quarta-feira, 27 de novembro de 2024

DONALD TRUMP E A ALIMENTAÇÃO BRASILEIRA

Vinicius Torres Freire, Folha de S. Paulo

Inflação de alimentos não para, republicano anuncia confusão, dólar fica nas alturas

Donald Trump já prometeu aumentar imposto sobre produtos importados de México, Canadá e China. Mais do que nunca, guerra comercial de outros países deixou de ser assunto distante da nossa vidinha de ir ao supermercado e de pagar contas. A depender do que o presidente eleito dos EUA de fato vier a fazer, o conflito no comércio pode derrubar uma sequência de dominós que vai afetar o preço do dólar aqui e, pois, a inflação.

O caldo econômico pode ficar azedo para a política, para o governismo. A carestia não está descabelada. Mas o IPCA está bem acima da meta do Banco Central. Inflação perto de 5% neste ano aumenta a "inércia" (remarcação de preço pela inflação passada, por hábito ou por contrato).

É muito provável que a Selic, a "taxa do BC", passe a subir mais rapidamente (0,75 ponto percentual, em vez de 0,5). Mesmo que o pacote fiscal de Fernando Haddad seja razoável, não vai provocar grande descompressão em juros e dólar. De resto, o efeito deve demorar um pouco a aparecer porque o pacote depende do Congresso. Enfim, os credores do governo ("mercado") esperam agora apenas um bom remendo que dure até 2026; que a discussão de conserto maior e com efeito positivo maior virá apenas em 2027. Próximo governo.

O dólar já viajou para a casa dos R$ 5,80, onde estacionou. Em meados do ano, R$ 5,40 era considerado um preço preocupante para a inflação. Pois bem. O dólar caro já aparece nos preços mais altos para o consumidor.

Em novembro, a inflação foi a 4,8% ao ano (na medida do IPCA-15). A meta é 3%. A inflação da comida ("alimentação no domicílio") chegou a 7,7% ao ano (carnes em alta de mais de 11%; café, mais de 30%; arroz, quase 20%). Era zero em janeiro.

Parte dessa alta é efeito de seca sobre rebanhos, sobre o preço da eletricidade ou de tempo ruim para outras culturas.

O efeito da seca pode refluir. No entanto, sem arrumação na política fiscal (gasto e receita), o dólar caro pode anular essa melhora. Mas o dólar vai também depender muito do tumulto que Trump pode vir a causar.

Trump é negociador e jogador. Talvez tenha desde já ameaçado México e Canadá com aumento de impostos de importação ("tarifas") a fim de conseguir a barganha que pretende, exigindo enfim uma alta de imposto menos drástica até mesmo da China. Mas Trump ameaça os três países de que mais os americanos compram bens, quase 45% do total das importações. Impostos mais altos vão chegar aos preços.

É preciso lembrar que os EUA têm acordo de livre-comércio com México e Canadá, nem tão livre assim depois da revisão de 2020, exigida por Trump 1. Se bate assim em parceiros enormes e vizinhos, o que fará com o restante do mundo?

Trump é imprevisível. O tempo para a agropecuária e para o lago das usinas hidrelétricas também. Se não há folga para acomodar esses e outros possíveis choques, há risco de inflação maior. É onde estamos agora.

Uma folga pode advir da decisão de contar o ritmo do aumento de gastos. De outro modo, vai depender de taxas de juros de curto prazo, do BC, de Selic bem mais alta: 14%? As taxas de prazo mais longo na praça financeira já estão em níveis de arrocho e de alta feia dos custos de financiamento do governo.

Não há mais gordura para queimar, para erros. Podemos ter sorte: mais chuva, menos trumpismo. Vamos arriscar?

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