Desfecho jurídico está distante, mas consequências
políticas são imediatas
O inquérito policial que indicia o ex-presidente Jair
Bolsonaro e outras 36 pessoas na investigação sobre golpe de Estado por si só
tem um significado limitado. Juridicamente, é “o começo do começo do começo do
início”, conforme postou ontem em sua rede social o advogado Augusto de Arruda
Botelho, ex-secretário nacional de Justiça. Afinal, ainda se requer que a
denúncia seja apresentada pela Procuradoria-Geral da República e que eventuais
medidas cautelares sejam decididas posteriormente pelo relator da matéria no
Supremo Tribunal Federal, Alexandre Moraes, para que o caso se aproxime do
momento de um desfecho. Politicamente, contudo, o simples indiciamento gera
consequências imediatas.
Uma delas é que agora se tem um sinal definitivo de qual é o
universo de personagens deste enredo e de que todas as frentes contra Bolsonaro
devem se interligar em um movimento único, da venda de joias à contestação do
resultado eleitoral, passando pela conspiração para eliminar autoridades,
minutas do golpe e depredação das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro. O
circuito se fecha.
Pode ser um momento definidor para as
discussões sobre o projeto de anistia aos envolvidos no 8 de janeiro que
tramita na Câmara. Fica mais difícil ao bolsonarismo colocar de contrabando a
salvação de Bolsonaro dentro da proposta, por meio de uma emenda a um projeto,
que, em sua essência, visa corrigir excessos do Judiciário contra pessoas
comuns, que, movidas por fanatismo e por exibicionismo, vandalizaram Brasília e
publicaram suas façanhas nas redes sociais.
Desta vez não se trata de “dona Fátima de Tubarão”, como
ficou conhecida a senhora de 67 anos que defecou no prédio do Supremo Tribunal
Federal e surgiu em um vídeo prometendo “pegar o Xandão”. O que está no
indiciamento e poderá estar em julgamento são um ex-presidente, um deputado
federal (Alexandre Ramagem), o presidente nacional do principal partido de
oposição (Valdemar Costa Neto), um almirante, sete generais, sete coronéis,
sete tenentes-coronéis, dois majores e um subtenente. Um dos generais, Nilton
Diniz Rodrigues, está no serviço ativo. Comanda a 2ª Brigada de Infantaria da
Selva, em São Gabriel da Cachoeira (AM), região fronteiriça.
O custo político para os bolsonaristas aprovarem a anistia
aumentou exponencialmente. Um dos pontos polêmicos do ajuste fiscal prometido
pelo governo, o da reforma previdenciária dos militares, pode tramitar mais
facilmente, diante da fragilização das Forças Armadas. Há quem aposte em um
movimento de descolamento de lideranças do Centrão em relação à direita dura.
“A elite parlamentar deve tentar dar um sinal de normalidade”, opina Rafael
Cortez, da empresa de consultoria Tendências.
O ex-presidente Jair Bolsonaro tende a se projetar com mais
força como candidato a presidente em 2026, esticando a corda o máximo possível.
Aumenta a chance de se repetir a estratégia do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que levou adiante até a 25ª hora uma candidatura presidencial em 2018,
mesmo estando claramente inelegível.
É a tática do general Ferdinand Foch, comandante do exército
francês na Primeira Guerra Mundial, a quem se atribui a frase: “Cercado,
ataco”. Há muitos estímulos para ele em uma radicalização. Quem está a perder
uma guerra negocia em uma posição muito adversa se não conseguir partir para a
ofensiva. É um “tudo ou nada” arriscado. Lula assistiu da cadeia a derrota de
seu partido em 2018. Cem anos antes, Foch aceitou a rendição incondicional
alemã.
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