Atitudes de quem não tem cargo público podem, por
vínculos familiares, atrapalhar ações de um governo
Rosângela Lula da Silva, a Janja, soltou um f**k you para
Elon Musk, criando uma dor de cabeça para o Itamaraty. O próprio Lula, que
tenta driblar vários touros ao mesmo tempo nas negociações para a declaração
final do G20, teve de vir a público para pedir que ninguém xingue ninguém.
Estou terminando de ler "O Mundo", de Simon Sebag
Montefiori, livro ao qual ainda dedicarei uma coluna. O autor mostra com muitos
exemplos que um ponto fraco dos regimes hereditários é a variação geracional. O
filho de um grande monarca pode ser e frequentemente é um completo imbecil
(casamentos consanguíneos ampliam essa possibilidade).Mesmo quando o contraste
não é tão gritante, um bom governante pode ter como herdeiro um sujeito sem
gosto ou aptidão para o poder. Sistemas políticos em que o líder é escolhido
por um seletorado estão menos sujeitos aos caprichos da loteria cósmica. E
quanto mais amplos o seletorado e o rol dos candidatos, menores as chances de
interesses individuais, familiares ou setoriais darem as cartas.
Nesse contexto, o presidencialismo surgiu
como uma melhoria em relação às monarquias hereditárias em que o soberano
exerce o poder de fato. Mas presidentes ainda são em muitos aspectos tratados
como reis por prazo fixo. O próprio entorno presidencial (família, amigos,
conselheiros) ganha ares de corte.
O parlamentarismo aprofunda o processo de despersonalização
do poder. O premiê é muito mais o gerente provisório de uma coalizão vencedora
do que um indivíduo investido de poder político e simbólico em caráter pessoal.
É só ver que prestamos muito mais atenção ao que diz e faz uma primeira-dama do
que aos ditos e ações de consortes de premiês, que muitas vezes mal saem do
anonimato.
Janja tem, como cidadã, o direito de dizer o que pensa e
pode, como qualquer humano, falar mais do que deveria. Mas é ruim que atitudes
de uma pessoa que não exerce função pública possam, por vínculos familiares,
contaminar estratégias e ações de um governo.
O poder, a exemplo da burocracia, deveria ser tão impessoal
quanto possível.
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