sexta-feira, 22 de novembro de 2024

INDICIAMENTO FECHA PORTA PARA A ANISTIA

César Felício, Valor Econômico

Desfecho jurídico está distante, mas consequências políticas são imediatas

O inquérito policial que indicia o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas na investigação sobre golpe de Estado por si só tem um significado limitado. Juridicamente, é “o começo do começo do começo do início”, conforme postou ontem em sua rede social o advogado Augusto de Arruda Botelho, ex-secretário nacional de Justiça. Afinal, ainda se requer que a denúncia seja apresentada pela Procuradoria-Geral da República e que eventuais medidas cautelares sejam decididas posteriormente pelo relator da matéria no Supremo Tribunal Federal, Alexandre Moraes, para que o caso se aproxime do momento de um desfecho. Politicamente, contudo, o simples indiciamento gera consequências imediatas.

Uma delas é que agora se tem um sinal definitivo de qual é o universo de personagens deste enredo e de que todas as frentes contra Bolsonaro devem se interligar em um movimento único, da venda de joias à contestação do resultado eleitoral, passando pela conspiração para eliminar autoridades, minutas do golpe e depredação das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro. O circuito se fecha.

Pode ser um momento definidor para as discussões sobre o projeto de anistia aos envolvidos no 8 de janeiro que tramita na Câmara. Fica mais difícil ao bolsonarismo colocar de contrabando a salvação de Bolsonaro dentro da proposta, por meio de uma emenda a um projeto, que, em sua essência, visa corrigir excessos do Judiciário contra pessoas comuns, que, movidas por fanatismo e por exibicionismo, vandalizaram Brasília e publicaram suas façanhas nas redes sociais.

Desta vez não se trata de “dona Fátima de Tubarão”, como ficou conhecida a senhora de 67 anos que defecou no prédio do Supremo Tribunal Federal e surgiu em um vídeo prometendo “pegar o Xandão”. O que está no indiciamento e poderá estar em julgamento são um ex-presidente, um deputado federal (Alexandre Ramagem), o presidente nacional do principal partido de oposição (Valdemar Costa Neto), um almirante, sete generais, sete coronéis, sete tenentes-coronéis, dois majores e um subtenente. Um dos generais, Nilton Diniz Rodrigues, está no serviço ativo. Comanda a 2ª Brigada de Infantaria da Selva, em São Gabriel da Cachoeira (AM), região fronteiriça.

O custo político para os bolsonaristas aprovarem a anistia aumentou exponencialmente. Um dos pontos polêmicos do ajuste fiscal prometido pelo governo, o da reforma previdenciária dos militares, pode tramitar mais facilmente, diante da fragilização das Forças Armadas. Há quem aposte em um movimento de descolamento de lideranças do Centrão em relação à direita dura. “A elite parlamentar deve tentar dar um sinal de normalidade”, opina Rafael Cortez, da empresa de consultoria Tendências.

O ex-presidente Jair Bolsonaro tende a se projetar com mais força como candidato a presidente em 2026, esticando a corda o máximo possível. Aumenta a chance de se repetir a estratégia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que levou adiante até a 25ª hora uma candidatura presidencial em 2018, mesmo estando claramente inelegível.

É a tática do general Ferdinand Foch, comandante do exército francês na Primeira Guerra Mundial, a quem se atribui a frase: “Cercado, ataco”. Há muitos estímulos para ele em uma radicalização. Quem está a perder uma guerra negocia em uma posição muito adversa se não conseguir partir para a ofensiva. É um “tudo ou nada” arriscado. Lula assistiu da cadeia a derrota de seu partido em 2018. Cem anos antes, Foch aceitou a rendição incondicional alemã.

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