Cenário mais provável é um mundo em que as potências
médias exerçam uma força compensatória considerável, impedindo assim que EUA e
China imponham seus interesses aos outros
A ascensão da China desafiou a hegemonia incontestável dos
Estados Unidos sobre a economia mundial - status do qual os EUA desfrutam desde
o colapso da União Soviética. Enquanto algumas elites americanas de segurança
nacional buscam manter a primazia dos EUA, outras parecem resignadas a um mundo
cada vez mais bipolar. Um resultado mais provável, no entanto, é um mundo
multipolar em que as potências médias exerçam uma força compensatória
considerável, impedindo assim que EUA e China imponham seus interesses aos
outros.
As potências médias incluem a Índia, a Indonésia, o Brasil,
a África do Sul, a Turquia e a Nigéria - todas grandes economias com presença
significativa na economia global ou em suas regiões. Elas estão longe de ser
ricas - na verdade, representam uma parcela significativa das pessoas mais
pobres do mundo -, mas também têm classes médias grandes e voltadas para o
consumo e capacidades tecnológicas consideráveis. O PIB combinado (em termos
ajustados pelo poder de compra) dos seis países mencionados acima já supera o
dos EUA e a projeção é de que cresça 50% até 2029.
Normalmente, esses países têm políticas
externas distintas que rejeitam o alinhamento claro com os EUA ou com a China.
Ao contrário do que muitos nos EUA acreditam, as potências médias não têm
grande afinidade com a China, nem querem se aproximar dela às custas de seu
relacionamento com os EUA. De fato, na medida em que elas se aproximaram da
China, isso se deve à política dos EUA. O armamento dos Estados Unidos com seu
poder comercial e financeiro os impeliu a proteger suas apostas.
Os líderes das potências médias não querem um mundo em que
sejam forçados a tomar partido. “Recusamo-nos a ser um peão numa nova guerra
fria”, diz o ex-presidente da Indonésia Joko Widodo. Em vez disso, elas querem
construir relações multidimensionais de comércio e investimento, selecionando
em um menu de opções que não seja artificialmente restrito por nenhuma
rivalidade entre grandes potências. Muitos acreditam, assim como Rana Foroohar,
do Financial Times, que “os EUA não são uma âncora para a estabilidade, mas sim
um risco contra o qual é preciso se proteger”.
Com as economias avançadas cada vez mais voltadas para o
interior, as potências médias se tornaram as campeãs naturais dos bens públicos
globais. Elas estão bem posicionadas para liderar a defesa de ações em relação
às mudanças climáticas, à saúde pública e ao endividamento. Um bom exemplo é a
pressão do Brasil por um imposto global sobre a riqueza dos bilionários durante
sua presidência do G20. A proposta em análise arrecadaria centenas de bilhões
de dólares e poderia desempenhar um papel importante para preencher a lacuna no
financiamento climático para países de baixa renda.
É improvável que as potências médias se tornem um bloco
formidável por si só, principalmente porque seus interesses são muito diversos
para se encaixarem numa agenda econômica ou de segurança comum. Mesmo quando se
juntaram a grupos formais, seu impacto coletivo foi limitado. O Brics
(originalmente Brasil, Rússia, Índia, China e, mais tarde, África do Sul) foi
lançado com grande alarde em 2009, mas pouco conseguiu além de proporcionar
oportunidades de fotos para seus líderes.
Recentemente, o Brics se expandiu para incluir mais quatro
países: Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos, e outros podem se juntar.
Mas é difícil ver como um grupo de países tão heterogêneo pode agir em conjunto
de forma consistente. O pior resultado é que o agrupamento reforçará até mesmo
os impulsos autocráticos dos líderes dos Estados-membros eleitos
democraticamente.
Talvez a contribuição mais importante das potências
médias seja mostrar a viabilidade da multipolaridade e dos diversos caminhos de
desenvolvimento na ordem global. Elas trazem uma visão que não depende do poder
e da boa vontade dos EUA ou da China
Uma visão comum entre economistas e cientistas políticos é
que uma economia global saudável e estável precisa de um hegemon - seja os EUA
depois de 1945 ou a Grã-Bretanha durante o padrão-ouro. De acordo com a teoria
da “estabilidade hegemônica”, é necessária uma potência superveniente para
arcar com os custos da administração de uma economia mundial aberta, como a
manutenção de rotas marítimas abertas ou a aplicação de regras comerciais e o
livre fluxo financeiro. Dessa forma, a multipolaridade é uma receita para o
caos e a desintegração econômica.
Mas essa é uma visão ultrapassada de como o mundo atual
funciona. Embora a combinação específica de abertura e proteção varie de modo
natural entre os países, nenhum país tem interesse em dar as costas à economia
global. Os governos devem equilibrar os benefícios do comércio aberto com o
apoio que seus setores podem precisar para desenvolver novas capacidades. Cada
país é o seu melhor juiz quando se trata dos termos em que participa da
economia mundial.
Seria bom ter um mundo em que os EUA, talvez acompanhados
pela China, de fato fornecessem bens públicos globais, como o financiamento em
condições favoráveis e o acesso à tecnologia de que os países em
desenvolvimento precisam para a mitigação e a adaptação ao clima. Mas esse não
é o mundo que temos. Os EUA e outras grandes economias estão lamentavelmente
mal dispostos a fornecer os bens públicos de que a economia mundial precisa de
verdade e, dado o clima em suas capitais hoje, é improvável que essa disposição
melhore tão cedo.
Além disso, como muitas potências médias aprenderam com a
experiência, o poder hegemônico pode ser usado tanto por motivos coercitivos
quanto por motivos benevolentes. Ele pode ser empregado para impor regras do
jogo que não atendam aos seus interesses - e que o hegemon desrespeita sempre
tão logo elas se tornam inconvenientes - ou para punir países que não se
alinham com os objetivos da política externa do hegemon, como no caso da
internacionalização das sanções dos EUA contra o Irã e a Rússia.
Talvez a contribuição mais importante que as potências
médias possam fazer seja demonstrar, por meio de seu exemplo, a viabilidade da
multipolaridade e dos diversos caminhos de desenvolvimento na ordem global.
Elas trazem uma visão para a economia mundial que não depende do poder e da boa
vontade dos Estados Unidos ou da China. No entanto, para que as potências
médias sejam modelos dignos para os outros, elas devem se tornar atores
responsáveis - tanto em suas negociações com países menores quanto na promoção
de uma maior responsabilidade política em seu país. (Tradução de
Fabrício Calado Moreira)
*Dani Rodrik, professor de economia política
internacional na Harvard Kennedy School, é presidente da Associação Econômica
Internacional e autor de “Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World
Economy”.
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