações para a aprovação do projeto de lei de anistia aos
envolvidos no 8 de janeiro, que com uma emenda poderia beneficiar o
ex-presidente, e no plano externo tentando envolver Trump e o Partido
Republicano nesta batalha.
O plano de ajuste fiscal concebido pelo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, e pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, deparou-se com
a resistência dos militares em aceitarem mudanças em seu regime previdenciário
e sofreu uma dura derrota no Congresso com a aprovação, na Câmara e no Senado,
do projeto que impede o bloqueio orçamentário de emendas parlamentares de
comissão. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva planejava diluir o ônus
político do corte de gastos, mas ele ficou todo concentrado no Executivo. Um
dos fatores que impulsiona o ajuste fiscal é exatamente deixar o Congresso com
fatia cada vez maior do Orçamento. “Para que as emendas parlamentares se
ampliem, é preciso criar margem para isso reduzindo outras despesas”, comentou
o consultor Antônio Augusto de Queiroz, ligado ao movimento sindical.
A revelação no dia 19 de que houve um plano de militares
para assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes e o indiciamento pela Polícia
Federal do ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por suposta
tentativa de golpe em 2022 mudou a equação política. “O governo pode fazer dos
limões uma limonada”, comentou o analista político Rafael Cortez, da
consultoria Tendências. Mas sem ilusões para o Palácio do Planalto. O governo
saiu das cordas, mas ainda está em desvantagem na contagem de rounds.
O bolsonarismo vive um momento de reversão de
expectativas
Se interessa ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
enviar um sinal de normalidade institucional no momento em que o bolsonarismo
está acuado, a pauta da Casa está mais do que nunca em suas mãos. “O pacote
depende de atalhos legislativos bem conhecidos por Lira, como a criação de
grupos de trabalho para contornar as comissões permanentes e o apensamento da
proposta a outras matérias em estágio de tramitação mais avançado”, opinou
Rafael Cortez. Ele lembra que o governo não se voltou voluntariamente para uma
estratégia de cortes em despesas obrigatórias. Está sendo levado a isso.
Também estará nas mãos de Lira e do presidente do Senado
Rodrigo Pacheco (PSD-MG) a aprovação a toque de caixa da regulamentação da
reforma tributária, um tema que neste momento tende a interessar menos ao
governo diante da urgência do ajuste fiscal.
Analistas políticos divergem em relação a essa pauta. Para
Queiroz, a regulamentação da reforma deve passar. “É do interesse de Lira e
Pacheco que este tema se resolva em suas presidências, não na de seus
sucessores”, diz. Para Cortez, pode ficar em segundo plano. O fato é que a
regulamentação da reforma tributária neste momento está na fase de pressão de
setores que sentem atingidos para que Câmara e Senado criem exceções à regra
dos impostos que não conseguiram emplacar quando a emenda constitucional foi votada.
É absolutamente certo que o Senado fará modificações em relação ao que foi
aprovado na Câmara e não pode ser descartado o risco de desentendimento entre
as duas Casas. Creomar de Souza, da consultoria Dharma, é ainda mais reticente
e afirma que apenas o Orçamento pode ser aprovado ainda em 2024.
O bolsonarismo vive um momento de reversão de expectativas.
O indiciamento do presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, no mesmo
inquérito de Bolsonaro, deve radicalizar o partido no Congresso, tornando-o
mais monolítico em torno do ex-presidente. Ao mesmo tempo, tende a esgarçar os
laços do principal partido de oposição com as legendas do Centrão, deixando-o
mais isolado. Valdemar em diversas ocasiões serviu de contraponto a Bolsonaro.
O clima para aprovação de um projeto de anistia, contudo, desapareceu e a
manutenção da inelegibilidade de Bolsonaro tornou-se o cenário mais provável.
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