O que um dia a mais de folga mudaria na vida da classe
trabalhadora. Uma crônica ouvida no metrô lotado de SP
No metrô apinhado de SP, destino Jabaquara, um debate entre
passageiros sobre o fim
da escala 6×1 de trabalho — projeto da bravíssima deputada Erika
Hilton (PSOL-SP) protocolado no Congresso, em Brasília.
Unanimidade no grupo de amigos e amigas de firmas da área de
serviço, a nova regra deveria ser a 5×2. Trabalha-se até o sextou e folga-se no
sábado e domingo, “como nossos pais”, os velhos operários do ABC e arredores.
Decidida a escala, a rodinha no meio do vagão passou ao que
interessa: o que faria cada um com a decência de uma folga a mais na vida.
“Finalmente veria o filme ‘Moana’ completo com a minha
filha. Até hoje, nem isso, e ela já vai fazer 5 anos”, disse o moço vestido com
o uniforme de uma rede de farmácias. “Ela deixou o finalzinho pra ver comigo e
fica cobrando. O tempo passa…”.
Aí começou o listão de pequenas coisas que mudaria a vida da
turma toda. De domingo no parque ao almoço na casa da vó em Santos.
“Quem sabe, por um milagre, voltaria até a namorar um pouco
o meu próprio marido”, gargalhou a mulher que vestia a camiseta de uma locadora
de carros. “Nunca vimos sequer um filme no shopping”.
O festival de melhorias seguiu no ritmo do trem: iria correr
pra perder essa pança, me jogaria no bailão do Sambarylove, no forró da ZS, não
sairia da piscina do Sesc, no campo de várzea do Ajax…
São coisas aparentemente simples, mas que não serão feitas
durante toda uma vida, como se essa gente acumulasse uma coleção de filmes,
nunca vividos ou só vistos pela metade.
Um diazinho a mais de folga que mudaria o ritmo do dengo com
os filhos, daria até para ouvir o áudio de quem a gente ama na velocidade
normal do primeiro “te amo”. Sim, da maneira mais piegas, sem medo do nosso
lado mais brega e derramado, o nosso underererê mais rotineiro.
Tudo isso me lembra, para seguir ainda na pegada romântica,
o “Epitáfio” dos Titãs:
“Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o Sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer”.
Com a escala 6×1, nada disso é ou será possível. O amor
demorado e bem feito fica apenas na saudade de um velho pagode dos anos 90.
Esquece.
P.S. Ah, mas tem que pensar nos empresários, diz o coro
grego na imprensa. Tem sim que pensar na pequena e média empresa. Que tal
ajudar o bar & lanches Padre Cícero, aqui na esquina, com a isenção braba
que beneficia somente os 17 setores gigantes (incluindo mídia &
comunicação) protegidos na reforma tributária?
P.S. 2 Ao rapaz que não consegue ver o final de “Moana” com
a filha, só um lembrete: o varejo farmacêutico (incluindo a rede que ele
trabalha) faturou R$ 91,3 bilhões, segundo o último balanço. Esse ano será
muito mais. Não será o seu descanso no sofá com a família que vai mudar a
história da riqueza do estabelecimento.
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