quinta-feira, 21 de novembro de 2024

O RISCO MAIOR DA IMPUNIDADE

Míriam Leitão, O Globo

Quantos mais participaram da tentativa do golpe, além dos militares já presos? O inquérito tem que chegar a todos os envolvidos na trama

Dois anos depois de terem tramado matar o presidente da República, o vice-presidente e o então presidente do Tribunal Eleitoral, eles estavam todos soltos. Três dos militares presos na terça-feira são da ativa no Exército. Um deles, o tenente-coronel Rodrigo Azevedo, é oficial do Estado Maior e do Comando das Operações Especiais. Veio ao Rio e pediu para “visitar o planejamento” da GLO do G20. Tudo é estarrecedor nos documentos divulgados na operação "Contragolpe", mas esse detalhe de Azevedo é inquietante. Ele permanecia dissimulado com poder e influência. Quantos mais?

“Os investigados continuam a exercer seus postos no Exército e na Polícia Federal, salvo o general da reserva Mário Fernandes, que, entretanto, possui grande ascendência em relação aos kids pretos”, diz o texto da decisão de Alexandre de Moraes, citando o pedido de prisão da Polícia Federal.

Exceto Azevedo, os outros presos de terça-feira já estavam sob investigação desde a operação “Tempus Veritatis”. O general Mário Fernandes também estava no Rio. O tenente-coronel da ativa Hélio Ferreira Lima tinha vindo de Manaus para o Rio. Quando passou a ser investigado em fevereiro deste ano, ele era o comandante da Companhia de Forças Especiais de Manaus. Foi afastado e ficou em funções burocráticas. O tenente-coronel Rafael Martins Oliveira foi preso na “Tempus Veritatis”, depois passou a usar tornozeleira eletrônica e estava afastado do serviço. Ele também tinha vindo para o Rio. Todos vieram dizendo que queriam participar da formatura das Forças Especiais. Coincidentemente quando o Rio recebia as pessoas mais poderosas do planeta.

Algumas das informações já eram conhecidas, mas o que saiu agora foi o plano detalhado contra Lula, Alckmin e Moraes. O ministro do STF era vigiado a cada passo e houve até o dia em que quase executaram o plano de “neutralizar” Moraes. No dia 15 de dezembro de 2022, oficiais da ativa do Exército, com posições de poder nas Forças e no governo, identificavam-se com nomes de países, numa fictícia “Copa 2022” e prepararam uma emboscada ao ministro do Supremo Tribunal Federal.

“Às 20h57, Áustria diz: ‘Tô perto da posição. Vai cancelar o jogo?’”, Cerca de dois minutos depois, ouve a resposta de “Alemanha”: “Abortar Áustria. Volta para o lugar de desembarque”. E, assim, dessa forma não se consumou o plano. Motivo, naquele dia os ministros tiveram, felizmente, a ideia de encerrar mais cedo a sessão. A propósito, o tenente- coronel Rodrigo Azevedo, que até a segunda-feira tinha poder no Exército, era, aparentemente, o país “Brasil” naquele jogo macabro.

O general Mário Fernandes, que ocupava o segundo posto na Secretaria geral da Presidência no governo Bolsonaro, imprimiu no próprio Planalto, o plano “Punhal Verde e Amarelo”, de matar autoridades. A reunião de 5 de julho de 2022 em que Mário Fernandes pede a Jair Bolsonaro que execute o “plano" antes das eleições era já conhecida. Mas é sempre espantoso constatar a quantidade de cúmplices naquela reunião ministerial de uma conspiração para um golpe de Estado que se fazia à luz do dia.

A ideia dos golpistas presos na terça- feira, de acordo com farta documentação incluída no inquérito, era a de provocar uma crise a partir dos assassinatos de autoridades, criar um gabinete de crise que seria comandado pelos generais Heleno e Braga Netto. O golpe tinha decreto escrito, como se sabe. E teve a revisão feita pelo próprio Jair Bolsonaro. Na casa de Braga Netto, foi feita a primeira reunião desses kids pretos, que detonou uma série de conspirações. Mário Fernandes trabalhava sob as ordens do general Luiz Eduardo Ramos, que era o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência. Ramos, antes disso, havia sido chefe da Casa Civil e ministro da Secretaria de Governo.

Bolsonaro foi o inspirador desde o começo de tudo isso. Foi Bolsonaro que alimentou insistentemente a mentira de que as eleições seriam fraudadas, foi ele que rondou os quartéis cooptando apoio para a trama golpista. Foi ele que instilou ódio contra o STF, foi ele que gritou xingamentos contra o ministro Alexandre de Moraes em praça pública. O inquérito do golpe tem que chegar a todos os que participaram da trama golpista. Bolsonaro, Braga Netto, Heleno, Ramos, Almir Garnier e tantos outros que estejam envolvidos. É isso ou veremos a repetição da história. Aquela em que a democracia morre no fim.

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